Este ano, há mais 7983 professores nos quadros. Maria Inês Sanches é um deles. Vinculou-se pela primeira vez aos 68 anos, 50 anos depois de ter iniciado a sua carreira como professora.
Maria Inês começou a trabalhar como professora no ensino privado, aos 18 anos, enquanto estudava Direito. “Precisava de dinheiro e fui trabalhar. Depois, dei aulas a adultos que, no pós-25 de Abril, precisavam de formação para poderem subir nos seus serviços.” Foi assim que se descobriu professora e, desde então, dedicou-se exclusivamente ao ensino. Desistiu de Direito e licenciou-se “via ensino” em História, disciplina que lecciona ainda hoje. Em 1998, tornou-se professora no ensino público, como contratada. “Já dei aulas ao 3.º ciclo, ao ensino secundário e também estive muitos anos a trabalhar no [ensino] profissional.”
Passou por 15 escolas, todas em Lisboa. “Eu preferi ser mãe, exercer o papel, estar atenta e próxima do que concorrer para outras zonas do país onde tinha a certeza de que ia conseguir um horário de 22 horas. Nunca coloquei a minha carreira à frente da minha família.” Mas em Lisboa as vagas eram poucas. “Nos anos 1980, [Lisboa] tinha o maior número de candidatos e tinha uma população de professores muito alargada.”
Quando as filhas cresceram, voltou a investir, “mas não havia lugar”. Como muitos outros contratados, trabalhou em duas escolas ao mesmo tempo para conseguir fazer mais horas lectivas. “Fazia pouco tempo, por isso é que talvez o meu tempo de serviço não seja o ideal para ter uma boa reforma ou para ter uma reforma minimamente aceitável.” E é também por isso que Maria Inês, aos 68 anos, se prepara para iniciar mais um ano lectivo, o oitavo na Escola Camilo Castelo Branco, em Carnaxide, e o primeiro ano como vinculada.
E o que muda com a vinculação? Maria Inês ainda não sabe em que escalão da carreira ficará. “Agora tem de ser feita uma análise ao meu registo biográfico, mas tenho de ser reposicionada, obviamente. Em termos salariais, [as condições] têm de ser melhores”, o que também se vai reflectir nos cálculos para a reforma. Actualmente, recebe 1604,90€ brutos. Se for reposicionada no 2.º escalão, que admite que possa acontecer, receberá 1800,09€ brutos.
O percurso de Maria Inês no ensino público foi pautado por horários curtos e seis anos sem colocação em nenhuma escola. “A contratação tem este constrangimento. Concorremos aos horários completos, mas, de uma maneira geral, não nos são atribuídos, porque já estão ocupados por colegas do quadro da escola ou efectivos.” Durante toda a sua carreira, só conseguiu horários completos em cinco anos lectivos, o que prejudicava a graduação que ditava o seu posicionamento na lista de colocações, atirando-a para lugares mais baixos da tabela. Aconteceu várias vezes pedir mais horas às escolas onde estava, mas “o ministério preferia colocar colegas que ainda não tinham sido colocados”. Feitas as contas, apesar de ter 20 anos de trabalho no ensino público, contam apenas 17 anos para entrar nos quadros. “Daí a justificação, talvez, de a minha vinculação ser tardia.”
Continua no activo “sobretudo para tentar melhorar a reforma”. Actualmente, Maria Inês dá aulas ao 3.º ciclo e prepara-se para acompanhar, pelo terceiro ano consecutivo, a turma da qual é directora. “Não me sinto nada incapaz para continuar cá até aos 70, mas acho que temos de saber o momento em que devemos sair.” Esta turma está a terminar um ciclo e, com eles, também a professora fechará um capítulo. “Quero acabar com eles, este será o meu último ano no ensino.” O maior desejo de Maria Inês é “chegar ao fim com o mesmo espírito, com a mesma força e com a mesma alegria de dar aulas”.
Preocupada com o futuro do ensino
Não é por estar quase de saída que Maria Inês se preocupa menos com o futuro do ensino. Foi a uma manifestação pela primeira vez em 2022. “Chegou a altura de se fazer alguma coisa. Os professores nunca foram olhados como pessoas, foram olhados como números. Quem cria as normas já devia ter olhado bem para a falta de motivação de gente nova para a carreira docente.”
Acredita que os sindicatos tardaram a olhar para o problema e o Governo tardiamente agiu sobre ele. Não duvida de que os professores se vão vincular mais cedo, mas alerta que isso não chega. “Se não for resolvido o problema da fixação dos docentes nas escolas e se não for olhada a carreira em todas as suas vertentes, os jovens não vêm dar aulas.” Maria Inês lembra que a educação é um pilar para um país. “Se não formamos bons cidadãos, se não formamos jovens motivados, temos um país mais pobre.”
Nota: Após a entrevista, Maria Inês Sanches rectificou o número de anos de serviço no ensino público. Em vez dos 22 anos referidos no vídeo, são 20 anos ao serviço do Estado. Consequentemente, os anos considerados para entrar nos quadros são 17, em vez dos 19 referidos na entrevista.
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