André Macedo e Hugo Netuel, in Dinheiro Vivo
O presidente do BES viveu nacionalizações, várias crises, mas garante que nunca passou por uma assim. "Não há absolutamente nada garantido": os direitos vão recuar, os salários cair mais.
A solução? Baixar o IRC em 2014 e depois reduzir o IRS e o IVA. Uma garantia: se os acionistas quiserem, Salgado continuará presidente depois de 2015.
"A austeridade é violenta e está no limite." A frase é sua. Como é que um banqueiro mede, vê e sente esta recessão?
Eu já ando há muitos anos nesta atividade, passei por várias crises e nunca vi uma tão grave. Passei pelas nacionalizações, pelas crises do princípio dos anos 80 na América Latina, estava a residir no Brasil e assisti à falência de vários bancos, inclusivamente nos Estados Unidos. Passei pelas crises de 1987 e todas as que se seguiram até esta, que começou em meados de 2007, e nunca vi uma crise tão profunda, tão grande, tão destruidora de empregos e de riqueza.
Vamos demorar a sair dela?
Para sairmos da crise precisamos de concertação europeia e coordenação no sentido do relançamento da atividade económica na Europa. Por enquanto ainda não conseguimos ver a luz ao final do túnel.
Estamos sempre a ouvir falar nos antigos políticos, líderes fortes, determinados, com intuição. Temos um problema de liderança não só em Portugal mas na Europa?
Há de facto problemas de liderança, mas o mundo mudou muito. Não podemos ter dúvida alguma de que a globalização teve um efeito positivo, pela possibilidade e pela oportunidade que deu aos países emergentes de se valorizarem e crescerem. As populações desses países vivem hoje melhor que no passado; mas isto traduziu-se numa destruição de riqueza brutal na civilização do mundo ocidental pela deslocalização das empresas e destruição de empregos, empregos que foram deslocalizados para os países emergentes.
Falta liderança política nesta fase?
Teria sido necessário que, na medida em que a Europa passou da união económica para a união monetária, se tivessem afirmado líderes na Europa que tivessem equivalência aos que iniciaram a construção do projeto.
E isso não aconteceu?
Julgo que é muito difícil ver, nos próximos anos, a emergência desses líderes. Eu poderia citar um, que entretanto emergiu indiscutivelmente no sector bancário: o senhor Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu. É ele que ainda segura o projeto europeu.
Falemos de Portugal. Ao fim destes dois anos de governação duríssima, recessão profunda, ainda há espaço para executar este pacote de austeridade? Ouvi-o dizer que a austeridade devia ser reduzida ao mínimo.
Estamos a evoluir para uma situação em que a própria Europa já está a questionar a austeridade. Isso é um aspeto novo e a consequência da aplicação sistemática de medidas de austeridade e da não aplicação de medidas de relançamento da atividade económica. Se a Europa está a começar a mudar é porque as coisas, parece-me, vão no bom caminho. Mas não nos podemos esquecer de que vivemos numa realidade em que os países que compõe a União Europeia e monetária não estão na disposição de suportar mais défices orçamentais de outros países.
A desunião europeia...
Parece-me que foi a senhora Merkel que fez uma declaração em que comparava a segurança social em termos latos (não necessariamente a mesma definição que temos em Portugal e noutros países, mas a ideia de welfare) e concluía que a Europa representa 50% do welfare mundial. Por outro lado, a contrapartida para o PIB mundial da UE andará em 23%, 24%. Esta desproporção significa qualquer coisa. Não tenho dúvida alguma de que as vantagens sociais que os diferentes países foram conquistando têm de partir da necessidade de um consenso político absoluto, porque nenhum país, hoje, está na disposição de suportar o welfare de outro. Temos de ter consciência de que isso é inexorável. E por isso há que pôr ordem nas finanças públicas e encontrar um ponto de sustentabilidade do Estado.
Estamos muito longe desse ponto?
Estamos a caminhar para lá. Mas gostava de ver o assunto mais claro. É essa clareza que ainda não temos. Não temos em Portugal. Não temos em muitos países europeus.
Qual o risco de os cortes na função pública e nas pensões aprofundarem ainda mais a recessão?
