Pedro Mesquita, in RR
Alcindo Carvalho percorre o Porto de bicicleta à procura de quem ainda queira afiar as facas e tesouras, ou arranjar um guarda-chuva de varetas partidas.
A crise económica faz renascer algumas profissões praticamente desaparecidas ou, pela menos, caídas em desuso, nas grandes cidades. Estão neste grupo os amoladores de facas, que também consertam guarda-chuvas, uma actividade a que Alcindo de Carvalho, do Porto, começou a dedicar-se na meia idade, depois de ter caído no desemprego.
Ao fundo da rua já é perceptível o som de uma flauta de amolador. Alcindo Carvalho aproxima-se de bicicleta e a soprar os mesmos acordes que antigamente faziam a chamada de possíveis clientes. Junto ao guiador, um saco com ferramentas e no quadro estão amarrados alguns guarda-chuva velhos.
À Renascença diz estar desempregado e que tenta contornar as dificuldades da vida com a bicicleta, a flauta e as ferramentas que trás consigo. Amolar facas e tesouras, arranjar guarda-chuvas é, agora, o seu dia-a-dia. "Ainda há quem queira".
A verdade é que o consumismo rouba espaço ao restauro de utensílios. O que se estraga geralmente vai para o lixo.
Este amolador queixa-se de que não leva para casa mais do que 15 euros por dia: "Dez, quinze euros... no máximo, e corro muito para ganhar esse dinheiro. Às vezes nem isso faço".
Alcindo conhece as ruas do Porto como poucos, mas não tem clientela fixa. "Isso depende. Não tem conta, nem hora certa. Às vezes aparecem dois, três, quatro, cinco clientes”.
Então e quanto custa afiar uma faca? Responde por grosso: “Três facas, cinco euros”. Arranjar um guarda-chuva? "Também varia. Há varas mais caras do que outras. Umas custam um euro e meio, outras dois".
Sem fazer contas aos quilómetros pedalados, este amolador diz o que já esperava ouvir, que sente forte concorrência das lojas de baixo preço. "Eles vendem aquilo tudo barato, não é? Ainda há guarda-chuvas bons que me pedem para arranjar. Ainda há pouco, ali atrás, arranjei dois que eram mesmo bons. Aqueles não vieram das lojas dos chineses. A quem sai de um chinês eu digo logo: Isso não vale a pena".
Nesta rua parece não haver clientes. O amolador Alcindo volta a pedalar e insiste na chamada, com a sua flauta. Quem sabe ao virar da esquina encontra mais uma tesoura para afiar ou uma vareta partida para substituir?

