Por Rosa Soares, João Ramos de Almeida e Isabel Arriaga e Cunha, em Bruxelas, in Jornal Público
Hoje é dia de Portugal ir aos mercados pedir dinheiro emprestado. O objectivo é conseguir pelo menos 750 milhões de euros a uma taxa que não fique muito acima de sete por cento
Com os olhos postos em Portugal. É como estão hoje, mais do que nunca, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Jean-Claude Trichet e todos os responsáveis políticos europeus que vivem preocupados com o futuro do euro. O próximo capítulo da crise da dívida pública europeia processa-se hoje, às 10:30 horas, quando forem divulgados os resultados da emissão de dívida pública agendada pelo Estado português.
E, com a Europa a olhar para Portugal, o país enfrenta o seu primeiro grande teste do ano para saber se vai conseguir sair da actual crise sem ter de recorrer a ajuda externa.
O Governo realiza hoje duas emissões de dívida, através de Obrigações do Tesouro (OT). Uma a um prazo de três anos, outra a dez anos. O objectivo é, no total, garantir um empréstimo de um montante situado entre 750 e 1250 milhões de euros.
Todos concordam que o Estado português se arrisca, no mínimo, a pagar taxas recorde, perto de sete por cento, o actual valor de mercado. No máximo, a não conseguir colocar a totalidade de dívida que pretende, um cenário que poderia desencadear o bola de neve de mais desconfiança relativamente à capacidade de Portugal se financiar sem a ajuda dos seus parceiros da zona euro e do FMI.
Ontem, o Governo jogou a sua última cartada antes do teste. Anunciou que um "apuramento preliminar" das contas públicas de 2010 aponta para que o Governo tenha conseguido uma folga orçamental de 800 milhões de euros face à meta prevista, ou seja, meio ponto percentual do PIB.
O anúncio foi feito por José Sócrates e Teixeira dos Santos, que apesar de se recusarem a avançar com uma estimativa para o défice orçamental, garantiram que ficará "claramente abaixo" da meta de 7,3 por cento.
De olhos inchados, José Sócrates frisou a importância destes números para desfazer "todos os rumores" de uma iminente ajuda externa. "O país está a fazer o seu trabalho e está a fazê-lo bem", afirmou. E "não vai pedir nenhuma ajuda financeira pela simples razão de que não é necessária". Depois virado mais para o PSD, disse: "Todos os rumores são especulações e não ajudam o país: prejudicam os interesses do país. O que se espera de dirigentes políticos é a defesa do interesse nacional". E se não o fizerem são "irresponsáveis e cúmplices" do que possa vir a acontecer.
O encontro com jornalistas foi marcado ao final de segunda-feira e pôs mesmo em causa a agenda do ministro das Finanças que era esperado às 9horas da manhã no Parlamento para apresentar as alterações à Lei de Enquadramento Orçamental. Meia sala estava pejado de jornalistas e televisões estrangeiras e as janelas abertas não foram capazes de arrefecer o calor que se sentia.
Analistas confiantes
Os analistas de mercado contactados pelo PÚBLICO admitem que este anúncio de última hora terá efeitos positivos na emissão. João Sousa, economista do BPI, admite que foi positivo, porque até agora os investidores ainda não tinham visto nenhuma correcção ao nível da despesa. Para hoje, prevê que "não deverá faltar procura", mas que a surpresa negativa poderá vir da taxa de juro.
Diogo Teixeira, administrador da gestora de patrimónios Optimize, também acredita na colocação da emissão, admitindo que no prazo mais longo a taxa de juro ande ligeiramente acima ou abaixo dos sete por cento. Mais do que a taxa de juro, Diogo Teixeira coloca ênfase no nível de procura, na medida em que ela sinalizará se Portugal vai continuar a atrair investidores.
Filipe Silva, gestor do mercado de dívida do Banco Carregosa admite que as taxas da operação fiquem em linha com as praticadas no mercado secundário, mas admite que "se a dívida a nove anos ficar acima dos 7,15 ou 7,20 por cento, a situação ficará muito complicada para o Governo português". Nesse cenário mais sombrio, o cenário de uma ajuda externa voltaria a entrar na agenda política, nacional e europeia. Por isso, em Bruxelas há espectadores atentos à emissão de hoje em Lisboa.
Portugal ainda poderá evitar pedir uma assistência financeira externa, desde que consiga convencer os mercados financeiros sobre a sua capacidade para reembolsar a dívida, defende um alto responsável europeu, mediante anonimato. O mesmo responsável, que saudou o anúncio de um défice público de 2010 melhor do que o previsto, frisou no entanto que a confiança não resulta unicamente da consolidação orçamental. O facto de se tratar de um país pobre e com um crescimento económico muito fraco suscita dúvidas nos mercados, sublinhou. "Com tempo e reformas estruturais, Portugal ainda pode pagar a dívida" mas "se os spreads dispararem" o recurso ao fundo de estabilidade do euro (EFSF) tornar-se-á inevitável. "Os próximos dias vão ser muito importantes", reconheceu.
Como o PÚBLICO noticiou ontem, o recurso, mais tarde ou mais cedo, de Portugal ao EFSF é dado como inevitável e mesmo desejável por grande parte dos países do euro, que têm exercido uma forte pressão nesse sentido sobre Lisboa. Segundo alguns diplomatas, as discussões sobre os preparativos ao nível técnico de uma eventual nova activação do EFSF já estão em curso, na previsão da eventualidade de Portugal vir a pedir assistência. Os mesmos diplomatas e o alto responsável já citado frisam no entanto que o processo só será formalmente despoletado se Lisboa o pedir.
Fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro, em declarações ao PÚBLICO, garante que "o Governo não tem conhecimento de absolutamente nada e que não houve qualquer contacto nesse sentido, pelo que não é possível que haja preparativos a serem feitos".

