in Diário de Notícias
Medida adoptada por Itália é rejeitada pelos especialistas portugueses. Há outras alternativas menos desumanas, dizem.
"Cruel e desumano." Criar em Portugal uma versão moderna da "roda dos enjeitados", à semelhança do que fizeram países como Itália, Alemanha e Japão, é uma ideia rejeitada por quem lida com estes casos. Para Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social, este é mesmo "um instrumento medieval", que não traz qualquer mais-valia.
"Portugal tem respostas adequadas. A lei permite que a mãe não sofra qualquer consequência por querer entregar a criança. Recuperar a 'roda dos expostos' seria legitimar o abandono", salientou.
Itália é um dos países que recentemente recuperaram o conceito da "roda dos enjeitados", permitindo às mães abandonar os bebés nas maternidades em ano- nimato, de forma a evitar casos de infanticídio. A roda foi criada em França, em 1188, pelo papa Inocêncio III. O objectivo era diminuir o abandono de bebés, permitindo às mães entregá-los em anonimato. Em Portugal, os conven- tos tinham esta roda giratória para ofertas, mas tornou-se num local onde se deixavam bebés. A ideia de recuperar uma versão deste sistema - que caiu em desuso no século - é, para Dulce Rocha, desrespeitar os direitos da criança. "É um produto de determinada época, quando não se via com bons olhos a adopção, quando havia preconceitos", afirmou a presidente do Instituto do Apoio à Criança.
A responsável defende a necessidade de "desculpabilizar" a mãe que abandona um recém-nascido. "Quando o entrega a uma instituição, não é um acto de amor, mas é responsável. É uma decisão lúcida e correcta a pensar no futuro da criança." É esta a mensagem que Dulce Rocha quer que passe, ou seja, que as mães entendam que têm soluções e que não serão julgadas por dar a criança: "A 'roda dos enjeitados' é que nunca. Não se deve incentivar o abandono, mas sim informar."
Realizar uma campanha sem tabus é a ideia mais defendida. Para a socióloga Catarina Tomás, "falta informação", pois a que passa é que os processos de adopção são longos e que não há vagas nas instituições. "Com a 'roda dos enjeitados', estaríamos a regredir um século. As mães têm medo de ser julgadas, portanto a informação tem de chegar a todos. Há soluções. Não é preciso abandonar na rua."
Já Filomena Bordalo, da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, diz que é essencial assumir que o abandono de bebés é um problema da sociedade: "Temos de apostar numa linha preventiva. Passar a informação a essas mães. Elas têm de saber que há recursos."
"Se uma mãe não quer abortar, mas não tem condições para criar uma criança, tem de saber que ainda pode ainda dar um bom futuro a esse bebé." Luís Villas-Boas, director do Refúgio Aboim Ascensão lembra que a "roda dos enjeitados" foi abolida por ser algo desumano, não há qualquer justificação para a fazer regressar.
Maria do Rosário Carneiro, autora do livro Crianças de Risco considera que seria um "retrocesso na organização da sociedade": "Se se o fizesse, parecia que se tinha desistido. Que pensávamos que se a sociedade está a evoluir assim, então é por aí que vamos. Não pode ser. Temos de ter uma intervenção mais proactiva. Apostar na prevenção."