15.1.09

Boas notícias em tempos difíceis

Jeffrey D. Sachs, in Jornal de Negócios Online

Numa altura em que as manchetes se dedicam às crises financeiras e à violência, é especialmente importante reconhecer a criatividade de muitos governos no combate à pobreza, doença e fome. A questão não é meramente fazer com que nos sintamos um pouco melhor, mas sim enfrentar uma das piores ameaças do mundo: o pessimismo generalizado de que os problemas actuais são demasiado grandes para poderem ser solucionados.

Ao estudarmos os casos de sucesso, ganhamos conhecimentos e confiança para ir mais além nos nossos esforços conjuntos com vista a resolvermos os grandes desafios globais que se perfilam no presente.

Comecemos por tirar o chapéu ao México pela ideia pioneira das “transferências condicionais de dinheiro” destinadas aos agregados familiares pobres. Estas transferências permitem e incentivam aquelas famílias a investir na saúde, nutrição e educação dos seus filhos. O “Programa Oportunidades” do México, liderado pelo presidente Felipe Calderón, está agora a ser reproduzido, em larga escala, por toda a América Latina. Recentemente, na sequência de um apelo lançado pelos cantores Shakira e Alejandro Sanz, e de um movimento social por eles encabeçado, todos os líderes da América Latina se comprometeram a fortalecer os programas regionais destinados ao desenvolvimento das crianças nos seus primeiros anos de vida, com base nos sucessos que já estão comprovados até à data.

A Noruega, sob a liderança do primeiro-ministro Jens Stoltenberg, continua a manter a sua tradição de líder criativa em matéria ambiental e social. O governo norueguês estabeleceu uma aliança global para prevenir a morte materna durante o parto, investindo simultaneamente nos partos seguros e na sobrevivência dos recém-nascidos. Ao mesmo tempo, este país lançou um programa inovador, no valor de mil milhões de dólares, em cooperação com o Brasil, destinado a incentivar as comunidades pobres da Amazónia a travarem a rápida desflorestação. De forma inteligente, a Noruega só entrega os fundos ao Brasil mediante provas de sucesso nesse intento (tendo sido criada uma linha de base comparativa).

Espanha, sob a liderança do primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, deu um forte estímulo aos países mais pobres na concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Espanha criou um novo Fundo ODM junto das Nações Unidas para promover a cooperação necessária no seio da ONU de forma a lidar com os vários desafios dos ODM.

O governo espanhol sugeriu, acertadamente, que se invista simultaneamente na saúde, educação, agricultura e infra-estruturas como verdadeiras soluções para a pobreza, e em breve os espanhóis disponibilizarão os fundos para ajudar a tornar essa visão integrada numa realidade prática. Espanha vai ser a anfitriã de uma reunião, este mês, destinada a lançar uma nova batalha contra a fome a nível mundial. Uma vez mais, Espanha está a propor formas práticas e inovadoras de passar das palavras à acção, especialmente para ajudar os agricultores pobres a obterem os utensílios, sementes e fertilizantes que precisam para aumentar a produtividade, receitas e segurança alimentar das suas actividades agrícolas.

O primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, também surgiu no pelotão da frente da tentativa de resolução dos problemas a nível global, ao avançar com um arrojado plano de acção de combate às alterações climáticas e ao propor meios inovadores e práticos de lidar com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A Austrália pôs dinheiro real em cima da mesa, destinado a aumentar a produção de alimentos, na linha das propostas apresentadas por Espanha. E defende também que se intensifique o programa de acção para as economias insulares pobres e ameaçadas ambientalmente da região do Pacífico.

Estes esforços têm sido conjugados com acções nos países mais pobres. O Malawi, um país pobre e sem acesso ao mar, duplicou a sua produção alimentar anual desde 2005, sob a liderança do presidente Bingu wa Mutharika, através de um esforço pioneiro de ajuda aos seus agricultores mais pobres. O programa tem sido tão bem sucedido que está a ser replicado em todo o continente africano.

O governo do Mali, sob a liderança do presidente Amadou Toumani Touré, lançou recentemente um desafio audaz à comunidade mundial. O Mali deseja aumentar os investimentos em agricultura, saúde, educação e infra-estruturas nas suas 166 comunidades mais pobres. Os planos são pormenorizados, ponderados, credíveis e baseados em casos comprovados de sucesso que o governo já levou a cabo. O mundo rico prometeu ajudar o Mali e agora o Mali tem liderado o caminho com a sua criatividade.

Há incontáveis casos deste tipo que poderiam ser mencionados. A União Europeia lançou um esforço no valor de mil milhões de euros para ajudar os agricultores. A Fundação Gates, a UNICEF, o Rotary International e muitos governos têm tido êxito na redução da mortalidade por poliomielite (paralisia infantil) para um milésimo da taxa que se observava na geração precedente, fazendo com que esta doença esteja a ponto de ser erradicada. Esforços similares estão a ser postos em prática em muitas outras frentes – o controlo das infecções parasitárias e da lepra. Actualmente, está a ser levado a cabo um vasto esforço global para eliminar quase por completo, até 2015, o número de mortes devido à malária.

Todos estes casos de sucesso, e muitos mais, partilham um determinado padrão. Eles atacam um problema bem definido e sério, como por exemplo a fraca produção de alimentos ou uma doença específica, e baseiam-se num conjunto bem definido de soluções, tais como equipamentos agrícolas e “inputs” necessários aos agricultores, ou programas de vacinação.

Os projectos experimentais em pequena escala mostram de que forma se pode ser bem sucedido; o desafio consiste agora em adaptar essas soluções à escala de um país ou mesmo de todo o mundo. A liderança é necessária, tanto nos países necessitados como entre as nações ricas que podem ajudar a lançar e financiar as soluções. Por último, por mais modestas que sejam as quantias de dinheiro, quando direccionadas para a resolução de um problema prático podem fazer uma diferença histórica.

As más notícias podem ofuscar as boas, especialmente em épocas de séria crise financeira e inquietação política. Ainda assim, as boas notícias revelam que só perderemos a batalha contra a pobreza e a miséria se desistirmos e se não tivermos em conta a inteligência e boa vontade que podem ser mobilizadas nos tempos que correm. E talvez no próximo ano os Estados Unidos voltem a juntar-se ao esforço global com uma força renovada e destacada, liderados por um jovem presidente que disse acertadamente aos americanos e ao mundo que “Sim, somos capazes” (Yes, we can).