Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Não há risco imediato de fornecimento aos países da União, mas em alguns já se nota uma quebra na pressão do gás
A União Europeia (UE) iniciou ontem uma missão de pressão sobre a Rússia e a Ucrânia para resolverem rapidamente a guerra do gás, embora sublinhando que o conflito não põe em risco, "no imediato", o aprovisionamento dos Vinte e Sete.
A nova "guerra do gás" constitui uma repetição do conflito de 2006, em que a Rússia interrompeu os fornecimentos à Ucrânia devido a uma disputa sobre os preços (ver texto ao lado), provocando fortes perturbações no aprovisionamento de vários países da UE em pleno Inverno.
Acima de tudo, os europeus continuam a recusar deixar-se arrastar para o que consideram um "conflito comercial bilateral", rejeitando dar à sua missão um rótulo de mediação e menos ainda de arbitragem, ao contrário do que Kiev e Moscovo parecem pretender. Isto, embora sabendo que, apesar de estarem agora mais protegidos do que em 2006 - nomeadamente graças ao aumento decretado desde então dos stocks obrigatórios de gás -, o aprovisionamento energético europeu poderá ser fortemente perturbado, se o conflito se eternizar. O problema está em que a Rússia fornece um quarto do gás consumido na UE, e que 80 por cento deste volume transita pela Ucrânia.
Vários países da UE - Eslováquia, República Checa, Roménia, Grécia, Polónia e Bulgária -, a par da Sérvia e Croácia, deram conta nos últimos dias de reduções significativas, nalguns casos até 20 por cento, da pressão do gás recebido através da Ucrânia, embora sem chegarem a considerar a situação preocupante.
A missão da UE, liderada pelo ministro checo do Comércio e Indústria, Martin Riman (cujo país preside à UE desde 1 de Janeiro), e pelo director-geral dos Transportes e Energia da Comissão Europeia, Matthias Ruete, arrancou ontem com uma série de contactos em Kiev. Para hoje está previsto um encontro com os responsáveis da Gazprom, o gigante estatal energético russo "numa capital europeia", segundo afirmou Ferran Tarradellas, porta-voz da Comissão para as questões energéticas. De acordo com o que afirmou ao PÚBLICO um responsável europeu, a escolha deverá incidir sobre Berlim.
Em paralelo, os embaixadores dos Vinte e Sete em Bruxelas reuniram-se ontem à tarde para analisar a situação e coordenar reacções na perspectiva de um encontro informal dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE previsto para quinta-feira, em Praga. Por seu lado, a Comissão convocou para sexta-feira um encontro de um comité especial de peritos energéticos nacionais encarregues de analisar os riscos de ruptura de aprovisionamento, para o qual a Gazprom e a companhia ucraniana de gás, Naftgaz, também foram convidadas. Igualmente sexta-feira, os embaixadores voltarão a reunir-se para novo ponto da situação.
Sem uma agenda precisa, a missão europeia ontem iniciada destina-se sobretudo a pressionar as duas partes a regressar às negociações e encontrar rapidamente uma saída para a crise.
Sem risco imediato
Bruxelas confirmou ontem a existência de "algumas irregularidades" no aprovisionamento de alguns países, embora sublinhando que "não se pode falar de perturbação substancial". Na Polónia, por exemplo, as dificuldades dos últimos dias têm sido ultrapassadas com um aumento do gás russo que transita pela Bielorrússia.
Segundo Tarradellas, "não há um risco imediato de perturbação no fornecimento de gás aos consumidores" privados ou industriais na UE. Isto, porque o nível dos stocks europeus permanece elevado - "entre 70 e 90 por cento" dos níveis obrigatórios a três meses, afirmou. Bruxelas reconhece, no entanto, que "a situação muda muito rapidamente". A forte descida das temperaturas registada nos últimos dias na Europa Central e do Norte está já, aliás, a provocar um aumento do consumo de gás para aquecimento.
Praticamente todos os países da UE consomem gás russo, mas cinco estão numa situação particularmente vulnerável: na República Checa, Eslováquia, Grécia, Hungria e Bulgária o gás russo representa 75 por cento do consumo.
Cerca de 25 por cento do gás consumido na União Europeia é fornecido pela Rússia e, em grande parte, passa na Ucrânia.