por Carla Caixinha, in RR
Deputado do PSD defende que a austeridade no Estado tem que continuar, pois o país continua a ter uma despesa pública muito elevada, mas a “pesadíssima” carga fiscal sobre as famílias e empresas deve ser aliviada.
A propósito do livro “As raízes do mal, a Troika e o Futuro”, lançado esta quinta-feira, a Renascença entrevistou Miguel Frasquilho, que localizou as “raízes do nosso mal” na segunda metade dos anos 90, quando António Guterres era primeiro-ministro. Mas terá sido a governação de José Sócrates que levou à “queda no abismo”. O deputado do PSD considera que o programa de ajustamento foi mal negociado na vertente orçamental e Pedro Passos Coelho, que assina o prefácio, revela ter pedido mais tempo à “troika”.
O livro divulga dez anos de artigos de opinião publicados, na sua maioria, no “Jornal de Negócios".
Quais são as “raízes do nosso mal”?
Situo na segunda metade dos anos 90, quando ficou decidido que iríamos aderir ao euro e quando o processo da globalização se tornou evidente, mas nós não estávamos preparados. Deixámos de ter controlo sobre as taxas de juro e sobre a nossa moeda – passámos a ter o euro – e na globalização não fizemos as reformas que nos permitissem ser mais competitivos para enfrentar quer a Zona Euro quer a concorrência dos mercados da China, Índia, Brasil e Rússia. Portugal passou a definhar economicamente.
Temos de fazer um grande ‘mea culpa’, porque ao nível dos responsáveis políticos e da mentalidade não houve a coragem, nem a disposição necessária para efectuar as mudanças que tinham de ser feitas. Teve de vir uma “troika” para nos dizer o que fazer.
E que deveríamos ter feito?
Pôr as contas públicas em ordem e não através de mais e mais impostos como fizemos. Sou um defensor do choque fiscal que não foi feito, o que foi uma pena num Governo a que pertenci: prometemos isso na campanha e depois não cumprimos. É algo a que os portugueses estão habituados…
Ou seja, tínhamos de ter posto em ordem as contas públicas, nomeadamente, tornar a despesa sustentável, o que implicava actuar sobre as despesas com pessoal e as prestações sociais, que correspondem a quase 75% da despesa pública total. Ao mesmo tempo, tínhamos de nos tornar fiscalmente competitivos e também competitivos noutras áreas, que estão agora a ser objecto de mudança com a “troika”: legislação laboral, mercado de arrendamento e Justiça, desburocratização da administração pública, nomeadamente do licenciamento. Cinco áreas em que Portugal se devia ter tornado competitivo, mas como tal não aconteceu estamos agora estamos a pagar a factura.
Os governantes foram cegos e surdos?
Não sou partidário da governação do engenheiro António Guterres na segunda metade dos anos 90, pois é aí que se situa, no meu ponto de vista, as raízes do mal, mas achei muito bem que tivesse feito ‘mea culpa’ há algumas semanas e creio que terá dito que a sua responsabilidade era elevada – uma atitude que não é normal em Portugal. Penso que os decisores políticos deviam pôr todos a mão na consciência e dizer: “Não, nós não fizemos aquilo que devíamos ter feito. Eu também fiz parte de um Governo – de Durão Barroso –, que teve muitos méritos, mas também teve esta pecha.
Também se culpabiliza. Acha que podia ter feito mais?
Sobretudo não me agradou estar a prometer uma coisa na campanha eleitoral e depois ter feito o contrário no Governo. Sei que a situação das finanças públicas era bastante má – mal sabíamos o que nos aguardava dez anos depois – mas se na altura se tornou inviável fazer o choque fiscal, imagine a dificuldade que é fazê-lo hoje. Quando tempos uma “troika” que nos dá as directrizes. Não somos senhores do nosso destino em termos económicos e financeiros e isso retrata a incapacidade que diversos governos tiveram de 1996 até agora. Sem ser tomado por uma partidarite aguda, pois já assumi as minhas responsabilidades, 80% do tempo foi da responsabilidade de governos socialistas. Isto são factos. O engenheiro Sócrates, que terá propiciado a queda no abismo, não lhe ficaria mal fazer um ‘mea culpa’.
A adesão ao euro foi uma espécie de tábua de salvação?
Acho que foi encarada como sendo a resolução de todos os nossos problemas, o que é a visão absolutamente errada, porque significou uma oportunidade grande para entrarmos num ambiente mais exigente e competitivo para o qual tínhamos de nos preparar. Como não percebemos isso - julgámos que era um fim - ficámos apanhados por uma inércia e falta de coragem. Era muito diferente estar a fazer a consolidação orçamental e prepararmo-nos para sermos mais competitivos com as reformas estruturais na segunda metade dos anos 90, pois nessa altura crescemos entre 4 e 5% ao ano.
