Por Carlos Dias, in Público on-line
Vitalina de Almeida, 97 anos de idade, deixou os bancos da escola há 85 anos e “com bom aproveitamento”. E quando já nada fazia prever que se desse ao cuidado de aprender, uma amiga muito chegada incentivou-a a frequentar a Universidade Sénior em Grândola. Já lá vão quatro anos, sem que o cansaço ou os problemas de saúde a afastem dos estudos. ”Olhe, até parece que me sinto mais leve. Que não tenho a idade que tenho” conta a senhora, no meio de uma estridente gargalhada.
Antes de frequentar as aulas, estava em casa, costurava, fazia renda e lia muito. "Não parava quieta” explica. Mesmo assim, “senti uma grande curiosidade em aprender coisas novas”. E passou a frequentar aulas de Informática, Gerontomotricidade, Amadurecer com Saúde e Cultura Geral. Palavrões que Vitalina de Almeida traduz para História e Património e Danças Coreografadas.
Só a Informática é que diz estar “um bocadinho atrasada” devido ao facto de ainda não ter tido muitas aulas. A falta de um computador em casa, onde vive sozinha, “também não ajuda muito”. Não tem condições económicas para comprar um aparelho que já foi um “bicho complicado” mas que agora encara com grande vontade de aprender a manusear.
Mesmo assim queixa-se que a “cabeça já não é grande coisa”. Gostava de ter capacidade para interiorizar mais conhecimento, depois de tantas décadas sem estudar, apesar de ter concluído a antiga 4ª classe aos 12 anos “e com muito bom aproveitamento” recorda. Não se nota na sua voz um hiato ou um bloqueio momentâneo de memória.
Ana Pratas, responsável pela Universidade Sénior de Grândola, reforça o que classifica como um “fantástico exemplo de vida” descrevendo pormenores da sua passagem por um curso de Novas Oportunidades que também está a frequentar para concluir o 6º ano. Foi a primeira a começar a escrever a sua história de vida. “E tem uma letra muito bonita, nítida e uma escrita muito coerente. Além do mais consegue ler fluentemente e sem parar.”
A seu lado, Vitalina de Almeida sorri. Sorri sempre, enquanto conta ao PÚBLICO como é ser a aluna mais idosa da Universidade Sénior.
Novas formas de viver
“Ao fim de tantos anos descobri novas formas de viver”, prossegue a senhora, viúva há 18 anos, sem filhos e sem irmãos. “Éramos quatro. Já foram todos menos eu, a mais velha”. Uma história de solidão tão comum a mais idosos no Alentejo, incapazes de dar outra dimensão à sua vida.
Apesar de ter um dia-a-dia que não a deixa estar parada, a idosa diz que ainda tem gosto e vontade “para ler muito e fazer renda”. E depois lamenta-se que não tem tempo para nada, deixando expressa a convicção popular que “parar é morrer”. Conhece o que vai no mundo porque lê jornais “todos os dias” quando se desloca a um café próximo da sua casa para beber “um carioca” com uma amiga.
A sua presença nas aulas suscita as mais desencontradas observações. “Uns gostam do que faço, outros não. E ainda há os dizem que eu sou velha, mas eu não me importo”. A única resposta que tem para dar aos mais cépticos é clara: “Sempre que posso vou à escola”.
Nos constantes regressos que fez ao seu passado, contou que foi costureira de profissão, mas sempre na confecção de fato de homem. "Não gostava de fazer fatos de senhora”.
O ofício deixou-lhe alguns problemas de ossos. “Até já estou um bocadinho torta e pequenina”, diz. À força de ginástica espera endireitar os ossos. Outros problemas de saúde não tem, só o ser “muito mouca”, um problema que associa aos 97 anos que já conta.
Faz análises regularmente para saber do seu estado de saúde. “Dizem-me que tudo o que tenho é da idade. É por isso que não me importa de os ter”, mas ainda não teve nada de grave. A sua confiança na vida é tal que acredita chegar aos 100 anos, “altura em que sou capaz de arranjar algum emprego” conclui bem humorada.
Vitalina de Almeida representa “um exemplo importante” para os outros alunos na Universidade Sénior, que têm idades entre os 50 e os 97 anos. Os que têm mais de 60 dizem com frequência que “já não têm cabeça para aprender mas o caso da D. Vitalina ajuda-nos a contrariar esta posição”, diz Ana Pratas.