17.4.10

SEMINÁRIO CARITAS Activos e beneficiários do RSI altamente desqualificados

Humberta Augusto, in A União

A estatística da escolaridade dos activos açorianos é deveras negativa. O dos beneficiários do RSI ainda pior. O insucesso escolar e formativo foi uma das causas apontadas para esta realidade no seminário “Pobreza e Exclusão Social - novos desafios de intervenção” que ontem terminou em Angra do Heroísmo.

“A situação é má em Portugal porque Portugal é o país da Europa com a pior escolaridade e é má nos Açores porque os Açores são a região do país com a pior escolaridade e os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) ainda têm menos escolaridade que a média regional” – foi desta forma que o investigador Fernando Diogo, do Centro de Estudos Sociais, da Universidade dos Açores, sintetizou a realidade da população activa no arquipélago açoriano.

O conferencista do seminário “Pobreza e Exclusão Social - novos desafios de intervenção”, promovido pela Caritas dos Açores e que ontem terminou, sublinhou que “o problema dos activos altamente desqualificados é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento dos Açores”.

“Em síntese, existem 40600 açorianos activos cuja escolaridade é igual ou inferior ao 4º ano o que corresponde a sensivelmente um terço do total (33,89%). Além disso, 70100 activos (58,51%), ou seja, mais de metade, têm o 6º ano ou menos. São estes os activos altamente desqualificados – estes valores espelham uma realidade onde a maioria da população tem menos escolaridade do que o actual ensino obrigatório”, reforçou.

Em declarações à “a União”, Fernando Diogo disse, em relação aos beneficiários do RSI, que “o sistema de formação e a escola não está a funcionar para este perfil de população”, sendo “inegável que é preciso apostar na formação de profissionais no activo”.

Pobreza = Baixa escolaridade

O docente universitário, autor de vários artigos publicados sobre a temática da pobreza, do RSI, sustentou que “há poucas dúvidas sobre a relação entre pobreza e baixas escolaridades”, sendo os Açores “precisamente, a região portuguesa com uma maior incidência de pobreza, com 21.2% muito acima da média nacional de 16.4%, isto com base nos resultados do Inquérito às Despesas das Famílias de 2005 (Guerra et al., 2009)”.

Sob o título “Activos Altamente Desqualificados e Insucesso do Sistema de Ensino: o caso dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção dos Açores”, a palestra do especialista salvaguardou que quando se fala em beneficiários do RSI, “sensivelmente metade não se encontra em idade activa” (ver gráfico), por tratarem-se de crianças e jovens, quer porque estão em idade de reforma, uma vez que “a definição de beneficiário que inclui não apenas os indivíduos que requerem e recebem a prestação pecuniária que se associa a esta medida de apoio social mas contabiliza todos os que no agregado familiar do requerente são mobilizados para o cálculo da prestação”.

“Apenas 45% dos beneficiários estão em idade activa”, destacando que “uma grande parte dos beneficiários potencialmente activos era constituída por domésticas. Estas representavam 18% de todos os beneficiários, mais um por cento que os trabalhadores (com 17%). Por sua vez, os desempregados constituíam 5.2% do total dos beneficiários. Quer dizer, boa parte dos potenciais activos entre os beneficiários do RSI são estudantes e domésticas, sem esquecer os desempregados e havendo mesmo alguns reformados”.

Abandono escolar

As motivações para o abandono dos estudos foram, apurou, sobretudo, “de carácter instrumental”, ou seja, despoletados pela “necessidade familiar de completar o orçamento doméstico”. O segundo motivo está associado ao “desgosto pela escola, isto é à sua incapacidade de ser tornar atractiva para 20%, um quinto, do total”.

São sobretudo as mulheres que deixaram a escola por outros motivos, em geral, relacionados com a conjugalidade e com a família a não incentivar o prosseguimento dos estudos ou mesmo a retirar a jovem da escola para ficar em casa.

“Pode-se colocar a hipótese que a tendência foi a dos homens abandonaram os estudos para irem trabalhar e as mulheres para ficarem em casa a prestarem cuidados. Esta hipótese é compatível com uma distribuição tradicional dos papéis familiares que temos encontrado junto da população em análise (Diogo, 2007).”

Região oferece trabalho precário

“Considerando a especialização económica dos Açores, boa parte dos postos de trabalho disponíveis continuam a ter lugar em sectores de actividade como a agricultura, os serviços indiferenciados, os serviços pessoais e domésticos, o turismo, as pescas e, sobretudo a construção civil. Ora, estes sectores de actividade são, precisamente, aqueles em que quase todos os beneficiários trabalham (Diogo, 2007) e as actividades oferecidas exigem, por regra, escolaridades muito baixas”, conclui.

Segundo denota Fernando Diogo, “este é o retrato do passado recente e do presente, que nos permite verificar que existe uma espécie de adequação perversa entre aquilo que são as necessidades do mercado de trabalho e as opções dos indivíduos por percursos escolares curtos ou inexistentes”.

A importância da escolaridade é peremptória para o investigador social: “a escolaridade desempenha um outro papel importante no desenvolvimento. Quando se fala em desenvolvimento existe a tendência para reduzi-lo a um dos seus componentes: a das condições materiais de existência vista através da prosperidade económica do país e dos indivíduos. Contudo, o desenvolvimento também passa pela vida intelectual (e uso este termo à falta de melhor), isto é, pelas condições fornecidas aos indivíduos para se poderem melhorar a si próprios do ponto de vista intelectual, para se tornarem mais felizes e melhores cidadãos”.