Podem aprofundar. Se não forem tomadas outras medidas em Portugal e noutros países europeus, é o que irá acontecer. Mas penso que estamos agora num ponto em que pode haver uma viragem. Primeiro, porque sinto, ao nível europeu, uma preocupação grande em relação à recessão, que entretanto foi evoluindo e se estendeu. Por outro lado, há a consciência de que é preciso tomar algumas medidas rápidas. Vejo no centro europeu já uma evolução no sentido de estudar formas de financiamento de médio e longo prazo que possam financiar o relançamento da atividade económica. Em Portugal, precisamos de chegar a essa fase de relançamento da atividade económica, que há de vir, necessariamente, pelo investimento.
Nestes dois anos, o défice externo foi corrigido, as privatizações correram bem, o país conseguiu emitir dívida a dez anos. Falta crescer. Como se faz, com que urgência?
O grau de urgência é máximo. Para haver investimento têm de estar criadas condições em termos de confiança e comparabilidade de circunstâncias. Quando se compara o nível do IRC, lembro-me que a Irlanda fez um finca-pé brutal para se segurar ao que tinha. Se o compararmos ao português [a diferença] é do dia para a noite. Portanto, se houver uma ideia de investimento, a Irlanda passará sempre à nossa frente. Além da Irlanda, há n países que têm condições mais atrativas do que as nossas.
Devemos ter um IRC de 12,5% como o irlandês?
Temos de cair para um nível que seja atraente para o capital estrangeiro. É claro que a média do IRC europeu andará hoje na casa dos 22%, se o nosso estiver um pouco abaixo dos 22% já será melhor. Agora, não tem de ser feito de uma vez, pode ser feito dentro de um programa. É preciso é que seja anunciado. Os investidores, mesmo que tomem decisões de investimento hoje, só as vão materializar daqui a um ou dois anos. Não vão avançar se não sentirem uma confiança nova. Para terem um novo estado de espírito é preciso que o país e os governantes consigam passar uma mensagem mais positiva em relação ao futuro que, por enquanto, não se vê.
Se a taxa do IRC baixar em 2014 já será bom, é isso?
2014 serve. O que é importante é dizer qual é o nível da carga fiscal que vai incidir em 2014 e, eventualmente, que poderá regredir ainda mais no futuro. Mas é bom que isso seja comunicado aos empresários porque os empresários, acredite, de outra maneira não investem. Anda por aí uma convicção errada: os bancos estão constantemente a ser atacados porque, diz-se, dificultam o crédito para os investimentos. Isso não é verdade. Uma estatística do ano passado do INE mostra que mais de 60% dos empresários inquiridos dizem que não investem porque têm à frente a contração das faturações, a contração das vendas; só cerca de 9% é que dizem que têm dificuldades de acesso ao crédito. Isso mostra bem que há um grande desânimo da parte dos empresários. Não é com esse estado de espírito que podemos relançar a economia.
Há também um maior nível de exigência por parte da banca no que diz respeito à análise de risco...
A exigência da banca tem de estar sempre presente e nós, naturalmente, temos constrangimentos novos, que são impostos pelo programa da troika e da desalavancagem. Já se sabe que esse deleverage não vai ter de ser tão mandatório como foi inicialmente estabelecido, mas em todo o caso os bancos ainda têm de reembolsar o BCE. Portanto, o deleverage tem de estar presente.
O IRS e o IVA podem manter-se nos níveis atuais?
Acredito que estas medidas violentíssimas no IRS e no IVA têm de regredir porque foi claramente dito no início que foram impostas para reequilibrar e dar sustentabilidade à equação do Estado. O Estado, acreditamos nós, está a fazer o programa que permita a sua sustentabilidade em termos de custos e receitas. Logo que essa sustentabilidade esteja mais ou menos garantida, é evidente que as taxas de IRS e de IVA têm de regredir. É claro que as do IVA, em alguns casos pontuais, eu acho que podiam regredir mais rapidamente, até porque são destruidoras de emprego.
O ministro das Finanças concentrou-se na emergência orçamental. Agora é preciso um impulso diferente. O trabalho de Vítor Gaspar está concluído?
Julgo que a missão do ministro das Finanças nunca estará cumprida... Não posso deixar de felicitar o Ministério das Finanças, que, com uma enormíssima e infindável ajuda dos portugueses (que, pelo aperto violento do cinto, contribuíram para que houvesse credibilidade externa), conseguiu um sucesso na emissão de dívida a dez anos. Foi na realidade um enorme sucesso. Temos de pensar que este aspeto é fundamental e que estas operações agora têm de ter alguma normalidade. O fundamental é demonstrar, também ao mercado e aos nossos parceiros europeus, que podemos contar connosco próprios, com o nosso país, com as nossas empresas, com os nossos bancos, com o Estado português, para vivermos e termos uma vivência financeiramente independente da troika.
