13.9.23

Combate à inflação levou países da OCDE a aumentar progressividade nos impostos para mitigar desigualdades

Ana Sofia Santos Jornalista, in Expresso



Portugal integrou o grupo de países com maior aumento do peso dos impostos no PIB entre 2020 e 2021, com uma carga fiscal de 35,77% - acima da média da OCDE –, mas figura entre as jurisdições que, entre 2022 e 2023, adotaram medidas para aliviar os impostos nas famílias com filhos e nos trabalhadores mais jovens


As políticas fiscais entre as economias que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ficaram nos últimos dois anos marcadas pelas respostas dos vários governos à subida do custo de vida.

Esta é uma das conclusões publicadas esta quarta-feira, dia 13, no relatório sobre as reformas fiscais em 2023 ("Tax Policy Reforms: OECD and Selected Partner Economies"), que resume as principais medidas com impacto nos impostos que, entretanto, foram levadas a cabo ao nível internacional.

“As principais decisões políticas em 2022 refletiram a difícil tarefa dos decisores políticos de responder às necessidades de curto prazo de um ambiente macroeconómico dominado por níveis de inflação elevados”, faz notar a OCDE.



Entre 2020 e 2021, o crescimento global desacelerou para quase metade da taxa do ano anterior, e a guerra da Rússia contra a Ucrânia, em 2022, trouxe pressões adicionais sobre os preços – o que colocou a taxa de inflação global “no seu nível mais alto em mais de uma década”.

A inflação global e a inflação subjacente “continuaram a aumentar acentuadamente em 2022”, atingindo 9,9% e 7,2% respetivamente para o conjunto da OCDE no quarto trimestre de 2022, acrescenta o estudo.

Como resultado, “os salários e os rendimentos familiares sofreram uma erosão acentuada em muitos países”. Até porque os bancos centrais responderam à inflação aumentando as taxas de juro, o que levou os governos a introduzirem medidas de apoio, “aumentando os já elevados níveis de dívida”.

Ora, lembra a análise da OCDE, “as medidas fiscais foram uma componente essencial dos pacotes de apoio às famílias e às empresas, que também incluíram subsídios e limites nos preços”.

Houve economias a optar por reduções temporárias das taxas dos impostos especiais de consumo e dos impostos sobre os produtos energéticos – aconteceu em Portugal com o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos –, assim como subsídios e créditos para combater a inflação na esfera no IRS e das contribuições para a Segurança Social – em Portugal, por exemplo, isentou-se de IVA os bens alimentares essenciais, numa ajuda às famílias que foi, recentemente, estendida até dezembro.

Porém, salienta a OCDE, nem sempre estas políticas terão sido virtuosas, já que “a natureza muitas vezes não direcionada” destes cortes nos impostos “aumentou custos orçamentais” e constituiu um incentivo ao consumo de energia.
OS IMPOSTOS SOBRE OS LUCROS INESPERADOS

O relatório menciona ainda que foram vários os países afetados pelos aumentos dos preços da energia que introduziram impostos temporários sobre lucros inesperados, taxas de solidariedade e outras medidas em resposta ao crescimento inesperado dos lucros empresariais.

Em Portugal, recorde-se que os sectores visados por contribuições extraordinárias foram a distribuição alimentar e o alojamento local – à semelhança do que já tinha sido introduzido no sector da energia, banca ou indústria farmacêutica, noutros anos.

“Estas medidas são raras na história recente, mas foram introduzidas excecionalmente para aumentar receitas para despesas adicionais, limitar as desigualdades e reforçar a coesão social”, explica a OCDE.

Houve outras jurisdições que optaram por ser mais generosas nas deduções do IRS e nas contribuições para a segurança social para as franjas da população menos abastadas, enquanto aumentaram a carga fiscal sobre os indivíduos com maiores rendimentos do trabalho ou de capital. Ou seja, manteve-se uma “tendência dos países de procurarem formas de aumentar a progressividade dos seus sistemas fiscais para fazer face aos níveis crescentes de desigualdade”, aponta a OCDE.

Por outro lado, os governos “continuaram a expandir os incentivos fiscais destinados a promover o investimento, bem como em adaptar os regimes fiscais aos desafios e oportunidades colocados pela digitalização da economia global (…) fortalecendo os regimes de IVA no comércio eletrónico e obrigando as transações online ao reporte de informações”.
REDUÇÃO DOS IMPOSTOS PARA AS FAMÍLIAS COM FILHOS E PARA OS JOVENS EM DESTAQUE

No que toca aos países que aumentaram as taxas mais elevadas de IRS, numa tentativa de obter receitas adicionais do governo e de aumentar a progressividade dos seus sistemas fiscais, a OCDE destaca que a Eslovénia, em 2023, incrementou a taxa máxima de IRS em 5 p.p. para 50%.

