6.1.09

Sócrates admite recessão e vai alterar previsões para crescimento e desemprego

Luciano Alvarez, in Jornal Público

Numa entrevista em que o primeiro-ministro fugiu a muitas perguntas, dominou a economia. As grandes obras públicas são para avançar e o Governo não arrisca a falência de um banco


O primeiro-ministro, José Sócrates, admitiu ontem que Portugal não escapará à recessão económica que já atingiu vários países. Numa entrevista à SIC, revelou ainda que o seu Governo vai rever as previsões para o desemprego e crescimento no Programa de Estabilidade e Crescimento que na próxima semana entregará à Comissão Europeia. Uma revisão que só poderá ser para pior.

Salientando por várias vezes a gravidade da crise, Sócrates considerou fundamental avançar com as grandes obras públicas que têm sido anunciadas pelo Governo, e garantiu que não quer arriscar "a falência de um banco" no país. Assegurou ainda que o Executivo salvará "todas as empresas que puder".

"Estabilizar o sistema financeiro"; "apoiar as empresas, especialmente no acesso ao crédito"; "reforçar o investimento público"; e "apoiar as famílias" são, segundo Sócrates, as grandes orientações do Governo para este ano. Numa entrevista em que fugiu a muitas perguntas, o primeiro-ministro desvalorizou as divergências com o Presidente da República e com o socialista Manuel Alegre.

Conflito desvalorizado

A entrevista começou com a questão do Estatuto dos Açores e com o furacão político que causou entre o Presidente, Parlamento e o primeiro-ministro. Sócrates garantiu que não afrontou Cavaco Silva, levando a questão para o campo da divergência de opiniões e na interpretação da Constituição em dois dos 141 artigos do Estatuto.
Sócrates recusou-se a revelar se alguma vez tinha dado a entender ao Presidente que o estatuto seguiria outro caminho, e acabou a dizer que "lealdade não implica obediência" - numa clara referência a Cavaco Silva ter falado em quebra de lealdade entre instituições.

Sobre o endividamento externo, também considerado por Cavaco Silva como grave, Sócrates fugiu a várias questões, dizendo que é um problema de vários anos, e apontou os custos com a energia como o principal factor, falando a seguir vários minutos sobre as apostas de Portugal nas energias renováveis.

Confrontado pelos jornalistas com o facto de o Banco de Portugal poder apresentar hoje números que possam indicar que Portugal vai entrar em recessão, Sócrates começou por dizer que não passava de uma previsão mas acabou por admitir: "Não escaparemos à recessão." E admitiu também "alterar o Orçamento" de Estado para 2009, referindo-se à revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento, na próxima semana.
Outra pergunta que ficou sem resposta foi se vai ou não baixar os impostos. "Não sei responder, não sou vidente."

Já sobre as obras públicas, garantiu que vão avançar, considerando-as mesmo fundamentais face à crise económica, mas escusou-se a comentar e mostrou até algum embaraço face a um gráfico apresentado pelos jornalistas que revelava que elas iriam ter enormes custos para o país no futuro. "Se [as grandes obras públicas] faziam sentido antes da crise, agora fazem ainda mais sentido."

Pedida maioria


Outra das perguntas sem resposta foi ao desafio a explicar como é que o Banco Português de Negócios (BPN) continua a pagar as melhores taxas de juro do mercado mesmo depois de nacionalizado. Sócrates justificou mais uma vez a intervenção no BPN, como no Banco Privado Português (BPP), com o objectivo de "salvar as poupanças dos portugueses". "Não quero arriscar a falência de um banco no nosso país." E disse quase o mesmo sobre as empresas em dificuldade, assegurando que salvará as que puder.
Já sobre a avaliação dos professores, recusou que o Governo tivesse feito grandes alterações ao modelo inicial, assegurou que ela vai continuar, mas deixou sem resposta a pergunta sobre se até ao final do ano lectivo todos os professores estarão avaliados.

As divergências com Manuel Alegre chegaram já no final da entrevista. Sócrates não revelou se já tinha ou não falado com Alegre, referiu o "respeito e consideração" que tem pelo poeta e militante socialista, e até disse que o ia convidar para as listas socialistas. "O PS é o partido do povo de esquerda e não de vanguardas e elites." Já depois da entrevista, Manuel Alegre disse à Lusa: "Apreciei a forma simpática como se referiu a mim."

Ainda no campo político, manifestou discordância na realização das eleições legislativas e autárquicas em simultâneo e acabou a entrevista a pedir a maioria absoluta para o PS nas legislativas do próximo ano. Mas aqui ficaram mais duas perguntas por responder: se está disposto a governar sem maioria e se admite alguma aliança caso não obtenha essa maioria.