O programa de ajustamento foi bem negociado?
Acho que o programa foi mal negociado na vertente orçamental. Aliás, o Dr. Passos Coelho diz no prefácio do livro que, quando tentou negociar, propôs mais um ano, mas disseram-lhe que não. Deixo uma informação para os portugueses reflectirem: a Irlanda negociou o seu programa de ajustamento de Novembro de 2010 a 2015, com problemas no sector financeiro. Já Portugal, em Maio de 2011, negociou um em que tinha de ter as suas contas em ordem até 2013 – isto cabe na cabeça de alguém?
E vieram as derrapagens…
Quando as primeiras derrapagens orçamentais de 2011 começaram a ser perceptíveis tornava-se claro que iria ser muito difícil. Mesmo assim, o Governo tentou o que era possível para recuperar credibilidade e mostrar serviço. Em Julho de 2012 ficou claro que não iria ser possível atingir as metas, a que se juntou os chumbos do Tribunal Constitucional, em 2011 e 2013. Se na altura, a “troika” tivesse dado os dois anos, que agora concedeu, não teríamos essa recessão enorme que estamos a viver.
Como aliviar?
Temos de deixar a economia respirar, temos de incutir alguma confiança para a dinamizar e, como as reformas estruturais demoram tempo até terem um efeito positivo, sou adepto de que os impostos deviam descer já: começaria a baixar gradualmente o IRC, revertendo ao máximo o enorme aumento, e o IRS até aos 15%. Contudo, isto não pode ser feito com a anuência dos nossos credores.
Detecto um tom de crítica…
Os processos de ajustamento na Europa não têm sido desenhados da forma mais correcta: são muito curtos no tempo e obrigam a lançar austeridade sobre austeridade e isso é contraproducente. Não podem desprezar a componente do crescimento económico. Penso que se os líderes europeus não atalharem caminho, o projecto do euro pode mais uma vez ficar em risco.
Mas o projecto do euro pode estar em risco?
Não acredito que se possa deitar pela borda fora um projecto de décadas, o maior projecto de paz a nível mundial e uma integração que só pode beneficiar a Europa. Se o projecto do euro implodisse – coisa que não acredito - recuaríamos 50 ou 60 anos, podíamos estar à beira de conflitos que consideramos hoje inimagináveis. E quando a crise chegar a França, como é? Somando a Espanha e a Itália de repente ficamos com mais 50% da Zona Euro em grandes dificuldades e as orientações vão continuar a ser as mesmas? Penso que não.
Acho que se aplica muito uma citação de um político que para mim foi uma referência, Winston Churchill: «Há alturas em que aos líderes não chega darem o seu melhor, têm de fazer o que é necessário».
Como vai ser o Portugal pós-troika?
Desengane-se quem pensa que o programa acaba em Junho de 2014 e a austeridade também. Ela vai ter de continuar sendo canalizada para o sector público e, neste sentido, acho que as recentes medidas anunciadas pelo primeiro-ministro vão no bom sentido – pecam talvez por tardias. Mas acho que ao mesmo tempo podia haver um sinal, um pequeno alívio, uma injecção de confiança nas famílias e nas empresas. Porque sem beneficiar o crescimento económico não vamos a lado nenhum.
Podemos aumentar o potencial da nossa economia e reverter a subida do desemprego, que é de longe o nosso maior flagelo social.
Vai chegar uma altura em que não vai ser só com Portugal que as orientações vão ter que ser renegociadas, elas têm de ser diferentes ao nível europeu – austeridade sobre austeridade não vai levar a lado nenhum.
Perfil
Miguel Frasquilho nasceu em 1965. Mestre em Teoria Económica pela UNL e Licenciado em Economia pela Universidade Católica. Deputado pelo PSD, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar e Vice-Presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Financeira a Portugal. Director-Coordenador do Departamento Espírito Santo Research. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças no XV Governo Constitucional. Presidente da Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações na XI Legislatura. Docente de diversas disciplinas de Economia e Métodos Quantitativos na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade Nova de Lisboa. Assessor do Secretário de Estado do Comércio no XII Governo Constitucional. Economista no Conselho Económico e Social e na FISECO – Serviços Financeiros S.A. Co-autor dos livros "Portugal Europeu?" (2001), "Produtividade e Crescimento em Portugal" (2002), "4R – Quarta República" (2007), "As Farpas da Quarta" (2009), e "Portugal e o Futuro – Homenagem a Ernâni Lopes" (2011). working papers publicados na área dos Métodos Quantitativos (Teoria do Controlo Óptimo e Análise de Decisão Multicritério).