Já a Noruega e Portugal reduziram as taxas de imposto aplicadas aos rendimentos baixos e médios das famílias, com a Noruega a reduzir as taxas aplicadas ao primeiro e segundo escalões de tributação em 0,1 p.p. e Portugal reduzindo em 2 p.p. a taxa marginal no segundo escalão do IRS para 21%, em janeiro de 2023.

Também se verificou uma opção, por várias jurisdições, de aumentar a generosidade das medidas do IRS destinadas a apoiar as famílias com crianças. A Alemanha aumentou o subsídio por filho em 2%, com efeitos retroativos, a partir de janeiro de 2022 e anunciou aumentos de 5% para 2023 e de 4% em 2024. A Alemanha também aumentou os abonos de família para agregados até três filhos em 2023, o Luxemburgo subiu o subsídio para despesas extraordinárias com crianças que não vivem no agregado familiar em 10%, e a Eslovénia aumentou o seu benefício fiscal para familiares dependentes em 7,5% com efeitos em 2023.

Portugal é ainda mencionado no que respeita ao aumento da dedução no IRS no caso das famílias com mais de um filho, com menos de seis anos, enquanto Israel concedeu um crédito fiscal adicional para contribuintes com crianças entre os 6 e os 12 anos de idade.

Os jovens também estiveram na agenda das preocupações dos governos, que introduziram disposições fiscais favoráveis ​​para apoiar esta camada da população, refere o relatório da OCDE. Para enfrentar os desafios do desemprego jovem persistentemente elevado, a África do Sul aumentou o valor dos incentivos fiscais ao emprego em 50% com efeitos a partir de março de 2022.

Mais uma vez, neste campo, Portugal figura como exemplo, com o aumento em 2023 das isenções parciais de IRS para jovens trabalhadores até aos 26 anos – entretanto, segundo o Governo, o IRS Jovem será de novo alargado em 2024.

No que respeita ao reforço dos apoios à investigação e desenvolvimento (I&D) e à inovação através de novas medidas fiscais, a OCDE cita os casos da Finlândia, de Portugal e da Tunísia, que “expandiram as deduções disponíveis para as despesas de I&D ou propriedade intelectual”. Portugal, em particular, introduziu uma isenção de retenção na fonte sobre receitas derivadas de propriedade intelectual relacionadas a conteúdos protegidos por direitos autorais.
PORTUGAL LIDEROU NOS AUMENTOS DA CARGA FISCAL

A carga fiscal em percentagem do produto interno bruto (PIB) nos países da OCDE teve um aumento de 0,6 pontos percentuais (p.p), em 2021 face a 2020, para 34,1%, no maior incremento entre 1990 e 2021.

No relatório da OCDE é descrito que “as receitas fiscais nominais aumentaram proporcionalmente mais do que o PIB nominal em 2021 em média em toda a OCDE, à medida que a atividade económica recuperava”. Segundo o documento, “o aumento do rácio médio de impostos em relação ao PIB nos países da OCDE foi notável, aumentando 0,6 p.p. em relação a 2020”.

Trata-se do segundo ano consecutivo em que o rácio médio dos impostos em relação ao PIB da OCDE aumentou, “continuando a tendência geral de pequenos aumentos no rácio impostos/PIB”. Esta foi a realidade em 24 dos 36 países para os quais estão disponíveis dados preliminares de 2021, tendo-se registado uma redução em onze países.

O maior aumento foi observado na Noruega, cujo rácio impostos/PIB aumentou 3,4 p.p. devido a um aumento nas receitas do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), fruto da subida das receitas provenientes da extração de combustíveis fósseis – após descidas excecionais em 2020. O segundo maior aumento ocorreu no Chile (2,8 p.p.), enquanto se registaram aumentos de mais de 2 p.p. em Israel e na Coreia do Sul.

Portugal integra o grupo dos países com aumentos da carga fiscal: de 2020 para 2021, este rácio dos impostos em relação ao PIB subiu de 35,25% para 35,77% (mais 0,52 p.p. e uma carga fiscal acima da média da OCDE).

A maior queda na relação entre impostos e PIB teve lugar na Hungria (2,1 p.p.)., enquanto o Canadá, a Islândia, o México e a Turquia também registaram um declínio o seu rácio impostos/PIB de 1 p.p., ou acima desse valor.

A OCDE explica que os dados sugerem que as medidas de política fiscal apoiaram o crescimento das receitas fiscais, enquanto, por sua vez, a atividade económica recuperou em 2021.

‘Tax Policy Reforms: OECD and Selected Partner Economies’ é uma publicação anual que fornece informações comparativas sobre reformas fiscais entre países. Acompanha a evolução da política fiscal ao longo do tempo e descreve as últimas tendências da reforma tributária. A edição deste ano centra-se nas reformas fiscais introduzidas ou anunciadas durante o ano 2022 em dezenas de jurisdições que integram a OCDE e o G20.