Por Cristina Ferreira, em Frankfurt, in Jornal Público
Constâncio prevê que a economia cresça menos por causa da austeridade, mas repete que podem ser precisas ainda mais medidas
Vítor Constâncio participou ontem na sua primeira reunião no Banco Central Europeu como vice-presidente da instituição. Em declarações feitas ao PÚBLICO, diz que, no novo cargo, a sua preocupação estará centrada na estabilidade financeira e de preços de toda a zona euro, mas assinala, relativamente a Portugal, que o Governo precisa de verificar se serão necessárias medidas de contenção adicionais no próximo ano.
Quais são os grandes objectivos do seu mandato como vice-presidente do BCE?
A minha tarefa é sobretudo na área da estabilidade financeira, uma área que, neste momento, tem ainda maior importância do que o habitual. E, portanto, estou bastante motivado para tudo aquilo que tenho em preparação nessa matéria. A criação do Conselho Europeu de Risco Sistémico vai aumentar a visibilidade desta área e o BCE vai continuar a reorganizar-se, para poder corresponder àquilo que dele se espera no contexto da criação de uma nova política europeia macroprudencial.
Ao nível da política monetária, a estabilidade dos preços vai ser a sua principal preocupação?
Como membro do Conselho de Governadores do BCE [órgão que integrava há dez anos na sua qualidade de governador do BdP], os meus objectivos já eram esses e vão continuar a ser. O tratado diz que todos os governadores têm que ter como objectivo garantir a estabilidade de preços na área do euro no seu conjunto. Agora, no dia-a-dia, sou, como vice-presidente, mais confrontado com a análise mais detalhada de situações de todas as zonas da área do euro, de todos os países, preocupações que, em Portugal, encarava de outra maneira.
Como vê a evolução da economia portuguesa [ontem foi anunciado um crescimento de um por cento no trimestre]?
Aquilo que se passa em Portugal é que estamos numa fase de ajustamento, depois de ter havido um aumento do défice orçamental em 2009, o que exige medidas que têm um efeito restritivo em termos de crescimento económico. Este ano - e também no próximo - a economia portuguesa não poderá convergir. Mas é o ajustamento necessário para restabelecermos a credibilidade das finanças públicas e preparar o futuro em melhores condições.
São necessárias novas medidas para atingir esse ajustamento?
Terá de haver muito cuidado na preparação do próximo Orçamento [do Estado]. Verificar o que foi até aqui a evolução e ver se são necessárias novas medidas para atingir a meta definida pelo Governo de um défice de 4,6 por cento em 2011. É uma meta ambiciosa que poderá requerer novas medidas.
Há um ano imaginava uma intervenção do BCE com esta dimensão para salvar o euro?
Não se deveu ao euro. Houve intervenções para estabilizar o euro em Setembro de 2000, porque o euro se tinha depreciado bastante. E houve coordenação com os EUA para realizar as intervenções que foram feitas por duas vezes. Depois não houve mais. E, agora, não é o euro que está em causa. Este programa de compra de Obrigações do Tesouro de países-membros tem a ver com a estabilização das condições de transmissão da política monetária. O que é que eu quero dizer com isto em concreto? A evolução do mercado conduziu a uma situação que era a seguinte: as taxas de juro de mercado das obrigações de um país europeu a dois anos eram de 0,49 por cento e noutro país, no outro extremo, eram de 28,8 por cento. Quando na mesma área monetária, com a mesma política monetária, os mercados conduzem a divergências desta ordem, significa que não estão a funcionar bem. E, portanto, significa que a transmissão da política monetária não está a ser feita correctamente, porque se as taxas de juro que nós decidimos estão a um determinado nível para toda a zona euro, não deveriam dar origem a diferenças tão gigantescas nas taxas de juro que depois são praticadas para os agentes económicos. E, portanto, foi para corrigir esses extremos e normalizar mais a situação dos mercados, para garantir a melhor transmissão da política monetária, que houve, e tem havido, intervenções. Intervenções essas que, aliás, têm sido feitas em montantes decrescentes através da compra de obrigações de vários países.
Não se corre o risco, com este tipo de programas, de a inflação começar a subir?
Programas deste tipo houve na Inglaterra e nos EUA. Os balanços dos bancos centrais nesses países aumentaram muito mais do que o foi o aumento do balanço do BCE, do eurossistema. No nosso caso, em particular, isso não significa que se tenham agravado os riscos para a inflação. Porquê? O que conta para a liquidez na economia são os agregados monetários globais que resultam da actividade dos bancos e multiplicam aquilo que é a base monetária. Ora o M3, o agregado monetário mais vasto, tem vindo a diminuir nos últimos meses. Logo, e apesar do aumento da liquidez primária fornecida pelos bancos centrais, o agregado monetário global tem vindo a reduzir-se. E é esse que conta para aquilo que é financiado na economia e para o nível de despesas dos agentes económicos e para eventuais riscos de inflação. Por isso dizemos que não há riscos para a inflação.