Isabel Stilwell, in Destak
É uma das principais caras do voluntariado português, a quem se deve (e a todos os que com ela trabalham, insiste em sublinhar) o grande sucesso e credibilidade do Banco Alimentar Contra a Fome. O facto de o projecto Volunteerbook, a página do Facebook apoiada na Bolsa de Voluntariado, ter sido escolhido pela Comissão Europeia para representar Portugal no Ano Europeu do Voluntariado foi o ponto de partida para esta conversa.
O que é o Volunteerbook?
Lançámos a Bolsa do Voluntariado (BV) em 2005, o maior site português de voluntariado, com 21 mil inscritos e mais de 1200 instituições. O Volunteerbook nasce porque as redes sociais são um fenómeno incontornável. Há 2,8 milhões de portugueses com conta no Facebook, a maioria jovens, a quem queríamos deixar o bichinho do voluntariado. Pessoas que não foram educadas para o voluntariado.
O que quer dizer que o voluntariado se ensina?
Temos de ensinar que o voluntariado deve fazer parte da vida de cada um de nós, porque somos co-responsáveis pelos outros. Ensinar-lhes que ser voluntário não é ser só 'bonzinho', é ter a certeza de que se pode mudar o mundo.
E que 'conteúdos' tem a página?
É uma plataforma onde se promovem boas ideias que podem ser replicadas, por pessoas ou por instituições, gerando valor social. Estou certa de que também o Volunteerbook foi escolhido porque é uma ideia fácil de replicar em todos os países.
A bolsa tem candidatos a voluntários, mas sabe quantos é que, na realidade, acabam a trabalhar como tal?
Aquilo que fazemos é perguntar às instituições quantos voluntários já encontraram através da bolsa. Não sei dizer o número concreto, mas sei que estas instituições já lá foram todas buscar gente. Temos o caso de uma instituição de apoio aos sem-abrigo que teve 140 voluntários só de lá.
É um modelo de bolsa de emprego?
O site foi concebido pela PT, por cima do Sapo Emprego, portanto o conceito é muito semelhante, e foi financiado pela Caixa Geral de Depósitos, que acreditou que o projecto era capaz de mudar alguma coisa. Procurava-se angariar voluntariado qualificado de forma a capacitar as instituições que precisam de ser geridas de forma cada vez mais profissional, porque têm cada vez menos recursos (dependem quase totalmente do Estado), e têm cada vez mais solicitações. Em tempos de crise, o peso que tem caído sobre as instituições de solidariedade é imenso.
A queixa de quem trabalha com voluntários é que, muitas vezes, não assumem o compromisso...
Há duas coisas que são difíceis quando se trata de conjugar voluntários e instituições: uma é o compromisso dos voluntários, mas o outro é a dificuldade que as instituições têm de os enquadrar, ou porque os técnicos têm medo de perder o lugar, ou de perder poder, ou porque não é explicado à partida aquilo que se espera de cada voluntário. É preciso fazer coincidir as expectativas do voluntário com as necessidades da instituição, senão geram-se frustrações de parte a parte.
Qual é o perfil do voluntário português, sabe-se?
Na bolsa, a maioria tem entre os 20 e os 40 anos, navega na Internet, e cerca de 70% é de Lisboa. Possuem qualificações e, muitos, estão empregados e querem um trabalho de voluntário ao fim de semana, ou fora das horas laborais (o que é difícil porque as instituições precisam de voluntários diariamente). Já os voluntários que colaboram no Banco Alimentar, ou que procuram uma forma de voluntariado mais intensa, têm um perfil diferente: são reformados ou pré-reformados jovens, que não sabem o que fazer com o seu tempo, mas com muitas capacidades, e muita vontade de ajudar. E há sempre mais mulheres.
Faz algum sentido um contracto entre voluntário e instituição que deixe claro expectativas, deveres e direitos?
Há instituições que têm esse contracto, nós não achámos necessário. Achamos que é na consciência de que o trabalho de cada voluntário é imprescindível para os resultados do todo é que está a solução.
A Entreajuda, que criou inspirada no Banco Alimentar, faz a ponte entre os que querem dar e os que precisam. Vai lançar agora um projecto novo?
Vamos lançar para a semana, com a associação portuguesa de bancos, um programa que se chama 'Dar a volta' e que pretende ajudar as instituições a optimizar os recursos, nomeadamente como gerir o voluntariado. Também queremos ensinar os técnicos a ajudarem as pessoas em situação de necessidade a recorrerem ao microcrédito. Elas têm uma ideia, mas não sabem fazer um plano de negócio, vamos ajudá-las a fazer planos de negócios, com os voluntários que vêm da bolsa.
Chegou ao Banco Alimentar há 15 anos. Sente que desde aí mudou muito o voluntariado em Portugal, e que o banco contribuiu para isso?
A diferença é radical. O voluntariado era muito ligado à Igreja, encarado como um complemento apenas caritativo. Hoje é considerado uma intervenção de cidadania activa. O BA tem um papel fundamental, porque é um voluntariado organizado que gera valor e tem um efeito multiplicador. Envolve as escolas, os alunos e as famílias, é tangível e deixa sementes. E é preciso não esquecer que o voluntariado também existe no desporto, ambiente, cultura. O êxito da acção 'Limpar Portugal' foi extraordinário, depois não foi renovada não se percebe porquê.
A última recolha de alimentos do Banco atingiu todos os recordes e coloca-o na liderança dos bancos alimentares europeus. A crise faz-nos mais generosos?
A minha mãe acendia o fogão com um fósforo usado, que acendia no esquentador. Viveu no tempo da guerra e os fósforos eram um bem escasso. Nas últimas décadas o valor que se atribui aos bens foi alterado, porque muitos bens de consumo diminuíram o preço. Agora as pessoas vão ter de viver de uma maneira mais pacata, regressarão à essência, e isso vai obrigar-nos a reavaliar as necessidades de consumo.
Qual é a sua área de formação?
Sou economista, mas o segredo está em trabalhar aqui como numa empresa em que fôssemos remunerados. É esse compromisso que faz a diferença nos resultados.
Ainda se acha que quem faz voluntariado é porque não precisa de um salário?
Esquece-se que não precisamos de ir ricos para o cemitério, temos é de ir ricos de coisas que nos preencheram e nos fizeram felizes. E por isso dispensam muitos bens materiais, desde que esteja assegurado o necessário para viverem. Desde que este trabalho as faça mais felizes. A mim faz.
Tem cinco filhos, trabalha 14 horas por dia. Como concilia tudo?
Com a capacidade que as mulheres têm de conciliar tudo! Tenho os meus tempos muito arrumadinhos. Por exemplo, janto sempre com os meus filhos, deito-os, mas depois trabalho à noite. São escolhas.

