Por Ana Suspiro, in iOnline
As recomendações para reduzir a despesa do Estado que mais cresceu numa década são radicais e retroactivas
Era quase inevitável. Os pensionistas são o principal alvo dos cortes na despesa propostos ou sugeridos no relatório do Fundo Monetário Internacional. As medidas elencadas podem representar cortes ou poupanças que podem ultrapassar os 5 mil milhões de euros.
Os reformados constituem o grupo mais numeroso que recebe do Estado: cerca de 3 milhões, uma despesa que pesa 14,5% do produto interno bruto e que é uma das fatias mais altas registadas nas economias desenvolvidas.
Mas se os números são pesados para o Fundo Monetário Internacional (FMI), há problemas mais graves: a despesa com pensões é a despesa do Estado que mais subiu – passou de 9% do PIB em 2000 para mais de 14% o ano passado, e o envelhecimento da população é apenas um dos factores que explicam esta evolução. O aumento médio das pensões atribuídas e a corrida a reformas antecipadas também tiveram um peso importante. E se é verdade que Portugal já fez um esforço para inverter este quadro explosivo, com a reforma de 2007, para o FMI essa mudança não chega para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social na próxima década. “Isto é incomportável.”
Os dois pecados do sistema A outra falha apontada pelo documento é falta de equidade do sistema de pensões em Portugal. E esta situação existe a dois níveis. A primeira assimetria denunciada é entre o público e o privado, com os reformados do Estado a receberem em média três vez mais que o regime geral da Segurança Social. Esta desigualdade é acentuada pela circunstância de estes pensionistas, segundo o FMI, terem trabalhado menos horas e dias que os privados antes de acederem à reforma. O favorecimento é ainda mais evidente em regimes especiais, como os militares, os juízes ou polícias.
A segunda falta de equidade apontada é geracional e divide os actuais pensionistas e os seus filhos e netos, que não só pagam mais impostos para sustentar as reformas dos pais e dos avós, como terão direito a pensões muito inferiores.
Perante estes quadro, a receita do FMI dificilmente poderia deixar de ser radical: desde o corte generalizado e permanente de 10% em todas as pensões, que traria uma poupança superior a 2 mil milhões de euros, mas que não resolve as situações de equidade, até medidas mais dirigidas e até retroactivas. E aqui os alvos preferenciais são os pensionistas do Estado, para quem o documento sugere uma redução de 20% na reforma, também para os actuais reformados. Nesta rubrica são visados os aposentados antes de 2007 que ainda não foram afectados pela reforma e que passariam a estar abrangidas pelo factor de sustentabilidade, pelo qual o aumento da esperança média de vida reduz o valor da pensão. Uma mudança que o Fundo reconhece mexer com os direitos adquiridos. Este mecanismo também deve ser aplicado nas pensões mínimas e não contributivas. Os subsídios de Natal e férias passariam a ser bónus, pagos apenas quando o PIB crescer acima de 3%.
Menos delicadas são as propostas para o aumento de um ano da idade de reforma, para 66 anos, bem como o reforço das restrições às reformas antecipadas, só possíveis depois de 40 anos de contribuições. A convergência imediata das condições de reforma de trabalhadores públicos e privados e a eliminação de regimes especiais no sector público são outras sugestões. Algumas destas medidas poderão ser diferenciadas em função do valor da pensão ou só aplicadas a partir de um certo patamar.