Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Há várias propostas sobre a mesa de trabalho, mas nenhuma delas representará aumento da carga fiscal
O debate que se arrisca a ser o mais difícil do segundo mandato de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia foi ontem lançado a propósito de uma reforma das receitas do orçamento comunitário, que poderá incluir a criação de um novo imposto especificamente europeu.
Prudente, a Comissão lançou para a mesa uma série de opções para alimentar, a partir de 2014, o orçamento comunitário e eliminar as aberrações que se foram acumulando ao longo tempo com o actual sistema.
Bruxelas invoca várias opções para a criação de novos recursos orçamentais próprios para as políticas comuns de modo a "acabar com as contribuições nacionais", embora com o cuidado de não manifestar qualquer preferência.
As ideias incluem a possibilidade de afectar ao orçamento europeu "uma parte" das receitas de uma eventual taxa sobre as transacções ou actividades financeiras, do produto do sistema de leilão dos direitos de emissão de gases com efeito de estufa - que vai vigorar a 1 de Janeiro de 2013 -, de um imposto sobre os transportes aéreos ou sobre a energia, de um IVA europeu ou de um IRC.
Bruxelas não avança detalhes sobre estes instrumentos, mas tem tido o cuidado de frisar que terão de ser fiscalmente neutros para os cidadãos, não podendo significar um aumento da carga fiscal. O objectivo das receitas directas é acabar com as batalhas travadas pelos governos quando têm de definir o montante do orçamento europeu e, consequentemente, o nível das suas contribuições para o alimentar.
O Tratado da UE prevê que o orçamento deverá ser alimentado por "recursos próprios", como começaram por ser os direitos alfandegários, as taxas à importação de produtos agrícolas e uma parte das receitas do IVA. Com o tempo, o peso destes recursos tem vindo a cair (de mais de 80 por cento para menos de 25 por cento actualmente), em favor de uma contribuição directa dos orçamentos nacionais (75 por cento do total) baseada no nível de riqueza de cada país. Este sistema, e as disputas para a redução dos "saldos líquidos" entre o que cada governo paga e recebe através das políticas comuns, resultou na criação em 1984 do controverso "cheque britânico", que devolve anualmente a Londres uma parte importante da sua contribuição líquida. Este mecanismo foi posteriormente complicado com novas correcções para reduzir os encargos que o cheque britânico acarretava para os restantes contribuintes líquidos. Ou seja, resume a Comissão, o sistema transformou-se "numa mistura opaca e confusa de contribuições dos orçamentos nacionais, de correcções e de abatimentos" e mesmo de "abatimentos sobre os abatimentos".
Como era esperado, a França, Alemanha e Reino Unido já reagiram rejeitando liminarmente a criação de impostos europeus. Em contrapartida, a Comissão foi aplaudida pelo Parlamento Europeu, que exige a abertura deste debate. Os eurodeputados ameaçam aliás rejeitar o projecto de orçamento comunitário para 2011 se os governos dos Vinte e Sete não assumirem desde já um compromisso firme em favor de uma reforma dos "recursos próprios" da UE até 2013.