in Diário de Notícias
Os portugueses ainda estão a dar o benefício da dúvida ao Governo, mas a crise vai agravar a conflitualidade se sentirem que as suas expectativas foram defraudadas, avisou o sociólogo Elísio Estanque.
A poucos dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2012, onde estará previsto um novo aumento de impostos e de corte de despesa, o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra disse à Agência Lusa que os portugueses têm-se mostrado "condescendente e tolerantes em períodos de crise e dificuldades" porque "estão à espera do que vai acontecer", embora admita que o descontentamento está a aumentar.
"Isto é um jogo de expectativas. Quando estas se rompem há condições de emergência de situações mais desesperadas, mais radicais", justificou.
Elísio Estanque acredita que "a maioria das pessoas não esta virada para a violência", mas sublinhou que, em alturas de grande agitação, "há grupos organizados que estão à espreita para lançar o caos, como aconteceu na Grécia e pode acontecer em Portugal".
É previsível, assim, que a conflitualidade aumente, mas tudo depende "da maneira como as coisas são geridas" e da "coerência" que o Governo mostrar na implementação das medidas de austeridade.
Se os mais afectados pela crise continuam a ser os mais pobres, o sociólogo sublinha que "a nível da quebra de expectativas e do declínio dos padrões de vida que tinham sido alcançados" a classe média, surgida após o 25 de Abril, tem sido a mais prejudicada.
O académico teme, por isso, que as desigualdades, que tinham "estagnado na década de 2000" estejam a agravar-se e considera que algumas medidas estão a ser mal direcionadas "porque não atingem os grandes rendimentos, nem a acumulação lucrativa das empresas".
Já no que diz respeito às apoios que o Governo tem atribuído aos mais vulneráveis, embora possam "compensar ou minimizar os efeitos mais desastrosos" da austeridade, assentam em pressupostos assistencialistas.
"Baseiam-se na conceção de que uma parte significativa das pessoas são pobres por incompetência, por indigência, por falta de inteligência ou capacidade de pensar. Isso faz parte do paradigma liberal", afirmou.
O investigador, com especialização nos domínios de sociologia da empresa e das relações laborais e classes e desigualdades sociais, critica também a ausência de medidas de apoio à criação de emprego.
"Não vejo medidas de incentivo à criação de emprego, só vejo medidas de facilitação do poder dos empresários para pôr e dispor de quem trabalha".
Defendendo "incentivos ao desenvolvimento com envolvimento das pessoas, dos trabalhadores, das colectividades e das autarquias" para aproveitar as "competências" da força de trabalho, Elísio Estanque lamenta, pelo contrário, que o tecido empresarial português se caracterize por "uma cultura de obsessão lucrativa e uma mentalidade despótica de exercício de poder, sem capacidade de diálogo".

