9.12.09

Horácio Roque diz que Portugal vai sofrer quando subirem as taxas de juro

Por Cristina Ferreira, Luís Villalobos, in Jornal Público

"Portugal vai sofrer muito quando subirem as taxas de juro"
Por Cristina Ferreira e Luís Vilallobos

O banqueiro que fez fortuna no estrangeiro adivinha tempos difíceis e desemprego crescente e, por isso, recomenda a emigração

Participação de angolanos
"Se comprar o BPN, não faz sentido manter o Finibanco"

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Horácio Roque

Presidente do Banif O líder e principal accionista do Banif, aconselha os portugueses a emigrarem, pois nos próximos anos não vão ser criados novos empregos em Portugal. Os mais jovens devem olhar para o Brasil e para Angola, onde existem grandes oportunidades. O banqueiro admite que os resultados do Banif em 2009 não vão ser famosos, mas lembra que o esforço feito para adquirir a Tecnicrédito (Banco Mais) e a Global - 370 milhões de euros - vai permitir crescer na área do crédito ao consumo e seguradora.

O que vai acontecer à economia portuguesa, quando o BCE subir os juros?

Como Portugal é um grande devedor, vai ser um grande sofredor. Temos um grande endividamento, público e privado, o que irá reflectir-se na economia.

Em termos do Banif, qual vai ser o impacto de uma subida?

Vai afectar pela negativa. Quando a taxa de juro subir, um, dois, três pontos, o que vai acontecer é a falta de cumprimento por parte dos devedores.

Aumenta o crédito malparado?

Os bancos, no geral, contam que o crédito malvencido não melhore nos próximos meses e pode ser que se mantenha, pois houve uma grande limpeza de carteira.

Quais as suas expectativas para o final do ano? Os resultados do Banif, embora não sendo maus, tendo em conta a conjuntura, também não foram brilhantes [40,9 milhões de euros no 3º trimestre].

Não foram brilhantes, fizemos menos 18 por cento do que no ano anterior. Esperamos que o fecho de 2009 esteja em linha com a situação actual.

Da ordem de grandeza dos lucros registados em 2008 [59,2 milhões de euros, queda de 41,4 por cento]?

Não, daqueles que levamos agora e que já são inferiores aos do ano passado.

Que factores contribuíram para a queda dos lucros?

Embora os spreads tenham subido, a margem financeira diminuiu, pois o custo do dinheiro aumentou mais do que o próprio spread. Portanto, hoje temos uma taxa de referência muito baixa, temos um spread muito mais elevado do que aquele que se vinha a aplicar há um ou dois anos atrás. Mas a verdade é que os custos do dinheiro aumentaram e a margem de lucro foi reduzida.

Houve uma subida do preço dinheiro ao mesmo tempo que houve uma descida das taxas de juro? Há um paradoxo?É um facto. Se ia fazer um depósito há um ano, pagavam-lhe menos do que a taxa de referência e hoje pagam-lhe muito mais. A baixa da margem financeira é uma das razões para a queda dos lucros. A outra tem que ver com o crédito vencido, as imparidades que os bancos têm que fazer são elevadíssimas, e nós, no nosso caso, nos primeiros nove meses, já fizemos provisões (imparidades) que são o dobro daquelas que constituímos no mesmo período do ano anterior. Todo o sistema fez. Outra causa é a falta de negócio: menos compra de habitação, menos crédito ao consumo, menos investimento. Embora o crédito a clientes tenha crescido, no nosso caso até cresceu 3,5 por cento, e os nossos depósitos cresceram 4,5 por cento. O crédito no sector cresceu cerca de oito por cento.

Neste último ano o Banif comprou o Banco Mais e uma seguradora.

