10.8.23

Algarve vazio: vá para dentro, lá fora

Manuel Cardoso Humorista, opinião, in Expresso

O Algarve já foi destino, agora é fado: é do agrado dos portugueses, mas vê-lo ao vivo só está ao alcance do bolso dos estrangeiros


Pelintramente, requeri junto de familiares o usufruto temporário de uma casa de férias e, no início deste mês, consegui passar uns dias no Algarve. Na semana da Jornada Mundial da Juventude, tinha sido pressagiado um imparável movimento migratório pela A2 abaixo - não de “todos, todos, todos”, mas de alguns, alguns, alguns. Não ocorreu; o Sul estava efetivamente calminho. Escandalosamente calminho, até. O alerta de fraca adesão turística confirma-se: neste verão, a região tem dado ares de destino para onde as pessoas viajam quando querem evitar a confusão do Algarve.

Calculo que muita gente não se reveja neste Algarve em que não é preciso estar 45 minutos à espera de mesa para comer, em que não se tem de estacionar a dois quilómetros da praia, em que não nos é dada a oportunidade de escutar a totalidade da conversa íntima da família que estendeu a toalha a meio metro da nossa. Este não é o Algarve a que fomos habituados; exigimos o regresso do maralhal! É que o Rio Trancão tinha mais gente do que a Ria Formosa. Pela primeira vez na história das quinzenas de Agosto, foi pertinente alguém dizer "bom, a Bobadela está impossível, vou mas é desfrutar da quietude de Quarteira".

O Algarve não tem estado vazio necessariamente por causa da ausência de estrangeiros: a afluência de irlandeses, por exemplo, cresceu uns impressionantes 25% face ao período de pré-pandemia. É possível que o único irlandês que não veio para o Algarve tenha sido o ator Cillian Murphy, protagonista de “Oppenheimer” - provavelmente, porque já estaria suficientemente bronzeado em virtude da radiação atómica.

Segundo os dados da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, quem faltou à chamada foram os turistas nacionais. Ou seja, se o Sul do país já foi o segredo mais bem guardado da Europa, hoje é o segredo mais bem guardado de Portugal. Não por ser um local desconhecido, mas porque está tão caro que, para não ser tido como um magnata, quem lá vai guarda sigilo. O Algarve já foi destino, agora é fado: é do agrado dos portugueses, mas vê-lo ao vivo só está ao alcance do bolso dos estrangeiros.

Paulo Futre, em 2011, estava parcialmente correto quando profetizou "vão vir charters". Na verdade, "estão a sair charters". De Portugal, em direção a destinos turísticos mais em conta. Segundo a edição da semana passada do Expresso, os voos para países como Cabo Verde, Caraíbas, Marrocos, Tunísia, Egito ou Senegal têm tido imensa procura. A razão? Os preços são muito mais competitivos do que os do Algarve. Ou seja, passar férias em Boliqueime é atualmente mais extravagante do que ir para as Bahamas. Isto terá consequências trágicas, como o aumento do número de pessoas que nos dirão que "não há melhor do que um hotel com pulseirinha" e que nos tentarão convencer que um curso de mergulho "vale mesmo a pena".

Eu não percebo nada de hotelaria, mas julgo que os operadores turísticos do Algarve se entusiasmaram nos preços face à competição. Note-se que a maioria dos destinos supracitados são banhados por água quentinha. Ao português não lhe falta vontade de ir para o Algarve e é até capaz de desafiar um estrangeiro para um duelo, caso lhe ouça uma crítica às praias portuguesas.

Agora, um destino de praia cuja temperatura do mar é frequentemente definida pela frase "custa a entrar, mas depois habituas-te" de modo algum justifica 200 euros por uma noite num hotel. Uma vez que os portugueses parecem estar a escolher destinos de praia porque o Algarve está muito inflacionado, o novo lema do Turismo de Portugal devia ser "vá para dentro, lá fora".

Portanto, Lisboa estava a abarrotar de beatos, o Algarve ficou demasiado caro e o interior lida, como sempre, com os incêndios. Onde é que os portugueses se enfiaram no verão de 2023? No cinema. O ICA revelou que julho foi o melhor mês em receitas brutas para as salas de cinema desde que há registos. Faz sentido, é o único local com ar condicionado em que podemos dormir no verão que custa menos de dez euros. Parte desta faturação terá acontecido graças ao filme “Oppenheimer”. É curioso que, para fugirem ao calor, os portugueses tenham ido ver uma película que se debruça sobre uma bomba que atinge temperaturas de 50 milhões de graus Celsius.

Nesta quinta-feira, estreou o filme “Gran Turismo”. Ainda não vi, mas é melhor não esperar grande coisa: parece que tudo o que está relacionado com turismo em Portugal tem ficado aquém das expectativas.