por Leonídio Paulo Ferreira, in Diário de Notícias
Dizia Horácio que "a plácida morte bate com pé igual nos casebres dos pobres e nos palácios dos ricos". Tinha razão, faltava era acrescentar que tardava mais a chegar aos últimos. E se isso era evidente no século I, pois o abastado poeta morreu com 73 anos quando a esperança média de vida dos romanos não ultrapassava os 30, continua a ser verdade hoje. Em Portugal, grosso modo a Lusitânia da época de Horácio, os ricos vivem uma dezena de anos mais que os pobres, segundo um estudo divulgado pelo DN. Parte da tese de doutoramento de Ricardo Antunes, enfermeiro e sociólogo, a investigação feita às causas de morte de dois mil idosos permite avançar ser a classe social o factor-chave para explicar as diferenças de longevidade, muito mais que o sexo ou a região onde se vive. Ou seja, para se adivinhar até que idade um português viverá, vale mais olhar o extracto bancário do que ouvir um diagnóstico médico.
Não é novidade que ao longo da história os pobres têm sido carne para canhão - seja para ajudar a construir as fortunas de uns poucos seja nas guerras dos poderosos - e por isso houve tantas revoluções para tentar acabar com as desigualdades, desde a do escravo Espártaco, crucificado cinco anos antes de nascer Horácio, até à bolchevique de 1917. E, mesmo hoje, o fosso social mantém-se, e até numa escala nunca antes atingida. Basta pensar que num planeta com quase sete mil milhões de pessoas o quinto mais rico banqueteia-se com 76,5% dos recursos, enquanto o quinto mais pobre tenta sobreviver com 1,5%, o que explica porque mais de mil milhões de pessoas passam fome todos os dias. Ou porque em países como o Zimbabwe ou a Suazilândia a esperança média de vida ronda os 40 anos, pouco mais que no Império Romano.
Portugal faz parte da metade rica do mundo e a ONU classifica o país como de desenvolvimento humano muito elevado, um clube restrito que engloba a Europa Ocidental, os Estados Unidos e pouco mais. Nas últimas décadas os progressos têm sido impressionantes: a mortalidade infantil baixou em meio século de 40 para 4 por mil, enquanto a esperança de vida subiu de 66 para 81 anos nas mulheres (60 para 75 nos homens). Mas as desigualdades sociais continuam a ser das mais altas da União Europeia e 20% dos portugueses vivem na pobreza, segundo um estudo recente de Alfredo Bruto da Costa, o que significa que há ainda muito por fazer.
Dez anos de vida a mais ou a menos por causa da classe social é inaceitável, mas explicável pela literacia (os comportamentos são mais saudáveis quando se tem mais cultura) e pelo acesso aos cuidados médicos (recurso a privados quando o sistema nacional de saúde não chega). Ou seja, tudo se resume à educação e à saúde, dois direitos essenciais que compete ao Estado assegurar. Nesse campo o exemplo vem das sociais-democracias nórdicas, que, apesar de não serem perfeitas na eliminação das desigualdades sociais, se esforçam por o conseguir. E fazem lembrar outra frase do poeta Horácio: "Não há ninguém sem defeitos: o melhor é o que menos tem."

