por Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias
Há mais de um milhão de processos a correr e sem fim à vista. Estado e privados disputam 14 mil milhões de euros nos tribunais fiscais. Só que o primeiro perde a maioria das acções.
Numa altura em que o dinheiro escasseia, cobrar uma dívida em tribunal não resolve o problema. Actualmente, correm nos tribunais portugueses mais de um milhão de processos relativos a esta matéria, segundo dados do relatório de actividades do Conselho Superior da Magistratura, entregue ontem ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama. O número de casos representa 70% dos processos pendentes.
De acordo com o mesmo documento do órgão de gestão e disciplina dos juízes, nada indica que o problema da cobrança de dívidas esteja ultrapassado no curto-médio prazo. Segundo os magistrados judiciais, a entrada em vigor de uma nova lei (o Decreto-Lei 226/2008) levou a que o juiz deixasse de "ter um controlo efectivo sobre os processos executivos, tendo crescido o número de requerimentos das partes de reclamação dos actos dos agentes de execução". O que só contribui para a morosidade dos casos.
Por outro lado, o Conselho Superior da Magistratura considera que actualmente os tribunais não estão preparados para dar resposta ao volume processual relativo à acção executiva.
"A tudo isto acresce que, com a aplicação Citius, a sobrecarga de trabalho dos juízes é ainda muito maior e desgastante, já que muitas vezes o sistema é lento, exigindo a consulta exclusivamente informática, sobretudo após entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/08 de 20 de Novembro, de peças com dezenas de páginas e dos documentos associados, transformando actos que demoravam alguns segundos ou poucos minutos em longos minutos, horas, tardes e dias, o que se reflecte inquestionavelmente na produtividade diária, com manifesto prejuízo dos cidadãos que reclamam uma justiça célere", lê-se no documento entregue ontem a Jaime Gama.
Para os juízes, o poder político deve tomar medidas para restabelecer a confiança dos cidadãos na capacidade dos tribunais em fazer cumprir os seus direitos. "Pouca importância terá a obtenção de uma sentença declarativa rápida e certa se, depois, o sistema entra em falência no que respeita a garantir, coercivamente, sempre que necessário, a realização do direito subjectivo reconhecido e declarado".
Se o panorama na cobrança de dívidas não é nada animador, pior se torna no que diz respeito a receitas para o Estado nos tribunais fiscais. Segundo os últimos dados da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, há 14 mil milhões de euros ainda em disputa entre o Estado e particulares e empresa. Estes processos, refira-se, começam quando o Estado notifica os particulares e empresas do imposto a pagar.
O passo seguinte é reclamar para um tribunal fiscal e esperar que o processo decorra. Normalmente, segundo um procurador do MP ouvido pelo DN, corre devagar. "Em Lisboa nota-se mais que o Estado perde muitos processos, porque existe uma advocacia mais agressiva e os interesses do Estado são defendidos por técnicos da DGCI que, na maior parte das vezes, estão a tratar de muitos processos aos mesmo tempo e não os conhecem em profundidade", resumiu a mesma fonte.