14.12.09

"O que é que queremos? Justiça climática! Quando? Já!"

Por Sofia Cerqueira, Copenhaga, in Jornal Público

Milhares de pessoas desfilaram em Copenhaga para defender o planeta. A polícia deteve 700, mas a marcha seguiu de forma pacífica


O frio próximo dos zero graus não deteve os milhares de pessoas que saíram ontem às ruas de Copenhaga para pedir um acordo climático. Eram 30 mil, segundo a polícia. Chegavam aos cem mil, dizia a organização. Independentemente do número, formaram uma longa e colorida marcha, na qual couberam todas as mensagens.

O tom da maioria dos protestos era pacífico mas a violência surgiu quando alguns activistas radicais lançaram pedras à polícia e partiram janelas do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O corpo de intervenção estava a postos e só esperou pela primeira pedra para deter de forma quase aleatória cerca de 700 pessoas - os activistas vestidos de negro, do movimento "Never trust a cop" e muitos outros inocentes que rodeavam o grupo e foram isolados em bloco. A polícia justificou a acção como uma medida preventiva, autorizada pela lei aprovada para a conferência, que facilita as detenções.

Apesar dos incidentes, o dia foi de festa, num convite à imaginação pelo protesto mais original. O mundo inteiro estava representado em Copenhaga, com música, números de circo, máscaras, ursos polares e pinguins munidos de palavras de acção. "O que é que queremos? Justiça climática! Quando? Já!" foi o mote que embalou os cinco mil manifestantes que deram o pontapé de saída durante a manhã, num primeiro protesto pintado de azul, organizado pela associação "Amigos da Terra".

Pelas duas da tarde (uma, em Portugal), começava a marcha de cinco quilómetros que havia de levar os milhares de pessoas desde a praça do Parlamento até ao Bella Center, onde decorre a COP 15. As gargantas aqueciam-se com sopa e pão, distribuídos no local. Ensaiavam-se coreografias e refrões. Os desprevenidos podiam sempre escolher a mensagem que mais lhes agradasse, nas centenas de cartazes disponíveis. "Blá, blá, blá. Mais acção!" ou "Alterações na política, não no clima", eram algumas das opções.

Democracia em acção

Ninguém quis ficar em casa. Os 70 anos de Ellen não a impediram de estar na primeira fila do palco onde várias vítimas do clima e personalidades discursavam. Limpava as lágrimas discretamente enquanto comentava "o bom que era ver tantas pessoas nas ruas da (sua) cidade". Pode ser "que assim os políticos percebam que têm de fazer alguma coisa", acrescentava, sorrindo. Veio sozinha e decidida a caminhar "enquanto pudesse". No palco, a activista indiana Vandana Shiva entusiasmava a multidão: "Isto é o que uma Democracia deve ser! O que estão a fazer dentro do Bella Center é um atentado à Democracia!".

Os dinamarqueses estavam em maioria, mas tiveram a ajuda de vozes de todo o mundo. Na frente da manifestação, um grupo de indígenas bolivianos pede aos países desenvolvidos que se faça justiça. Ao lado, 20 jovens da tribo Sámi, vestidos a rigor, alertam para os efeitos do aquecimento global, que já sentem no Norte da Escandinávia.

A Greenpeace, a mais famosa das organizações ambientais, não faltou à chamada e deixou bem claro os destinatários da sua mensagem. Pelo cortejo, fizeram desfilar um carro alegórico, no qual um executivo manipulava Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Barack Obama. Os curiosos não davam descanso às máquinas fotográficas, tais eram os motivos de interesse. Sobre as cabeças dos manifestantes, emergia um bote de borracha com um passageiro solitário, que pedia ao público que o carregasse, numa alusão à subida do nível do mar.

Alheios à violência que marcou parte da manifestação, milhares de pessoas dançavam e cantavam naquela que parecia uma grande festa, não fosse a gravidade do tema. Na frente, dois palhaços imitavam a polícia, que não levou a mal. Pelo caminho, famílias descansavam num dos muitos cafés que não fecharam as portas, apesar do receio de confrontos. Um forte cordão policial marcava a única excepção - só o McDonalds decidiu não abrir e teve direito a protecção especial. "Não é fácil ser-se bastião do capitalismo e da indústria animal", comentava-se, sob uma onda de assobios.

Duas horas depois, o céu limpo que ontem brindou Copenhaga já dava lugar à noite e ao frio que teimava em apertar. Resistentes, a maioria dos manifestantes não esmoreceu e manteve o coro de protestos pela justiça climática, agora transformado numa vigília iluminada por tochas e velas, em frente ao Bella Center. Juntavam-se aos milhares de vozes que, um pouco por todo o mundo, pediram um acordo na Conferência do Clima. Só na Austrália foram 50 mil os que aderiram à causa ambiental, num coro que se estendeu da China à África do Sul, passando por vários países europeus e latino-americanos.