Ricardo Vieira, in RR
Após o anúncio de mais um pacote de austeridade, a rua sente o cerco que se aproxima. Entre a resignação e uma condenação sem julgamento, as pessoas preparam-se para "sobreviver".
“O povo agora está a começar a falar e com razão. Acho que isto não vai correr nada bem. Está a começar a haver fome, o povo está a começar a falar e isto vai implodir, vai ficar como a Grécia”, prevê.
Leonor, na casa dos 40 anos, falava com amigos sobre a crise que não larga os portugueses. Interpelada pela Renascença, não tem dúvidas em concluir que as novas medidas “são remendos numa manta em que tudo está mal".
“Eu tenho emprego, mas há pessoas que não têm nenhum emprego e há imensa gente com salário mínimo, pessoas licenciadas a serem pagas vergonhosamente, a maior parte a fugir do país. O problema não sou eu, o problema são esses”, afirma.
"O sistema é todo aberrante”, conclui Leonor.
Ana, a estudante de Pintura, não conhece Leonor, mas confirma os seus receios: “Vejo-me obrigada a ir para fora, é o que eu vou fazer daqui a um ano, vou para fora de Portugal. Embora goste muito de estar aqui, vejo-me praticamente obrigada a emigrar. Acho que estão a ir ao bolso das pessoas de uma forma mesmo violenta”.
Crise como prato do dia
Nesta ronda de entrevistas pelas ruas de Lisboa, parámos num café, sem clientes, para ouvir a opinião de um comerciante. Sérgio confessa estar em modo de “sobrevivência” e que já mal consegue pagar as suas contas.
Quanto ao negócio da cafetaria, Sérgio explica que pelas bandas do Chiado o cliente português é uma espécie em “vias de extinção”, porque “raramente aparecem”. Os estrangeiros constituem a grande maioria dos frequentadores daquele espaço.
Ana Sousa será uma excepção que confirma a regra. Esta trabalhadora na área da informática e estudante de Teatro está numa esplanada. Diz, contudo, que o dinheiro já só chega para “uma sopa e para beber uma imperial”. Quanto às medidas do Governo, parecem-lhe uma “pescadinha de rabo na boca”.
O taxista e o artista de variedades
Mais acima, na praça dominada pela estátua do poeta Luís Vaz Camões, que com a sua pena imortalizou as glórias dos Descobrimentos, António Andrade aguarda, pacientemente, no seu táxi, por clientes.
Questionado sobre o novo aumento dos impostos, este taxista lisboeta manifesta um misto de compreensão e resignação perante as medidas: “Aguentar, nunca aguentamos, mas se tiver que ser, o que é que vamos fazer? Paciência, neste momento não há alternativa. Neste momento, penso eu, que não há qualquer tipo de alternativa. Se houvesse, já teria sido posta em prática.”
A crise bateu à porta de António Andrade, que trabalha das 7h30 da manhã por vezes até à 01h00 da madrugada, sem folgas, e já não sabe o que é ter férias há quatro anos.
Neste 'vox pop', perguntámos a Pedro, um estudante que diz ser também “artista de variedades”, o que diria ao outro Pedro, o primeiro-ministro Passos Coelho, sobre as medidas de austeridade.´
“A única coisa que eu posso propôr ao Governo é que venham para a rua, mostrem a cara, deixem de se esconder atrás do fatinho e dos Mercedes e vejam o que as pessoas estão a sentir e a viver”.