Rui Bairrada, opinião, in Expresso
É preciso atuarmos no imediato, sob pena de os problemas que temos hoje aumentarem e se tornarem fraturantes para a sociedade
Os últimos anos têm sido desafiantes para quem quer comprar casa: os preços dos imóveis subiram de forma significativa e, no último ano e meio, os juros dispararam. Estes dois fenómenos aumentaram a pressão sobre as famílias.
Um crédito contratado em 2020 no valor de 150 mil euros, a 30 anos, representava um encargo mensal de cerca de 470 euros, tendo em consideração um spread de 1,2%. O mesmo financiamento representa hoje uma prestação superior a 800 euros.
O Banco de Portugal anunciou que vai aliviar o cálculo da taxa de esforço que os bancos têm de avaliar para concederem crédito. Os bancos vão passar a analisar a viabilidade dos processos tendo em consideração um aumento adicional da taxa de juro de 1,5%, em vez dos atuais 3%. O objetivo é garantir que as famílias não são penalizadas por uma medida que estava desajustada à realidade de hoje.
Este é um tema muito sensível e sobre o qual devemos dedicar tempo. Porque se é verdade que as recomendações do Banco de Portugal podem estar agora a condicionar mais o acesso ao crédito, também é verdade que estas medidas contribuíram em muito para o cenário mais tranquilo que vivemos hoje. Se não vejamos:
Se recuarmos ao início de 2018, ano em que o regulador emitiu as recomendações de cálculo de taxa de esforço, o malparado no crédito habitação estava muito próximo dos 2 mil milhões de euros, representando 2,1% do total dos financiamentos, segundo os dados do Banco de Portugal. Hoje, o valor do crédito malparado está abaixo dos 300 milhões de euros e representa 0,3% do total (dados de maio).
O contexto é muito diferente, é certo. Em 2018 estávamos a recuperar de uma crise económica sem precedentes (para a nossa memória). Hoje, o contexto económico é mais favorável, nomeadamente ao nível do desemprego, que está mais baixo. E só este último fator é determinante para a capacidade de cumprimento por parte das famílias.
Mas há um outro fator que contribuiu em muito para este ambiente: as medidas macroprudenciais do Banco de Portugal, nomeadamente as referentes à taxa de esforço.
A taxa de esforço das famílias com o crédito não deve ultrapassar os 50%. De uma forma simplificada, quando contratamos um crédito habitação a prestação não deve representar mais de 30% do nosso rendimento. Além disso, os bancos têm de fazer o exercício de perceber o impacto de uma subida de juros (de mais três pontos base) na taxa de esforço.
Este exercício acaba por funcionar como um travão ao endividamento e protege as pessoas de ambientes mais adversos, como o que estamos a passar.
Chegados aqui, e concluindo que estas medidas são muito revelantes para a proteção das famílias, é tempo de reavaliarmos a situação. Comprar uma casa em 2018 requeria um esforço muito menor do que atualmente: os preços das casas aumentaram 49% desde então, de acordo com os dados do INE, (e estamos só a avaliar os valores medianos do país) e os indexantes dispararam de valores negativos para quase 4%.
Num período de juros mais elevados é preciso encontrar um mecanismo que continue a proteger as famílias, mas que não iniba o acesso à casa própria. Para podermos viabilizar a compra de casa por parte das famílias portuguesas é urgente revermos as regras. E era importante que o fizéssemos antes do final do ano.
Mas é igualmente fundamental não corrermos o risco de retirar este cinto de segurança, especialmente quando ainda temos a população sem perceber ao certo o que está a contratar. Nos últimos anos, foram muitas as famílias que contrataram um crédito sem saberem que os juros estavam em níveis historicamente baixos e que no mundo “ideal” eles nunca estariam negativos.
Enquanto não for claro para a generalidade das pessoas quais são os riscos que correm quando contratam produtos financeiros (sejam eles de que natureza forem), será determinante mantermos os cintos de segurança bem apertados. Contudo, não podemos cair no extremo de apertarmos de tal forma o cinto que esmagamos o passageiro.
Mas mexer no racional da taxa de esforço não chega. É preciso irmos mais longe e implementar medidas que tornem a habitação acessível a todos. E esta é uma questão que exige o envolvimento de muitos agentes.
É urgente encontrar soluções que permitam que os jovens consigam sair de casa dos pais mais cedo. Seja através de uma dinamização do mercado de arrendamento, seja através de medidas de acesso ao crédito pensadas para determinadas faixas etária. O mesmo se aplica às famílias das classes baixa e média, sendo determinante que consigam ter acesso à habitação.
A compra da primeira casa é hoje, para muitos, uma missão impossível. Temos de ter milhares de euros de capital próprio para avançarmos. Entre o valor de entrada, que o banco não pode cobrir, os impostos e outras despesas associadas a conta dispara e não é compatível com as poupanças de quem está agora a começar a sua vida ativa. Não teve tempo.
Se pensarmos que o mercado de arrendamento não é solução, pela incapacidade de resposta, os jovens (e os menos jovens) têm uma missão hercúlea. É mais do que tempo de nos sentarmos e olharmos para o problema habitacional que temos em mãos com o foco em encontrar soluções. Não pode ser algo isolado, ou algo que caia nos ombros de uma única entidade. O problema é muito mais abrangente e estrutural. O que obriga ao compromisso de vários players.
São muitos os fatores que temos em mãos: falta de oferta no mercado imobiliário (seja para aquisição, seja para arrendamento); sistema fiscal que não fomenta o arrendamento e regras demasiado exigentes para quem está a começar. Diria que estas devem ser as prioridades de atuação.
Recentemente a Nova SBE publicou um estudo sobre o mercado de arrendamento, em que uma das conclusões é que em Portugal apenas 13% das pessoas com uma segunda casa arrendam essa habitação. Na União Europeia esta percentagem sobe para 43%. Este é um sinal claro de que é preciso atuar no mercado de arrendamento para incentivar que os proprietários coloquem os seus imóveis no arrendamento de longa duração.
Se olharmos para a oferta, a maior queixa do setor imobiliário é a escassez. A procura é maior, a construção não está a acompanhar e o licenciamento é lento. Por outro lado, há muitos imóveis vazios, que podiam ser recuperados e colocados no mercado. Mas para tal será preciso atuar em várias frentes. Tomar medidas de forma concertada e a olhar para os vários agentes.
Não nos valerá de muito se insistirmos em discutir os temas durante anos. É preciso atuarmos no imediato, sob pena de os problemas que temos hoje aumentarem e se tornarem fraturantes para a sociedade. E nessa altura não haverá cintos de segurança ou medidas macro prudenciais que nos valham.