11.5.09

Portugal não reagiu à crise pior do que a UE"

por João Marcelino e Paulo Baldaia, in Diário de Notícias

Frontal, polémico, o ministro da Economia rejeita ser um homem de gafes e diz que Paulo Rangel teve falta de 'fair play' no caso da farinha 'Maizena'. Sobre o perigo de instabilidade governativa, diz que esta "está no ADN do PSD" e por isso não fala de um governo de bloco central, mas sim de uma nova maioria absoluta para o PS. Para revitalizar as exportações, pede o reforço da capacidade das empresas.

O plano para estimular a economia, lançado pelo Governo, ronda os 1300 milhões de euros. Isso chegará para evitar que a taxa de desemprego venha a rondar os dois dígitos?

As estimativas publicadas por Bruxelas esta semana apontam para o facto de a crise internacional europeia ser muito grave e, naturalmente, uma pequena economia aberta como Portugal não pode escapar a esta situação. No entanto, há alguns dados que vale a pena notar: o crescimento do PIB será menos negativo em Portugal do que na média dos países da União Europeia, o desemprego subirá menos do que a média da União Europeia e, no que diz respeito ao défice orçamental, não andará muito longe da média da União. Ou seja: as políticas que foram seguidas nos últimos anos, mais este pacote de medidas para contrariar a crise, fizeram com que, face a uma situação internacional extremamente negativa, a economia portuguesa não esteja a comportar-se pior do que a média, quando, se regressarmos a 2004, que foi outro ano em que a economia portuguesa estava em crise, tínhamos os todos os indicadores piores da zona euro.

Mas, objectivamente, o desemprego pode chegar aos 10%?

Estamos a fazer tudo para que o desemprego aumente o menos possível e isso faz-se ajudando as empresas. Não é com teorias, é através de acções muito concretas para ajudar as empresas. E não é com medidas pontuais, existe uma estratégia para ajudar as empresas que consiste em relançar o investimento público, de certa forma para compensar a queda do investimento privado e depois apoios muito focados sobre as PME [pequenas e médias empresas], em particular apoios destinados a fazê-las ultrapassar a sua grande dificuldade, que é o acesso ao financiamento. Na área dos instrumentos financeiros existem muitas medidas de apoio. E, depois, programas sectoriais, porque cada sector tem necessidades específicas.

O gestor judicial da Qimonda disse esta semana que há poucas hipóteses de encontrar um investidor credível para salvar esta multinacional e garante que a empresa pode fechar nas próximas duas, três semanas. Falharam os alemães, falharam os russos, falharam os chineses, não há investidores. O Governo pode fazer algo para salvar a Qimonda de Vila do Conde?

Tudo aquilo que dependa exclusivamente de Portugal pode ser feito. A Qimonda era uma empresa gigante, resolver o problema da Qimonda a nível mundial e na Alemanha não está ao nosso alcance, o que está ao nosso alcance é o que o Governo português está a fazer, e disso há provas: fazer materialmente tudo o que é possível para permitir a viabilidade da empresa e a manutenção do maior número de postos de trabalho possível.

Tudo o que é possível é andar pelo mundo a tentar encontrar pessoas que peguem na fábrica? Concretamente, como é que se descodifica essa tentativa de ajudar do Governo português?

Por exemplo, no que diz respeito à possibilidade dos investidores russos, houve contactos ao mais alto nível do senhor primeiro-ministro e meus, não só com o Governo russo, mas com os investidores. Além disso, como o Estado português é credor da Qimonda, pode adoptar uma atitude mais ou menos flexível para viabilizar uma solução. E, desde o início, ficou claro que o Estado português seria muito flexível no que diz respeito aos créditos que tem para com a empresa.

Ainda acredita que é possível salvar a Qimonda, enquanto multinacional?

Eu não deito a toalha ao chão. Até ao dia em que não seja possível, é evidente que vou pensar que é possível e é minha obrigação fazer tudo para que se encontre uma solução.

E se não for possível essa solução, como parece infelizmente ser esse o caminho, há alguma solução para o Governo actuar naquela região do País e encontrar emprego para as pessoas que vão ficar desempregadas?

Nessa e noutras regiões do País, onde também há empresas a fechar. A solução é muito clara: apoiar as empresas que existem de forma a que elas se mantenham viáveis. Algumas empresas que estavam em crise, e que são conhecidas de toda a gente, como a Aerosoles, as minas de Aljustrel, a Vista Alegre…

Mas, neste caso específico, estamos a falar de trabalhadores especializados e altamente qualificados. A questão é saber se daqueles 1200 haverá oportunidade para aproveitar parte significativa...

Vamos fazer tudo para criar uma solução para a Qimonda, não vamos pensar já em planos B, vamos continuar totalmente focados em encontrar uma solução para a Qimonda.

