Por Sofia Lorena, em Lanzarote, in Jornal Público
No dia dos direitos humanos, Aminatu Haidar pediu que se respeitem os dela. A Lanzarote vieram eurodeputados e a activista sarauí falou aos jornalistas
"Creio que sim", foi talvez a frase mais perceptível. Em resposta à pergunta: "Acredita que Marrocos pode ceder?". "Felicito todas as pessoas livres", também se ouviu. Em alguns momentos, perceberam-se frases completas. Noutros, palavras soltas apenas. Quando passava um autocarro ou tocava o telemóvel do motorista no escritório atrás de si, nem isso. Talvez por ser quinta-feira, o movimento no aeroporto cresceu, com alemães e holandeses a chegar de hora a hora.
Aminatu Haidar animou-se no 25.º dia da sua greve de fome, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Recebeu um grupo de eurodeputados: os portugueses Miguel Portas (Bloco de Esquerda) e João Ferreira (PCP), Willy Meyer (Esquerda Unida, também do Grupo Unitário da Esquerda), Raul Romeva i Rueda (Verdes) e Ana Miranda (Bloco Nacionalista Galego). Deixou-os dar a sua conferência de imprensa. A seguir, saiu para falar aos jornalistas. Sorriu enquanto a "chica Almodóvar" Lola Dueñas lia uma carta aberta que escrevera. Depois, respondeu a perguntas.
"A carta dos seus filhos, como a recebeu?", questionou a jornalista da TVE, escolhida para colocar as perguntas previamente combinadas entre os jornalistas que encheram o parque de estacionamento dos autocarros do aeroporto de Lanzarote. "Impulsionou-me a fazer mais", retorquiu. A activista, em cadeira de rodas, lenço branco e laranja, enrolada na manta castanha com que sempre sai, começou por falar tão baixo que parecia impossível que pudesse fazer-se ouvir. Não é só falar que lhe custa: não ouviu a primeira pergunta e a jornalista teve de se aproximar para a repetir e fazer as seguintes junto dela.
Perguntas sobre o testamento vital que há dias se sabe que deixou escrito para se perder a consciência: "O que eu sei é que sou uma defensora dos direitos humanos... Ninguém me pode alimentar contra a minha vontade... É a minha dignidade que está acima de tudo". Sobre o texto que ditou, não quis alongar-se: "Quando chegar o momento, todo o mundo vai saber o conteúdo deste documento".
Houve uma pergunta sobre Obama e a cerimónia de atribuição do Nobel da Paz, mas a activista não tinha nada a dizer sobre isso.
Antes já afirmara "sou uma mãe" e "a minha reivindicação é regressar ao Sara Ocidental". No fim, perguntaram-lhe o que pensa de Marrocos ter dito que ela "é pior do que a Frente Polisário". Respondeu: "A Polisário é a representante do povo sarauí. Eu sou uma cidadã sarauí e reconheço-os. Eu sou uma defensora dos direitos humanos que vive sob ocupação, com pressões diárias...". Antes tinham-se ouvido palmas, no fim foram mais. À Plataforma de Apoio a Aminatu chegam todos os dias novos voluntários. Os eurodeputados também aplaudiram.
"Hoje é um bom dia para a esperança, um dia em que aproveito para pedir ao mundo e especialmente às mães que apoiem a minha reivindicação, que é o regresso ao Sara Ocidental. Desejo abraçar os meus filhos, desejo viver com eles e com a minha mãe, mas com dignidade", escreveu Haidar para que Dueñas lesse.
Haidar foi expulsa quando regressava a El Ayoun, capital administrativa do Sara Ocidental, no dia 14 de Novembro. Tinha acabado de receber mais um prémio de direitos humanos. Escreveu "Sara Ocidental" em vez de "Marrocos" no espaço para a morada num documento de desembarque. Foi presa, interrogada e enviada para Lanzarote. Tentou apanhar um novo avião, mas não a deixaram - o passaporte marroquino tinha ficado confiscado no Sara. Dia 16 entrou em greve de fome.Falou pouco de si
A manhã correu assim, com duas conferências de imprensa. Improvisadas mas concorridas. Microfones a atropelar microfones, câmaras a atropelar câmaras. CNN, Al-Jazira, TVE, Televisão da Catalunha, Televisão das Canárias... Para os eurodeputados, alguém se lembrou de colocar um banco de madeira comprido atrás da mesa. A seguir, um sarauí pensou que ficava melhor com um colchão por cima.
Quando saíram do quarto onde Aminatu Haidar passa os dias, os eurodeputados detiveram-se, em pé, até que alguém lhes indicou o banco. Encostada aos microfones, uma placa branca com o rosto de Aminatu a preto e branco, a imagem que se tornou no símbolo da campanha pelo seu regresso. Atrás, na parede, El Mami Amar Salem, vice-presidente da ONG de Aminatu, pendurou uma fotografia dela com os filhos: Mohamed, hoje com 13 anos, abraçado à mãe, ergue dois dedos no ar; Hayat, mais afastada, sorri, no seu blusão rosa forte, quase da mesma cor do blusão que veste todas as noites Edi Escobar, a jornalista activista que agora acompanha Haidar.
Nos dez minutos que os eurodeputados passaram com Aminatu, esta "agradeceu a solidariedade da nossa vinda, depois fez um apelo a que se faça o que for possível para aumentar este movimento", contou-nos Miguel Portas. "Falou pouco de si própria, insistiu acima de tudo nos direitos do seu povo. Sabemos que a casa dela, da família, está cercada, sabemos que estamos perante uma situação de estado de sítio. Se ela regressar, não é só ela que regressa. É toda a situação dos sarauís que melhora."
Mais activistas detidos
Como tinham feito na conferência de imprensa, os dois eurodeputados portugueses mostraram-se confiantes na aprovação de uma resolução de apoio a Aminatu, no debate agendado para Estrasburgo na próxima quinta-feira. Exigiram que se congelem as negociações do Acordo de Associação entre a UE e Marrocos, que alguns querem fazer avançar para o Estatuto Avançado. O artigo 2 do Acordo de Associação, lembrara Willy Meyer, condiciona o próprio acordo ao cumprimento dos direitos humanos. João Ferreira recordou ainda o acordo de pescas entre Bruxelas e Rabat: "O Sara tem mais de mil quilómetros de costa e esse é um dos maiores, senão o maior recurso" do território.
Ferreira lembrou-nos também os outros presos políticos, cada vez mais - "nos últimos dias, aumentaram as detenções de activistas, são já mais de 50". Portas sublinhou a força de Haidar, que "mantém um discurso absolutamente focado".
O deputado comunista recordou a experiência que Portugal teve com Timor-Leste, quando "a pressão da opinião pública permitiu desbloquear" os avanços e recuos dos políticos. "Não foi inocente terem-na mandado para Lanzarote. Em Las Palmas seria mais fácil que se gerasse um movimento de solidariedade maior", disse João Ferreira. Las Palmas de Gran Canaria é uma das duas capitais do arquipélago. Lanzarote é a quarta ilha, com uns 150 mil habitantes.
Terminadas as conferências de imprensa, a frase "creio que sim", em resposta à eventual cedência de Marrocos, foi das mais comentadas no aeroporto de Lanzarote. Significa, dizem jornalistas espanhóis e activistas, que Haidar sabe que Rabat perderá as forças antes dela.