É verdade. Foi um ano muito importante para o grupo, desenvolvemos a área do crédito ao consumo e, para isso, tivemos de reforçar os nossos capitais próprios em 320 milhões de euros. E agora vamos desembolsar mais 120 milhões de euros para comprar a Global, que é um negócio que está ainda à espera das autorizações das autoridades. Em aquisições [Tecnicrédito e Global] vamos investir 370 milhões de euros. A Tecnicrédito tem o Banco Mais, especializado no crédito ao consumo, e ainda um banco na Hungria e operações na Eslováquia e na Polónia.

Qual o sentido da vossa estratégia de internacionalização?

Precisávamos de estar em Espanha, pois temos clientes em Portugal que investem em Espanha e vice-versa. Uma [33,3 por cento] no Banca Poeyo, na Extremadura, e que está a andar bem, e outra no Bankpime [27,5 por cento], em Barcelona. O Banca Poeyo tem sido gerido por uma família há mais de 120 anos, e resistiu bem à crise. Já o Banco Bankpime sofreu um bocado, até porque a Catalunha foi das regiões mais afectadas.

Vão desenvolver as operações no Leste?

Vamos crescer na Hungria, na Eslováquia e na Polónia.

Como está a correr a operação do Banif em Malta?

Está a correr bem, estamos a conquistar quota de mercado e penso que vamos atingir os nossos objectivos.

Dentro da vossa estratégia de expansão onde é que se insere a abertura de um escritório em Hong Kong?

É um mercado muito importante, que tem um grande potencial de negócio, por várias razões. Uma delas é a própria zona geográfica onde está inserido, onde há muito dinheiro para investir.

E a vossa ideia é captar esse investimento? E levá-lo para onde?

Pode ser captar investimentos ou também vender produtos, nomeadamente o crédito à exportação, como fazemos no Brasil.

Portugal pode desempenhar um papel como plataforma entre China, os PALOP e o Brasil?

Entre a China e os PALOP não acredito, porque os chineses não precisam de Portugal, tal como não precisam para o Brasil e América do Sul. Agora, entre Angola e os outros PALOP e o Brasil Portugal pode desempenhar um papel importante em várias áreas, até como placa giratória. Para isso precisamos de ter boas infra-estruturas, como um bom aeroporto.

Existem dois mercados, África do Sul e Angola, que conhece bem. Não tenciona investir lá?

Na África do Sul, o Banif já tem um escritório de representação. E para Angola não tenciono ir. Acho que já passou o tempo de ir para a Angola.

Qual é o potencial de crescimento da nossa economia?

Pelos números que temos vistos nos últimos anos é fraco, mas vai depender muito da nossa atitude e da recuperação do resto do mundo.

O desemprego em Portugal vai chegar aos dois dígitos?

Vai continuar a crescer. No próximo ano, as empresas vão continuar a ter problemas e muitas irão fechar. É claro que nós temos sempre uma ajuda ao nosso desemprego que é capacidade que os portugueses têm de emigrarem e de se fixarem lá fora. É evidente que tudo o que se passa nos outros países, como a Alemanha e a Espanha, vai contribuir para o emprego ou desemprego. Além de duas outras economias, e que podem ser muito importantes para nós, pois podem ajudar à nossa recuperação, como Angola e o Brasil.

Diz que o futuro depende também da capacidade que os portugueses têm de emigrar. Isso é grave...

Infelizmente, é verdade. E nós já tivemos que receber pessoas que trabalhavam na Alemanha e especialmente em Espanha, na zona fronteiriça onde trabalhavam milhares de pessoas, que já não têm lá emprego, e tiveram de regressar.

Hoje temos mais relações comerciais com Cabo Verde do que com o Brasil. O que é que é preciso fazer para que as nossas relações com o Brasil cresçam?

Mas nós beneficiamos muito do Brasil, e não é só pelos investimentos que temos no Brasil, mas também pelos portugueses que estão no Brasil, como pelos brasileiros que vivem em Portugal. O nosso relacionamento não é visível, mas ele existe e vê-se pelos aviões que saem todos os dias para o Brasil. Há uns anos voavam três aviões por semana para o Brasil e hoje temos sete ou oito voos por dia.

Mas é férias ou negócios?

As duas coisas.