Há um deadline?

Não há um deadline.

Regressando às empresas, nas minas de Aljustrel vemos outra vez trabalhadores a queixarem-se que a solução, afinal, não foi a melhor. As minas avançam, não avançam? Têm empregos, não têm?

As minas de Aljustrel tinham sido compradas por uma empresa estrangeira, a canadiana Lundin, que sofreu brutalmente os efeitos da queda do preço do minério nos mercados internacionais. No final do ano passado, a perspectiva era que a Lundin, pura e simplesmente, fechasse a mina. Quando o Ministério da Economia tomou conhecimento desta realidade, fez aquilo que lhe competia, que foi tentar encontrar soluções alternativas, e apareceu um grupo português que no dia 23 de Dezembro celebrou um contrato de aquisição das acções da empresa canadiana. Esse grupo estabeleceu um plano que consiste em duas coisas: desenvolver uma nova mina no Gavião e não explorar zinco, mas cobre, em duas das minas existentes, que são as de Feitais e do Moinho. E fez um plano para isso. O que posso dizer é que o plano de desenvolvimento das minas de Feitais e do Moinho já foi entregue à AICEP, porque é um projecto de investimento que tem direito a ajudas - é um projecto da ordem dos 80 milhões de euros -, e eu espero que até ao final de Junho seja dado um pré-acordo para o desenvolvimento desse projecto. Relativamente a 23 de Dezembro, o número de trabalhadores aumentou em 12. Ainda ontem falei com os novos proprietários da empresa e eles disseram-me que, conforme planeado, esperam até ao final do ano ter mais 300 trabalhadores. É a solução possível, mas é uma solução positiva face à perspectiva que havia, que era, pura e simplesmente, de encerramento da mina.

Empresas que receberam ajudas do Estado português nos últimos tempos e encerrem ou façam despedimentos estão obrigadas a devolver as ajudas financeiras que receberam?

Naturalmente, se violam um contrato, estão obrigadas a isso. Os casos que se puseram nos últimos anos, mais importantes, foi o da Texas Instruments, com a qual foi conseguido um acordo, o caso da General Motors, em que o Estado português foi ressarcido dos apoios que tinham sido dados, no valor de 17 milhões de euros, e agora o caso da Qimonda, que é, de facto, maior.

Portanto, há processos em curso do Estado português contra algumas empresas que não cumpriram o seu contrato?

No caso da Texas Instruments, que já foi há uns anos, e no caso da General Motors, resolveu-se. No caso da Qimonda, se não for encontrada uma solução para a empresa…

E há outros?

Não há outros grandes. Ainda ontem me informei junto da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal] e pode haver casos pequenos.

Que clusters são fundamentais para a economia portuguesa e merecem o apoio do Governo? É possível salvá-los a todos, é para manter todos os que existem? Estamos a falar de calçado, têxteis, mobiliário, cortiça… É tudo para salvar?

Eu gostava de falar da necessidade de, para uma economia ter sucesso, como para cada um de nós ter sucesso na sua vida pessoal, ter uma estratégia e uma boa atitude. A estratégia da oposição é a estratégia do não e a atitude é baixar os braços. Eu queria, antes de falar dos clusters, falar da estratégia. Qual é a estratégia para a economia? É uma estratégia que aponta em cinco direcções. Primeiro, é necessário reforçar a infra-estrutura da economia, no sentido em que tínhamos um grande problema no sector da energia e tínhamos uma carga burocrática muito grande, que impedia o normal desenvolvimento da actividade das empresas. Reforço da infra-estrutura da economia. Em segundo lugar, colocar a inovação no centro da agenda para a economia e daí o plano tecnológico. Terceira prioridade, estimular o investimento modernizador, o investimento com grande tecnologia. Em quarto lugar, um grande foco nas PME. E, finalmente, diversificar as exportações. Esta é a estratégia. Há uma estratégia e esta não pode mudar ao sabor das circunstâncias, há uma atitude. A atitude é de grande determinação. Como sabem, podem acusar-me de tudo menos de baixar os braços. Esta estratégia está a produzir resultados em vários sectores. Nalguns isso ainda não é visível ao nível dos números da macroeconomia - nós tendemos a olhar para os números do crescimento da economia, para o emprego, para o défice orçamental, mas há algumas realidades importantes que estão a passar-se no nosso país, realidades que estão a aparecer neste momento, não são visíveis aos olhos de todos, mas quem as conhece está a ver até que ponto Portugal está a mudar.

Mas acha que estamos a conseguir diversificar mesmo as exportações?

Estamos a conseguir, sem dúvida alguma. O peso das exportações para fora da União Europeia aumentou entre cinco e seis pontos percentuais desde 2005 - portanto, estamos a conseguir diversificar as exportações em termos de destino. E os dados indicam que a intensidade tecnológica das exportações está a aumentar.