Acredita que a troika vai sair do país em junho de 2014?
Acredito que estamos no bom caminho, mas não podemos voltar atrás. A grande questão que está sempre pendente é saber se haverá uma reestruturação da dívida pública, se vão ser aplicadas medidas violentas como aquelas que foram aplicadas na Grécia. Acho que, de acordo com os modelos evolutivos do FMI e do Banco Central sobre o perfil da nossa dívida, tudo aponta para o início da regressão dessa dívida pública a partir de 2014 ou 2015. Vamos acreditar que esses modelos estão corretos. Mas para isso temos de demonstrar que temos capacidade de ir ao mercado por nós próprios, e aí acho que esta operação foi extremamente bem-sucedida. O mercado português participou só em 14% dos 13 mil milhões [licitados], e houve uma procura muito superior à oferta. Muitos mercados que estavam afastados da nossa dívida, como os países nórdicos, voltaram a aparecer. Os EUA também têm uma posição interessante.
O risco é menor, o juro é bom...
O juro é bom. Uma situação que está a caracterizar esta crise é a falta de oportunidades para aqueles que têm capitais para investir. Repare que estão hoje a aparecer grandes bolsas de capitais concentradas nas mãos de grande fundos internacionais, desde fundos de pensões, fundos de investimento disto ou daquilo, os private equities, fundos soberanos... Há uma grande concentração de capital e as oportunidades não são muitas em termos de investimento. Portanto, é bom que Portugal passe a ser uma oportunidade de investimento.
Concorda com a rescisão de 30 mil funcionários públicos, apesar de Portugal ter um número que está mais ou menos na média europeia?
O problema é saber se a média europeia não está também muito elevada. Não fui eu que inventei a palavra monstro!... Este problema não é só nosso, é um problema europeu. Um amigo meu francês dizia-me que, em França, há uma grande dificuldade em fazer evoluir as novas medidas e as novas leis porque a maioria da população é composta por reformados e por funcionários públicos, que não deixam que haja uma evolução na legislação francesa. Isso não é um problema só de França. Cada vez mais, por causa do envelhecimento da Europa, isto está a acontecer, e é preciso que haja um novo estado de espírito e um conjunto de novas regras para que o Estado seja sustentável.
Isso implica mexer nos “direitos adquiridos”? Refiro-me à possibilidade de ser imposta uma nova fórmula de cálculo das reformas com efeitos retroativos....
Há alguma coisa que esteja garantida nesta vida? Não há. Esta crise o que está a provocar é isso mesmo: as pessoas têm de se compenetrar que não há absolutamente nada garantido e tem de haver uma evolução. Agora, as diferenças que havia entre o sector público e o privado também não as percebo. Acho que tem de haver um equilíbrio entre os trabalhadores de um lado e do outro. É normal que haja essa evolução.
As pessoas estão dispostas a compreender esse alinhamento entre o público e o privado, mas têm dificuldade em perceber que seja posta em causa uma carreira contributiva de 35 ou 40 anos.
É terrível, sem dúvida, se houver alterações nesse capítulo. Mas todos temos de perceber que o Estado tem de encontrar o seu nível de sustentabilidade num determinado patamar. Não sou eu que estabeleço as definições políticas, acho que moralmente é um elemento muito importante: não pode haver o prejuízo das reformas daqueles que descontaram toda a sua vida. Agora, como diz o professor Medina Carreira, o Estado faliu e como o Estado faliu como é que essas situações podem ser garantidas? Portanto, tem de haver um pouco de compreensão entre todos. É claro que dirão: o senhor é banqueiro e pode falar com mais...
... conforto...
... conforto... mas também vos digo que a carga fiscal acima dos 150 mil euros é brutal, e ainda por cima tem o imposto de solidariedade. Mas acho que, como portugueses, temos obrigação de fazer tudo para ajudar o nosso país e parece-me que, moralmente, as pessoas que têm níveis de remuneração mais baixos não podem ser penalizadas nas reformas. É uma coisa que me choca muito; e se perguntar à maioria dos portugueses, dirão todos a mesma coisa. Mas há que procurar a sustentabilidade e essa sustentabilidade tem de ter em conta também esses padrões, esses valores morais que devem obedecer a alguma hierarquia.
O sector privado tem procurado ajustar-se mais depressa, daí o desemprego. Acha que esta queda de salários ainda vai continuar?
