in RTP
O investigador Pedro Goulart avisa para os efeitos da crise junto dos mais novos, apontando a inevitabilidade de um aumento do trabalho infantil em Portugal, com “efeitos negativos no sucesso escolar". Alertando para o ressurgir de um fenómeno de economia familiar típica nos anos 1970, o investigador lembra que "as crianças que nessa altura trocaram a escola pelo trabalho estão atualmente numa situação de pobreza".
Pedro Goulart falava esta quarta-feira numa conferência de imprensa na Universidade do Minho para estabelecer um paralelo entre a atual conjuntura e as transformações operadas nos anos de 1970, quando se deu o “surgimento de muitas pequenas empresas de cariz familiar" ligadas aos setores do têxtil e do calçado.
Em estudos realizados com Arjun S. Bedi, investigador e professor no Instituto de Estudos Sociais (na Haia, Holanda) na área da Economia e Desenvolvimento, Pedro Goulart percebeu que "nos anos 70 há um abrandamento da redução da taxa de trabalho infantil com o surgimento de muitas pequenas empresas de cariz familiar".
Estas empresas, cujo mecanismo era viável graças a “salários muito baixos comparativamente aos nossos parceiros europeus", não sobreviveram à abertura dos mercados a leste e à China, o que colocou Portugal numa situação em que o país deixou "de ser competitivo e essas pessoas ficaram sem trabalho, nem forma de o encontrar, por falta de qualificações".
Nessa segunda fase do problema, constatou-se que as crianças marcadas pelo “abandono” da escola se viram depois incapazes de desenvolver estratégias de qualificação, o que, hoje em dia, os coloca, “na sua maioria, numa situação de pobreza".
Vem aí mais trabalho infantil… a escola fica para depois
Foi neste sentido que o investigador português deixou ontem o alerta para o que aponta, à imagem do que aconteceu há quatro décadas, como uma realidade mais do que certa: este ciclo de crise que o país está a viver conduzirá, “no curto prazo, a um aumento do trabalho infantil em Portugal, provocando efeitos negativos no sucesso escolar".
Trabalho Infantil em Portugal
Nos anos de 1950, a taxa de trabalho infantil rondava os 60%; nos anos de 1960, esta taxa caia para 50% e, no final dos anos 70 andava à volta dos 35%.
Por volta do ano 2000, "8 a 12% das crianças ainda declaravam algum tipo de atividade, a qual tinha efeito negativo no sucesso escolar, mesmo sendo apenas uma hora de trabalho diária".O trabalho infantil vai crescer "especialmente nas famílias com terras, em que os filhos vão ter de trabalhar antes de irem para a escola". Pedro Goulart não fala num abandono puro e simples da escola, mas aponta as debilidades de deixar o percurso académico para segundo plano: "vai ter efeitos negativos no sucesso escolar, como está provado".
Este investigador da área da economia do trabalho, que se dedica ao fenómeno do trabalho infantil e escolaridade em Portugal, aponta a necessidade de combater o problema com "iniciativas que mantenham e atraiam os adolescentes à escola".