Mas também é verdade que o défice da balança comercial está agora a desagravar-se muito porque as importações estão a cair com bastante mais força do que as exportações. Quantos anos desta política continuada será necessária para que Portugal possa, um dia, ter um superavit?

Agradeço que me ponha essa questão, que é central, o problema do défice externo. Que, como questão central, tem de ser resolvida através de medidas estruturais, não com medidas de curto prazo. O nosso défice da balança de bens e serviços é metade do défice da importação de produtos de energia e a outra metade…

Mas vamos ter de continuar a importar energia?

Para resolver o problema do deficit externo temos de ter uma estratégia para a energia e uma estratégia para os outros produtos. No que diz respeito à energia, é sabido que não é possível, nem em Portugal nem em nenhum país do mundo, conseguir resultados de um dia para o outro. Mas uma coisa é certa: todos estão de acordo que Portugal tem uma das políticas mais avançadas e com mais visão do mundo para reduzir a sua dependência energética. Isso é metade do problema. A outra metade é como reduzir o nosso deficit nos outros produtos não energia. E para isso há duas coisas: a primeira é aumentar as exportações. Não basta dizer que é necessário aumentar as exportações, é necessário saber concretamente o que é preciso fazer para as aumentar. Temos de aumentar as exportações das empresas portuguesas que ou ainda não exportam ou exportam menos do que podiam exportar. É atrair novas empresas exportadoras e daí a captação de grandes projectos, que é muito importante. E outra área muito importante são os serviços, nomeadamente a parte do turismo. O turismo tem uma importância crescente na nossa balança externa e é necessária uma política muito determinada para aumentar as receitas do turismo. Em resumo, por um lado reduzir a nossa dependência da energia; por outro, estimular as exportações das empresas, seja dos sectores tradicionais, seja dos sectores novos.

Ter empresas como a Autoeuropa e a Qimonda é importante. A pergunta é: como é que o Governo está a ajudar as PME a exportarem mais? Como é que é possível uma velocidade que permita recuperar rapidamente a capacidade de exportar?

Precisamos de velocidade, mas precisamos é de uma estratégia e de muita determinação. Permitia-me dar um exemplo de uma atleta de quem sou amigo, nós agora estamos a usar a imagem dos nossos campeões olímpicos - associá-los à imagem de competitividade das nossas empresas, em particular das PME. E creio que a vida dos atletas é uma grande lição, não só pelo desporto, mas também uma lição de vida...

E quem é a atleta? É a Vanessa Fernandes?

É a Rosa Mota.

Uma ex-atleta.

Se a Rosa Mota tivesse estado sempre a mudar de treinador e de método de treino não tinha ganho a medalha olímpica. Quando a Rosa Mota tinha 20 anos, o médico disse-lhe que ela não podia treinar mais. Se não tivesse resistido a esta dificuldade, não teria sido campeã. Creio que isto é um muito bom exemplo do que é necessário para se ter sucesso na vida: uma estratégia, não estar constantemente a mudar de estratégia nem de treinador e saber vencer face às dificuldades.

Não podemos desistir, mas a verdade é que a previsão feita pelo Banco de Portugal indica uma contracção de 14 ou 15% nas exportações este ano. Há uma crise, que é global, e portanto reflecte-se também nas exportações. Mas repetindo a pergunta: o que é que estamos a fazer para ajudar as PME a exportar?

Estamos a fazer o que nunca foi feito. As PME, como sabem, nunca foram tão apoiadas como agora. E vale a pena esclarecer o que se passa relativamente às PME, porque o maior partido da oposição, desde Mira Amaral, não tem uma política relativamente às PME. Fala muito de PME, mas os números são claros. Em 2004 a nossa economia passou por uma crise, por não haver uma política para as PME. E por ter sido decidido de uma forma fria e racional colocar todos os ovos num cesto, as PME não foram apoiadas. Em 2008 e 2009, face à crise, as PME estão a ser apoiadas como nunca. Dou dados concretos que mostram como é que isto é verdade: em 2004 foi apoiado um total de 1500 PME, quando o universo é de 300 mil empresas. Em 2008 chegaram apoios do Estado a 6800 PME.

Ainda é muito pouco.

Ainda é muito pouco, mas representa multiplicar por quatro! Em 2009, em poucos meses, já chegaram apoios a 22 800 PME.

Estamos quase nos 25%.

Estamos quase e devemos tentar apoiar cada vez mais empresas. Compare este número, 1500 em 2004, com 22 800 em apenas cinco anos. Não é só o número de empresas que estão a ser apoiadas, são também os montantes envolvidos. Em 2004, foram 590 milhões de euros, todo o ano. Em 2008, chegou a 2600 milhões de euros. Portanto, multiplicou por um factor de cinco.