Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Existe apenas uma agência de emprego, tal como a lei as define. Mas a colocação de desempregados confunde-se em Portugal com o trabalho temporário
A actividade privada de emprego já é um negócio que, em 2008, ultrapassou os 1,2 mil milhões de euros. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), trata-se de uma actividade em expansão, que compara com os baixos níveis de colocação pelos centros de emprego, ao longo das três últimas décadas.
Quando o Governo se prepara - no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento - para apertar as condições de atribuição de subsídio de desemprego (ver texto pág. 4), tanto o sector privado como os centros de emprego terão de estar preparados para encontrar mais soluções. Mas, até agora, a actividade de conciliar a oferta de empregos com a procura de trabalho não tem sido fácil.
Em traços grossos, arranjar um emprego esteve quase sempre a cargo de cada um. Ainda hoje, segundo o INE, parece ser assim (ver caixa). Por outro lado, os centros de emprego nunca beneficiaram do exclusivo das ofertas de emprego (como em alguns países europeus), fosse por preocupação de desburocratizar o acesso ao emprego, fosse - como reconhece um antigo dirigente do IEFP - para proteger o sector privado. Mas o certo é que os centros não conseguiram ainda ganhar uma real capacidade de intervenção (ver gráficos). Ainda actualmente, os desempregados inscritos queixam-se (ver texto na pág.3) de ser chamados inúmeras vezes para "assistir a palestras sobre oportunidades de trabalho ou acções de formação, sobre como escrever um currículo, e outras chachadas que tais".
Qual é, segundo os números oficiais, a realidade actual desse sector privado? Não há muitos dados. O inquérito às empresas prestadoras de serviços data apenas de 2004. As empresas retratadas parecem englobar tanto a actividade de empresas de trabalho temporário, com as de puras agências de emprego. Mas os números globais mostram a trajectória.
Mais de 100 mil pessoas
Se até 2008 o número de empresas se manteve ao redor das 500, já o seu pessoal quase duplicou. Passou de 66,6 mil em 2004 para 102 mil em 2008. Mas estes números poderão confundir-se com o das pessoas colocadas. Em muitos casos, estas pertencem aos quadros das empresas de trabalho temporário, que as cedem às empresas que oferecem empregos. O volume de negócios acompanhou a evolução. Foi de 840 milhões de euros em 2006 e passou para 1,2 mil milhões dois anos depois.
Mas não há números precisos sobre a sua eficácia. Não se sabe precisamente quantas pessoas foram colocadas e com que tipo de contrato. O inquérito do INE revela, contudo, que a actividade do sector privado se tem concentrado na região de Lisboa e Vale do Tejo, enquanto que tanto as ofertas como a procura de emprego (dos desempregados inscritos nos centros de emprego) estão sobretudo no Norte e no Centro (cerca de 70 por cento). Essa diferença indica que o sector privado pode não estar a "preencher" as lacunas do mercado.
Mas a realidade das puras agências privadas de emprego, tal como a lei as define, é ainda outra. Eram apenas 5 em 2008 e caíram para 3 em 2009. Mas como o Decreto-Lei 260/2009 as forçou a adaptar-se ao novo regime - nomeadamente clarificando as ligações com as actividades de trabalho temporário -, o IEFP salienta que só uma se adaptou ao novo regime. Ou seja, "neste momento só existe uma agência privada licenciada".
A sua actividade é, pois, marginal, ainda que tenham acesso à base de ofertas de emprego dos centros de emprego. Em 2008, recorreram aos seus serviços 1195 pessoas para 493 ofertas de trabalho e, dessas, foram colocadas só 275 pessoas. Em 2009, foram ainda menos. Houve 1092 pessoas para 299 ofertas de trabalho e só 190 conseguiram ser empregadas. A hotelaria é de longe a actividade com maiores colocações (entre 93 e 80 por cento das colocações).
Protecção ao sector privado
A expansão do sector privado é, em parte, devida à política seguida nas últimas décadas, que aligeirou as obrigações do trabalho temporário e que tem recebido as críticas continuadas dos sindicatos - baixos salários, contratos pouco claros entre empresa cedente e empresa empregadora, esquemas complexos de precariedade, alta rotatividade de pessoal para evitar a contratação efectiva. Quando o PS chegou ao Governo em 1995, após 11 anos de Governo PSD, estava em causa o uso pervertido da figura dos contratos a prazo e do trabalho temporário. A proposta de lei socialista queria evitá-lo e criticava o "aluguer de mão-de-obra". Três anos volvidos, o Governo PS reconhecia já que era "um sector importante para uma correcta flexibilização do mercado de trabalho. Quis-se avançar cautelosamente, autorizando-o "em situações de acréscimo temporário ou excepcional de actividade" e apenas por 12 meses, "prorrogável até 24 meses", mas "sujeito a visto da Inspecção- Geral do Trabalho (IGT)". Mas esta precaução caiu com a Lei 19/2007. E aumentou-se o seu âmbito. Surgiu a figura do provedor do trabalho temporário, ocupado pelo socialista Vitalino Canas. A nova lei permitiu, contudo, uma alteração da leitura pelos tribunais, que passaram a arquivar os próprios autos levantados pela IGT, sem que o Governo considere necessário aclarar a lei.