in Gazeta das Caldas
Foi perante uma plateia quase lotada que a Assembleia Municipal de Alcobaça debateu, no passado dia 22 de Junho, o polémico alojamento da comunidade cigana que está há anos na Cova da Onça, junto ao novo Centro Escolar de Alcobaça, que deverá entrar em funcionamento no próximo mês de Setembro. Nas últimas semanas o assunto tem levantado celeuma em Alcobaça.
Perante a possibilidade dos ciganos serem deslocados para vários contentores num terreno municipal em Évora de Alcobaça, populares desta freguesia manifestaram-se, no início do mês de Junho, em frente aos Paços do Concelho e a autarquia acabou por recuar. E foi o suficiente para que o assunto voltasse à agenda política e ocupasse grande parte das mais de quatro horas que durou a última sessão do plenário, ainda que não integrasse a ordem de trabalhos.
O líder da bancada socialista, José Canha, lembrou que este é um problema que se arrasta há cerca de três décadas, “mas que ninguém, por medo, se atreve a tratar”. Considerando que se trata de “um assunto que deve ser tratado de forma profissional”, o socialista defendeu que “Alcobaça é um espaço agradável, mas não podemos deixar que uma nódoa venha denegrir este espaço”.
Da mesma bancada, coube a César Santos recordar que no anterior mandato (com Gonçalves Sapinho a presidir a autarquia e Paulo Inácio a presidir à Assembleia Municipal), a deputada socialista Ana Pereira alertou “em todas as sessões, que o problema se ia avolumando porque havia cada vez mais famílias”, mas que o anterior chefe de executivo nunca quis admitir que se tratava de um problema, “chegando até a ridicularizar a deputada”.
Agora que o assunto é debatido por todos, o socialista diz que “durante anos se adiou o inevitável” e acrescentou que este é “um problema sério, porque não é momentâneo e não se pode resolver em 15 dias”.
Aludindo aos ciganos já realojados em habitações sociais, César Santos diz que “resolveu-se um problema de habitação temporária, mas criou-se um problema de gueto social permanente” e que é preciso ter em conta que “a questão social é muito mais grave que a questão do sítio onde essas pessoas moram”. O socialista disse ainda que “a população de Alcobaça vive alguma insegurança” e “vê um conjunto de pessoas com alguma impunidade”, defendendo que todos, sem excepção, devem ter tratamento igual em todas as áreas de fiscalização.
Já Adelino Granja, que além de ser deputado do Bloco de Esquerda é advogado da comunidade cigana em causa, elogiou o desempenho humano do presidente da autarquia nesta situação, sobretudo na recusa da indemnização pedida pela comunidade, de forma a garantir que as famílias ficavam integradas. “Em termos profissionais não defendo cegamente a comunidade cigana. Mas também não consigo aceitar a manifestação xenófoba que alguns munícipes fizeram em frente à Câmara”, disse Granja. Uma afirmação que provocou, de imediato, um sonoro “leva-os para casa!” por parte de um dos munícipes que estava assistir à sessão.
Presidente da autarquia pede bom senso
Em resposta aos deputados municipais, Paulo Inácio defendeu que este é “um assunto sério de uma etnia que tem que respeitar as obrigações que todos os outros têm”, mas que tem de ser resolvido “com a menor injustiça possível”.
“Estou a tentar resolver o problema desta gente, mas também estou a tentar resolver um problema da sociedade com o mínimo de humanidade” e “com pouca má fama para a nossa terra”, afirmou. Apelando ao bom senso de todos para resolver a situação, o presidente da autarquia defendeu ainda que “o bom senso não passa por dar indemnizações a quem está a ocupar propriedade alheia”.
Mas as explicações não convenceram os munícipes que ali estavam. Antes da sessão, tinha sido anunciado via e-mail que os moradores da Cova da Onça se iriam manifestar. Na verdade, os moradores limitaram-se a preencher a plateia do auditório da Biblioteca Municipal (onde decorre a Assembleia Municipal) e a assistir ao plenário, aguardando o período destinado à intervenção do público. E quando a hora chegou, já bem depois da meia-noite, coube a Jorge Esteves de Carvalho expressar as preocupações dos moradores.
Na sua intervenção, o morador (que é também presidente da concelhia de Alcobaça do CDS-PP), rejeitou qualquer acusação de xenofobia e lembrou que os residentes da Cova da Onça, que lidam com a comunidade cigana há vários anos, nunca foram “para a rua nem para lado nenhum”. Mas querem saber “quando é que o problema vai ser resolvido e como”.
“Não é tirá-los de ao pé da minha casa e pô-los ao lado da casa de alguém”, referiu o munícipe, que durante a sua intervenção criticou o presidente da autarquia pelo facto deste ter esboçado um sorriso, o que considerou manifestação de desdém.
Na resposta, crispada, Paulo Inácio acusou Jorge Esteves de Carvalho de estar a ser populista e voltou a defender “o mínimo de dignidade e o máximo de responsabilidade” na solução que vier a ser encontrada.