Vai ter de continuar até termos visto a luz ao fundo do túnel – e não a vimos. Temos de continuar a ter moderação salarial, reduzir os custos, reduzir as remunerações em todo o lado. Toca a todos.
Acredita na reindustrialização do país numa altura em que os empresários estão falidos ou sem capital?
Vou voltar às suas palavras iniciais. Sabe-se que o país está a poupar mais, a poupança das famílias tem aumentado, sem poupança não há investimentos, isso é uma regra básica em economia. O défice externo foi neutralizado, estamos com uma balança comercial positiva, também obtida através do esforço extraordinário dos nossos empresários nas exportações, mas muito mais pela contração do consumo e das importações. Outro aspeto relevantíssimo: lembrar que os emigrantes continuam a enviar recursos para Portugal, e isso mostra confiança. Os portugueses, mesmo os que estão fora – e eu vivi 17 anos fora de Portugal, oito anos no Brasil, dez anos na Suíça, e sempre constatei que os portugueses gostam muito do seu país –, continuam a acreditar no seu país, portanto, continuam a enviar recursos para Portugal. E é extraordinário que, apesar da crise e do que aconteceu no Chipre, aqui em Portugal os portugueses tenham aguentado. Houve alguns que tomaram medidas, mas de uma forma geral os depósitos continuam crescer. O país está com um nível de capital a crescer.
O que é preciso são medidas para o investimento fluir, que os empresários sintam um novo ânimo. É o aspeto que falta.
E a reindustrialização?
A reindustrialização é uma estratégia. É claro que para que Portugal possa ter uma nova vaga industrial tem de haver muita inovação, porque não é a fazer o mesmo que fazíamos no passado que nós lá vamos. Há inovação também em algumas indústrias tradicionais portuguesas, como o calçado e os têxteis, com muito sucesso, mas tem de haver empresas inovadoras. Eu e a administração executiva estamos perfeitamente a par do que se está fazer no país em termos de inovação e relançamento de novas empresas. É assim que se começa. Não foi há tanto tempo como isso que a Apple começou, no princípio dos anos 80, numa garagem e hoje é a maior empresa mundial. Uma coisa curiosa, em relação à globalização de que falei há pouco, vinha referido num artigo do Krugman, que a Apple criou até agora 45 mil empregos nos EUA e mais de 700 mil na China...
... a Apple está a tentar fazer regressar parte da produção.
Ótimo. Quando se fala de reindustrialização temos de pensar que as empresas inovadoras, como foi a Apple no seu tempo, podem ser replicadas e há com certeza empresários inovadores em vários sectores de atividade no nosso país que vão ser vencedores. Conheço alguns com muito sucesso. Quem sabe se nós podemos seguir essa via. Mas devem ser apoiados e o Estado aí tem um papel a fazer através do capital de risco, através de programas de ajuda à exportação. Há que seguir por aí.
Embora isso implique risco elevado para quem empresta esse capital. A propósito: disse há alguns meses que esperava que o pico do crédito malparado acontecesse neste primeiro trimestre; estima agora que se prolongue até ao final do ano. Que efeito pode ter este rombo?
Fiz essa afirmação em final de abril, princípio de maio do ano passado, quando fomos ao roadshow para o aumento de capital do banco no mercado europeu. Cerca de 150 investidores internacionais perguntaram-me quando é que eu considerava que o pico do crédito vencido iria ser atingido e nós, nessa altura, dissemos que seria no primeiro trimestre. Entretanto, desde abril do ano passado até agora, passou um ano e o que aconteceu foi que a austeridade foi aprofundada, a recessão foi maior. Se me perguntar quando é que prevejo que haja uma redução e tenhamos atingido o pico, eu diria que é mais lá para o final do ano.
Vamos passar um ano muito difícil, e as contas dos bancos, inevitavelmente, vão revelar esta recessão.
Exatamente. Eu não digo que os resultados dos bancos sejam secundários, porque nunca se pode dizer dos bancos ou das empresas que o resultado é secundário, mas estamos num período em que a prioridade absoluta é o reforço da situação dos bancos através o provisionamento. É essa a obrigação dos banqueiros, em vez de apresentarem resultados positivos. Veja que, no caso do BES, nós até os poderíamos ter apresentado. Tínhamos cerca de 120 milhões de reservas latentes na nossa carteira de títulos da dívida pública e mantivemos essa reserva latente, não materializámos o resultado positivo, apresentámos um prejuízo. A prioridade é o reforço do provisionamento, e espero que na segunda metade do ano as coisas melhorem no nosso país de forma a que o pico fique para trás.
