in Dinheiro Vivo
A negligência não é um crime. É um pressuposto de punição: só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos previstos na lei, com negligência. Segundo Paulo Farinha Alves, sócio da PLMK para a área de contencioso e Direito Penal, o exemplo islandês é muito própio. "Tanto quanto se compreende das acusações que estão em causa na Islândiao que está em causa é a omissão de reacções adequadas à crise financeira de 2008 por parte do Primeiro-ministro". E em Portugal?
"Em Portugal, a responsabilidade dos titulares de cargos políticos está regulada numa Lei de 1987 que teve já 5 alterações, a última das quais em 2011.
Para que fosse possível desencadear os mecanismos da citada lei teria de encontrar-se actos (ou omissões) praticadas pelo anterior Primeiro-ministro e que se pudessem enquadrar em algum ou alguns dos crimes previstos: traição à Pátria, atentado contra a constituição da República, atentado contra o Estado Direito, coação contra órgãos constitucionais, prevaricação, denegação de justiça, desacatamento ou recusa de execução de decisão do tribunal, violação de normas de execução orçamental, suspensão ou restrição ilícita de direitos, liberdades e garantias, recebimento indevido de vantagem, corrupção activa ou passiva, violação de regras urbanísticas, peculato (de uso, por erro de outrem), participação económica em negócio, emprego de força pública contra a execução de lei de ordem legal, recusa de cooperação, abuso de poderes e violação de segredo.
Para além da dificuldade de encontrar um acto (ou omissão) do Primeiro Ministro (a investigação teria que escrutinar um longo período de gestão a não ser que tivesse já conhecimento do que poderia ser, em abstracto, considerado um ilícito) a lei prevê apenas punição para actos ou omissões concretas. O que significa que as situações são muito específicas.
Veja-se, por exemplo, o texto da lei a propósito do crime de violação de normas de execução orçamental:
O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole:
a) Contraindo encargos não permitidos por lei;
b) Autorizando pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente exigido;
c) Autorizando ou promovendo operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei;
d) Utilizando dotações ou fundos secretos, com violação das regras da universalidade e especificação legalmente previstas;
será punido com prisão até um ano.
Como pode ver por este exemplo, estamos a um nível de pormenor que permite concluir que, em Portugal, a responsabilidade do Primeiro Ministro é política sem prejuízo da análise de factos (muito concretos) que coloquem em causa a prática específica de algum acto que seja punido nos termos desta lei.”

