Por Raquel Martins, in Jornal Público
Governo terá de procurar um equilíbrio entre o estímulo à procura de emprego e a protecção dos desempregados e os rendimentos
As alterações no valor do subsídio de desemprego e a redução dos salários oferecidos aos desempregados, duas das medidas previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), para reduzir os encargos com as prestações sociais e incentivar o regresso das pessoas ao mercado de trabalho, podem ter efeitos negativos nos salários e na qualidade do emprego. O alerta é deixado por vários especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, que aconselham o Governo a olhar para riscos associados a estas medidas, numa altura em que os efeitos da crise ainda não se dissiparam.
No PEC, o Governo manifesta a intenção de criar incentivos para que os beneficiários do subsídio de desemprego, que agora são cerca de 360 mil, encontrem "mais rapidamente emprego". Para isso vai mudar a relação entre o subsídio de desemprego e o salário líquido auferido anteriormente pelo trabalhador e reduzir o nível de salários oferecidos e que obrigam à aceitação de um novo posto de trabalho. Na prática, o valor do subsídio vai reduzir-se e os desempregados serão obrigados a trabalhar por salários mais baixos do que até aqui.
Peter Tergeist, economista do departamento de emprego e dos assuntos sociais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) - uma instituição que defende que a protecção social no desemprego não deve ser demasiado generosa - não tem dúvidas: "Reduzir o tempo de atribuição do subsídio de desemprego ou reduzir o seu valor induz à procura de emprego por parte dos desempregados".
Mas, alerta, não se pode "cortar cegamente". Tergeist defende que uma taxa de substituição do rendimento abaixo dos 50 por cento nos primeiros seis meses do desemprego "não é recomendável", o que deixa ao Governo alguma margem para mexer nas regras actuais, já que em Portugal o subsídio de desemprego corresponde a 65 por cento da remuneração ilíquida.
A experiência tem mostrado que "quanto mais tempo as pessoas estão desempregadas mais difícil é sair dessa situação, mas saem mais depressa quanto mais perto estiverem do fim do subsídio", frisa Nádia Simões, economista e membro do Observatório Europeu do Emprego. Por isso, medidas como as que o Governo diz que vai tomar "reduzem o número de beneficiários e colocam as pessoas mais depressa no mercado de trabalho". Mas isso tem um preço.
É que, ao pretender alterar o conceito de emprego conveniente, obrigando os desempregados a aceitarem trabalhar por um salário mais baixo do que até aqui, o Governo poderá estar a induzir uma redução dos níveis salariais (agora, o desempregado é obrigado a aceitar uma proposta de trabalho nos primeiros seis meses de desemprego, desde que lhe garanta um salário líquido igual ao valor do subsídio de desemprego, acrescido de 25 por cento, percentagem que deverá reduzir-se para dez por cento).
"Podemos estar a falar de empregos com pouca qualidade e que podem afectar os rendimentos das famílias, já que as empresas tenderão a oferecer salários mais baixos", frisa a especialista em mercado de trabalho.
É precisamente a redução dos níveis salariais dos que voltam a entrar no mercado que preocupa Carlos Pereira da Silva, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão. "Estas medidas servem para responder à OCDE e à Comissão Europeia. Não é pela redução do subsídio de desemprego que se motiva a procura de emprego, tem que haver outras motivações, nomeadamente formação com saídas profissionais como nos países nórdicos". Além disso, acrescenta, estas medidas podem ainda contribuir para agravar as desigualdades na distribuição dos rendimentos.
Por outro lado, lembra ainda Pereira da Silva, têm que se criar condições para que a economia consiga criar empregos, já que não é por se incentivar a procura activa que as pessoas vão encontrar emprego.