Por Marta F. Reis, in iOnline
Sondagem avaliou percepções da população e dos médicos. Metade dos gestores dizem que acesso diminuiu
O que vai acontecer no Serviço Nacional de Saúde nos próximos tempos? A pergunta foi feita a utentes, médicos de família, especialistas e administradores hospitalares. O futuro é pouco animador foi a resposta mais consensual, com uma fatia de 39,5% da população a dizer que os serviços vão piorar. Três em cada dez médicos acham o mesmo.
Uma sondagem feita em Janeiro traça o retrato mais recente da percepção da população portuguesa e dos profissionais face à situação da saúde no país. Na hora de responderem o que mais os preocupa na situação nacional, o desemprego surge à cabeça, sendo apontado por sete em cada dez inquiridos. Mas em segundo lugar não estão impostos, escândalos financeiros e políticos ou a própria crise. Metade desta população está mais preocupada com os cuidados de saúde do que com os temas mais mediáticos da vida pública ou mesmo do que com sectores como a educação. Todas estas áreas mereceram nesta sondagem a preocupação de menos de um quarto dos inquiridos.
O estudo, promovido pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) e realizado pela empresa de sondagens Pitagórica, revela que este receio aflige utentes mas também as chefias do sistema de saúde, quer nas unidades privadas quer nas públicas. Foram entrevistados 20 administradores hospitalares, universo que, embora esteja longe de representar todos os gestores, deixa alguns avisos. Mais de metade (55%) sentem que os portugueses estão a ir menos ao médico que no passado, sendo o grupo que assinala com maior frequência este cenário. Questões financeiras e aumento de taxas moderadoras foram algumas das justificações.
Se o acesso é a principal preocupação face ao futuro entre estes profissionais, para os médicos de família o receio mais comum é a diminuição da qualidade – ideia partilhada por 24% dos 50 médicos inquiridos. Para os médicos especialistas a falta de dinheiro para os cidadãos terem acesso aos cuidados de saúde.
O estudo foi apresentado ontem em Lisboa por uma comissão da Apifarma dedicada a análises clínicas, já que a associação representa 12 empresas que actuam na área de meios de diagnóstico in vitro como análises ao sangue mas também tiras para a diabetes (80% do sector). Esta área foi por isso uma das escrutinadas na sondagem, dado que as empresas têm vindo a expressar a percepção de que os médicos estão a pedir menos análises.
Pedro Branco, um dos representantes do sector nesta comissão especializada da Apifarma, defendeu que não se tratará de uma diminuição nos exames de forma global, mas de prescrições menos detalhadas. “Testavam-se dez itens e agora são três. É cedo para dizer se será bom ou mau. Se por um lado há uma redução de custos para o Estado, pode haver situações em que os utentes precisam de regressar mais vezes para fazer novos exames mais detalhados, com mais custo e menos comodidade”, disse.
Na ausência de dados objectivos – a tutela ainda não divulgou este ano estatísticas sobre exames de diagnóstico realizados no SNS –, os resultados das sondagem são para já pouco conclusivos. Os médicos especialistas são o grupo que mais sente que as restrições financeiras têm impacto na realização de análises, com oito em dez a dizerem que essas circunstâncias são limitadoras. Médicos de família, administradores e responsáveis de laboratórios também o denunciam, com mais de 70% a reportarem restrições.
Já entre os utentes, quando questionados sobre o impacto de restrições financeiras, 66% dizem haver limitações na análises. Mas quando a pergunta é sobre a experiência pessoal as tendências são menos expressivas. Os utentes dizem fazer hoje tantas análises como no passado e a ideia geral é que tem havido uma estabilização. Contudo, ainda é significativa a percentagem de médicos de família e de laboratórios a dizer que os pedidos estão a diminuir de facto: três em cada dez médicos diz pede menos análises, quebra sentida também nos laboratórios.
Maioria vai ao médico por rotina Para sete em cada dez utentes as consultas de rotina são o principal motivo para ir ao médico, seguindo-se a realização ou apresentação de análises. Estar doente surge apenas como terceiro motivo mais consensual. A sondagem sugere que a vertente preventiva, que parece dominante no acesso aos cuidados, poderá ser a mais comprometida. A sua ajuda à detecção precoce, por exemplo através de análises, é valorizada por especialistas e utentes. É vista também como algo que reduz o custo dos tratamentos.
Se por agora a ideia mais consensual é que estas oscilações são reflexo de uma política de racionalização, um quinto dos médicos especialistas acredita que a prescrição electrónica veio reforçar a prescrição mínima. Já os gestores estão convencidos de que a redução reflecte um apelo ao bom senso, a característica que a maioria dos profissionais associa a um bom médico. Para a população, a ideia é outra: um bom médico é um profissional eficaz e sem receio de responder às suas perguntas.

