in Correio do Minho
Pobreza, analfabetismo, abandono escolar, desemprego e ausência de projectos de vida caracterizam a população do bairro da Bela Vista, em Setúbal, composto por habitações degradadas e palco de incidentes com a Polícia nos últimos dias.
A descrição foi feita hoje pelo padre Constantino Alves à agência Lusa, pároco do bairro há nove anos, que salientou a falta de satisfação de várias necessidades básicas e a degradação interior e exterior dos 800 fogos.
“Este bairro está fortemente marcado pela exclusão social. Metade da população vive em situação de pobreza ou abaixo do seu limiar”, explicou Constantino Alves, que hoje, mais uma vez, fez uma visita ao bairro da Bela Vista, actualmente patrulhado por um contingente policial reforçado pelo Corpo de Intervenção da PSP.
Os incidentes na Bela Vista começaram na quinta-feira à tarde, quando um grupo de jovens se concentrou junto à esquadra da PSP, alegadamente para homenagear o amigo morto durante uma perseguição policial da GNR, após um assalto a uma caixa multibanco no Hospital Particular do Algarve.
Desde então, têm-se vivido momentos de tensão na Bela Vista com incidentes e disparos contra a esquadra da Polícia, tiros para o ar, rebentamento de petardos, cinco viaturas incendiadas nas últimas noites e vários detidos.
Para o padre da Paróquia da Nossa Senhora da Conceição, a população, que ronda as cinco mil pessoas, “vive em pressão permanente, porque muitos ainda não viram satisfeitas algumas necessidades básicas como alimentação, emprego, habitação condigna e estudos”.
“As pessoas sentem-se frustradas, aban donadas, desanimadas e deprimidas devido à precariedade em que vivem”, sustentou.
Em seu entender, os incidentes que começaram quinta-feira começaram por ser uma forma de os jovens prestarem homenagem ao amigo falecido, mas também de “extravasarem as frustrações”.
Segundo o pároco, uma das situações que deveria merecer mais atenção por parte das autoridades é a “elevada percentagem de abandono escolar, nomeadamente entre os 13 e os 16 anos”, com o analfabetismo a “rondar os 30 por cento”.
“São jovens que não estudam, nem trabalham e que sentem o seu futuro estigmatizado, não tendo projectos de vida consistentes”, afirmou.
A população do bairro da Bela Vista, acrescenta, “sente-se abandonada pela Câmara de Setúbal e pelos serviços sociais” e tem “muita dificuldade em ver as suas pretensões atendidas, nomeadamente em relação à requalificação habitacional”.
“A noite no bairro é de escuridão e silêncio. Não há cafés, esplanadas ou centros sociais atraentes para os jovens”, explicou.
Questionado sobre a relação entre a PSP e alguns grupos de jovens, Constantino Alves reconheceu haver uma “conflitualidade latente”, sendo os polícias vistos por estes como um “símbolo de autoridade” a desafiar.
Nos nove anos que trabalha no bairro, o padre constatou muitas mudanças positivas “em termos de conhecimentos académicos, de aproximação entre os diferentes grupos étnicos, mas negativas pelo aumento da pobreza, desemprego, droga e degradação do parque habitacional”.

