Só um sexto dos idosos diz ter boa saúde. Portugal é o terceiro pior na União Europeia

Alexandra Campos, in Público online

Subdirector-geral da Saúde defende que a solução para aumentar os anos de vida saudável não passa por dar mais medicamentos e criar serviços de geriatria. O aumento das pensões é determinante, diz.

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Os idosos portugueses são dos mais pessimistas a avaliar o seu estado de saúde no conjunto dos países da União Europeia (UE). Por cá, apenas um sexto das pessoas a partir dos 65 anos afirma estar num estado de saúde bom ou muito bom face a uma média na UE que ultrapassa os 40%. Portugal surge mesmo no fim desta tabela, apenas suplantado pela Letónia e a Lituânia, países onde os idosos ainda avaliam de forma mais negativa o seu estado de saúde, de acordo com os dados mais recentes (2021) do Eurostat, o gabinete de estatísticas da UE.

Apesar do expressivo aumento da longevidade nas últimas décadas e de ter alcançado uma esperança média de vida elevada, Portugal é igualmente um dos países da União Europeia onde as pessoas usufruem de menos anos de vida saudável, ou seja, sem problemas de saúde, incapacidades ou limitações moderadas ou graves. Este é um indicador determinante, uma vez que atesta se os nossos últimos anos de vida são ou não vividos com boa saúde.

Os dados do Eurostat são inequívocos — este é outro indicador em que ficamos mal na fotografia. Em 2020 (últimos dados disponíveis), a estimativa de anos de vida saudável à nascença situava-se bem abaixo da média dos países da UE, sobretudo no caso das mulheres, e que ascendia então a 64,5 anos, quando, por cá, se ficava pelos 58,7 anos. Nos homens, a diferença era menos acentuada — 60,8 anos em Portugal contra 63,5 na média da União Europeia.

São resultados que não surpreendem José Pereira da Silva, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, que em Março do ano passado publicou as conclusões de um estudo que visou avaliar o envelhecimento saudável em mais de 2000 pessoas acima dos 70 anos em cinco países europeus.

Os participantes nacionais “apresentaram sistematicamente os piores indicadores”, com Portugal a destacar-se, de longe, como o país com “maior prevalência de vulnerabilidades na população idosa”. E “o mais preocupante”, enfatiza, é que os idosos recrutados para este estudo eram pessoas relativamente saudáveis e sem grandes dependências.

A prevalência do envelhecimento saudável nos idosos portugueses incluídos no estudo rondava apenas 8% contra os 36,7% dos participantes de França e os 58,3% da Áustria. “Não há um único indicador em que nos saíamos bem, desde a carência de vitamina D e de ferro, o desempenho cognitivo, o excesso de peso”, lamenta o médico, que atribui estes resultados a “uma multiplicidade de factores”, que vão “do acesso aos cuidados de saúde e a promoção da saúde até à manutenção da actividade”.

O médico está convencido, porém, que “a dimensão psicológica e social” terá aqui também um peso determinante: “É o nosso fado. De uma maneira geral, os portugueses são dados à psicologia da catastrofização e amplificação do sofrimento e más notícias”.

Estes dados resultam de um inquérito de autopercepção que “é muito influenciado por factores culturais”, começa por destacar Manuel Lopes, director da Escola Superior de Enfermagem da Universidade de Évora e investigador do Comprehensive Health Research Center. Mas decorrem igualmente de todo um percurso de vida. “Nós envelhecemos como vivemos e a actual geração de idosos em Portugal nasceu durante ou após a Segunda Guerra Mundial e comeu o pão que o diabo amassou”, lembra.

Por isso, é uma população com muitas doenças crónicas e, consequentemente, níveis de dependência muito elevados. “Quanto menos capacidade os idosos têm para cuidar de si próprios, menos bem se sentem”, sintetiza.

Falta de actividade física

O subdirector-geral da Saúde, Rui Portugal, também aponta várias razões para o pessimismo expresso por grande parte dos mais velhos. Desde logo, nota, os idosos portugueses passaram a ter acesso a cuidados de saúde apenas desde os anos 80 do século passado. “Além disso, temos uma população idosa que trabalhou nos anos 50 e 60 em actividades de carácter mais físico sem qualquer tipo de protecção, o que tem implicações na saúde, nomeadamente na primeira causa de anos de vida com incapacidade – a doença muscular esquelética degenerativa”. E muitos, acrescenta, “ouvem e vêem mal e o sistema de comparticipação de próteses não é o que deveria ser”.

Sem esquecer ainda o peso das dificuldades económicas, o médico de saúde pública defende que “uma das intervenções determinantes é o aumento das pensões, que permite que os idosos tenham uma alimentação mais adequada, possam aquecer e arrefecer as casas, ir ao café, a espectáculos”. De uma coisa está convencido: “A solução não passa por dar mais medicamentos e criar serviços de geriatria. A alternativa mais fácil é medicalizar, mas os outros profissionais de saúde, como os nutricionistas e os psicólogos, podem fazer um trabalho muito mais importante para a vida saudável do que a medicalização”, advoga.

Mas o subdirector-geral da Saúde não deixa também de enfatizar o peso cultural na auto-apreciação do estado de saúde em Portugal: “Vivi em Inglaterra e não me lembro de ver idosas a falar de problemas de saúde, elas falam de jardinagem... As nossas velhinhas só falam de doenças, a nossa ordem de prioridades é diferente”.

Já o presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia, o cardiologista Manuel Carrageta, está convencido de que a menor esperança de vida saudável dos portugueses face à média da UE tem que ver com os estilos de vida e, sobretudo, com a falta de actividade física. “Os portugueses são os mais sedentários e daqui resulta a perda de massa muscular e a síndrome de fragilidade. A partir de determinada idade, parece que começam a minguar, a andar devagar, a perder peso e força. Mas esta síndrome é reversível”, acentua.

Lembrando que “a nossa esperança média de vida é semelhante à dos outros países europeus”, Manuel Carrageta observa que ”o problema que agora temos que enfrentar é o da baixa qualidade de vida”. “E esse é o grande desafio, é a última fronteira da longevidade.”