Isabel Gorjão Santos, in Jornal Público
Declarações do primeiro-ministro sobre a imigração indignaram representantes
da Igreja e políticos que o acusaram de racismo
O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, rejeitou este fim-de-semana a visão de uma Itália multiétnica, que considerou ser "uma ideia de esquerda". A oposição está a acusá-lo de comentários racistas depois de, na semana passada, terem sido repatriados dois grupos de cidadãos líbios que procuraram imigrar clandestinamente para a Europa e chegar à ilha italiana de Lampedusa.
Berlusconi insurgiu-se, em conferência de imprensa no sábado, contra "a ideia de esquerda de uma Itália multiétnica". E acrescentou: "Essa não é a nossa ideia, a nossa é receber apenas aqueles que tenham condições para asilo político", disse o primeiro-ministro citado pela Reuters.
As afirmações causaram a reacção de membros da oposição. "Isso não é uma questão para eu, Berlusconi ou qualquer outra pessoas decidir, uma vez que este é o século das sociedades multiétnicas", disse à Reuters o deputado e líder de centro-esquerda Dario Franceschini, que acusou o primeiro-ministro de estar a recorrer a afirmações polémicas como forma de desviar a atenção de questões como o seu divórcio, as acusações contra si da ex-mulher Verónica Berlusconi ou a crise económica. "A França, o Reino Unido ou a Alemanha têm muito mais imigrantes do que nós, mas trabalharam para a sua integração", acrescentou.
Berlusconi indignou também alguns responsáveis da Igreja, como o secretário-geral da Conferência Italiana de Bispos, monsenhor Mariano Crociata, que defendeu o multiculturalismo "como um valor". E mesmo o líder do Partido Democrata de esquerda, Piero Fassino, que na véspera discordara dos membros do seu partido e defendera as políticas de Berlusconi relativas à deportação, considerou agora que o primeiro-ministro foi longe de mais. "Ele está errado, seriamente errado", insistiu.
O Governo italiano tem tomado medidas mais restritivas quanto à imigração, e ao abrigo de um novo acordo com a Líbia repatriou, na sexta-feira e no sábado, dois barcos cheios de pessoas que procuravam imigrar para a Europa. O primeiro levava 227 pessoas a bordo, o outro 163, e o destino seria a ilha de Lampedusa, onde em 2008 chegaram 31 mil pessoas que quiseram fugir do continente africano.
De acordo com a agência italiana ANSA, o segundo grupo regressou ontem de manhã à Líbia e nele estavam 50 mulheres e dois recém-nascidos. As novas regras de repatriamento têm sido criticadas pelo Vaticano e pela ONU, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). "Recolocar os migrantes na Líbia vai contra o direito de asilo", disse ao La Repubblica Laura Boldrini, do ACNUR em Itália.

