João Cardoso Rosas, in Económico
Para assinalar o Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social, a Rede Europeia de Pobreza/Portugal apresentou esta semana na Assembleia da República um novo programa de acção.
Simultaneamente, soaram os alertas de várias entidades e personalidades em relação ao aumento recente dos casos de pobreza e exclusão em Portugal.
Mas por que razão se fala tanto de pobreza e exclusão - aparentemente, como parcos resultados práticos - e tão pouco de desigualdade social? A questão é ideológica. A direita não gosta de falar de desigualdade social porque isso lhe cheira a igualitarismo e revolta das massas. A esquerda "moderna", por influência do defunto "New Labour", adoptou a convicção de que a desigualdade, só por si, não é problemática e que a questão fundamental reside no crescimento económico, na medida em que este permite a melhoria da situação de todos, ainda que em proporções distintas (num efeito de ‘trickle-down').
No entanto, esta mudança da linguagem dominante - da "desigualdade" para a "pobreza" e a "exclusão" - é enganadora. Em Portugal, mesmo em tempos de crise, não existe um problema de pobreza absoluta. Ou seja, não existe nenhum grupo da população que viva, por deficiência das instituições sociais, sem ter acesso a alimentação, água potável e cuidados básicos de saúde. Quando se fala de pobreza em Portugal - e se aponta números entre 18 e 20% da população - está-se a falar do conceito de pobreza relativa. Mas este conceito, devidamente esmiuçado, diz-nos que x % da população tem um rendimento igual ou inferior a 60% do rendimento médio nacional. Ora, isto, é um indicador de desigualdade, não de pobreza (outro indicador, focado nos que têm mais e nos que têm menos, é o índice de Gini).
Parece-me que o abandono da linguagem da desigualdade - por razões ideológicas e muito pouco convincentes - é extremamente perverso. Em termos políticos, a ideia do combate às desigualdades ficou entregue ao discurso dos partidos radicais e de protesto - PCP e BE - que, por definição, não vão nunca influenciar decisivamente às políticas públicas. Em termos sociais, ficou-nos vedada, por falta da linguagem necessária, a evidência dos efeitos perniciosos da desigualdade: ao nível da saúde, do consumo de drogas, da criminalidade, do desempenho estudantil, etc. (veja-se, a este propósito, o famoso livrinho de Wilkinson e Pickett, "O Espírito da Igualdade", editado entre nós pela Presença).
Assim, para conseguirmos um dia lidar com o problema, talvez seja bom começar por falar dele com clarividência e abandonar a linguagem da "pobreza" e da "exclusão" pelas palavras e pela evidência empírica da desigualdade social.