As empresas portuguesas continuam endividadas, o equivalente a 180% do PIB. A procura interna também continua em queda. Como é que o crédito pode aumentar?
Tem de haver programas para as PME, nomeadamente para as empresas pequenas porque, se falarmos nas grandes, as grandes foram ao mercado emitir obrigações, os bancos ajudaram a colocar essas obrigações. A última foi a PT, que colocou dívida a sete anos, que já foi um prazo muito interessante e com uma excelente taxa. Portanto, com as grandes empresas, em princípio, não há problema. O problema é na área das pequenas e médias empresas, esse programa das PME crescimento e PME exportadoras, com a proteção também das sociedades de garantia mútua, essas operações, que podem ser financiadas com spreads mais baixos, pela garantia complementar que têm, é um fator que permite voltar a dinamizar o mercado.
Tudo para o sector exportador?
Exportador, mas também para outras PME que funcionam no mercado interno, e há muitas PME portuguesas que só estão no mercado interno, e estão a fornecer multinacionais ou grandes empresas nacionais, e que também são válidas. A malha das empresas portuguesas que sofreram está muito centrada em algumas indústrias tradicionais. O desemprego sabe-se de onde vem: do sector da construção, a montante das empresas fornecedoras da construção, a jusante das empresas subcontratadas. Houve um arrasar de empregos brutal naquelas empresas que estavam só no mercado doméstico, onde estão centrados os maiores riscos dos bancos. O sector turístico também sofreu. No pequeno comércio houve franjas que foram literalmente arrasadas. As empresas da restauração... e aí eu não percebo porque é que o IVA foi para estes níveis, acho que poderia ter sido evitado o cavalgar do IVA para as empresas da restauração que absorviam muito emprego. É de esperar que aí possa haver uma revisão. Mas o diagnóstico está feito.
O resgate à banca do Chipre deixou sem proteção os depósitos acima dos 100 mil euros. Esta decisão assustou os depositantes.
O Chipre não tem nada que ver com Portugal. Aliás, aqui para nós, eu não percebo como é que o Chipre entrou para a União Europeia. Se fizermos um esforço de memória, não há muito tempo o Chipre era uma ilha onde se digladiavam duas nacionalidades, a grega e a turca, e de repente aparece como um país europeu, dentro da união monetária, fenómeno que me parece de uma falha de apreciação, mas enfim... quem sou eu para estar a criticar o poder de decisão de Bruxelas nesse capítulo. Acho que, mais uma vez, foi cometido um erro em termos de coordenação europeia porque estamos todos a perceber que a decisão de penalizar os depositantes no Chipre foi para atingir aqueles capitais que vinham de fora, que estavam num offshore, principalmente oriundos da Rússia e julgo que uma parte também do Líbano. Não esquecer que o Chipre também fazia de offshore para o Líbano, porque o Líbano está sempre em convulsão por causa do problema da Palestina, Síria, Israel. Agora, quando se atingem por essa medida os capitais estrangeiros russos, esquece-se que a Europa precisa de capitais estrangeiros. Já pensaram bem no volume de capitais russos que existe por essa Europa fora? Não estou a falar dos oligarcas russos em Londres, estou a falar em Paris, estou a falar das principais cidades, mesmo na Alemanha, e depois os outros países; a América Latina tem capitais na Europa, África tem capitais na Europa, o Médio Oriente tem capitais na Europa! O facto de terem tirado o tapete – talvez tenha sido uma expressão um bocadinho excessiva da minha parte –, o facto de terem criado esse espectro da penalização dos depositantes, afeta a Europa como um todo. Há uma grande falta de coordenação na Europa.
Já decidiu se continua à frente do BES depois de 2015, quando terminar este mandato?
Faço o possível para me manter em forma, portanto, dependerá dos acionistas. Tenho feito a minha parte, continuo a trabalhar com ânimo, com gosto e, enfim, esta crise é uma crise que requer experiência. Eu sempre fui muito ligado ao mar, além de ter feito o meu serviço militar na Marinha, toda a vida fui desportista da vela, passei por vários temporais e sempre ouvi dizer que os marinheiros mais experientes são os que conduzem melhor as embarcações quando há um temporal muito grande.
Quem é
Ricardo Salgado é licenciado em Economia pelo atual ISEG, é presidente da Comissão Executiva do BES – o mandato acaba em 2015. Tem 68 anos, é casado, tem três filhos e seis netos.