7.4.13

Autarcas algarvios denunciam "falsa caridade" na recolha de roupas

Idálio Reves, in Público on-line

Empresas recolhem roupa, calçado e brinquedos usados com o apoio de autarquias e instituições. Alguns materiais vão para quem precisa, mas a actividade é lucrativa e a concorrência já é grande.

Em nome da caridade e da solidariedade, "há empresas com objectivos puramente comerciais" a recolher, em contentores colocados em espaços públicos, roupas, calçado e brinquedos usados. A denúncia partiu na segunda-feira do presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve - Amal, Macário Correia. "Existe aproveitamento da generosidade da população, a qual pensa, de boa-fé, estar a prestar um serviço público aos mais carenciados", afirmou então o autarca.

O também presidente da Câmara Municipal de Faro insurgiu-se contra o que chamou "falsa caridade" e levou o assunto à apreciação do conselho executivo da Amal, tendo sido deliberado alertar a opinião pública, em particular as juntas de freguesia e outras entidades, para que "deixem de colaborar" com aquelas empresas. Segundo Macário Correia, a recolha traduz-se numa forma de algumas empresas "obterem fibras a custo zero" para desenvolverem a sua actividade lucrativa.

O director-geral de uma dessas empresas, a Ultriplo, com sede em Braga, não esconde a vertente comercial das recolhas a que ela procede e sem a qual, afirma, não é possível obter meios para apoiar as pessoas mais necessitadas. "Somos uma empresa que quer ajudar, mas está a ser difícil trabalhar", observa Manuel Batoca, referindo-se à concorrência existente nesta actividade, mas também à alegada falta de informação sobre a mesma.

A Ultriplo tem acordos de cooperação com numerosas entidades de todo o país, incluindo câmaras e a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP). Nos termos do protocolo celebrado com esta instituição, a empresa pode instalar contentores nas zonas em que ela tem núcleos, oferecendo-lhe, em troca, parte das roupas e do calçado recolhidos, bem como equipamentos para as acções que a CVP leva a cabo. A empresa está no Algarve desde 2005, com contentores em Faro, Albufeira e Silves, e tem 65 trabalhadores na região.

Manuel Batoca adianta que pediu uma reunião a Macário Correia, ainda não agendada, "para explicar e desfazer eventuais dúvidas sobre como funcionam os protocolos celebrados com as instituições particulares de solidariedade social [IPSS] e as autarquias".

Os presidentes de câmaras municipais do Algarve consideraram, porém, na reunião do conselho executivo da Amal, que se está perante uma "situação fraudulenta". Alguns presidentes de juntas de freguesia celebraram protocolos com este género de empresas com o intuito de ajudar as populações, mas, entendem os presidentes de câmara, não será isso que acontece. "A quase totalidade da mercadoria [recolhida] é utilizada para fins comerciais", sublinha. Por isso, decidiram apelar "às juntas de freguesia, escolas e demais entidades que estão a colaborar com estas empresas, para que o deixem de fazer".

No caso do concelho de Loulé, o vereador Aníbal Moreno precisou que o município foi contactado por duas dessas empresas - a H. Sarah Trading e a Ultriplo - mas declinou a proposta. "Trata-se de empresas comerciais, sociedades por quotas", justificou.

Três caminhos

Neste município, a recolha é efectuada pela Humana People to People, uma associação sem fins lucrativos de âmbito internacional que descreve nos próprios contentores o destino que dá às roupas usadas. Os materiais, informa, são enviados para os seus centros de reciclagem e classificados segundo o seu estado e características. A partir daí, podem seguir três caminhos: vendidos nas lojas Humana, enviados para reciclagem ou depositados em aterros. Desta forma, justifica a associação, obtém recursos económicos para "financiar projectos em África, América e Ásia".

A empresa H. Sarah Trading, que tem sede em Seia e também celebrou protocolos com várias câmaras municipais e instituições de solidariedade social, possui uma fábrica para fazer a triagem e reciclagem do material recolhido. "Tudo o que vem para aqui, ao contrário de outras empresas, é trabalhado por nós", explica a gestora Fátima Marques.

A empresa, adianta, está licenciada para exercer esta actividade desde Fevereiro deste ano e tem uma serralharia com 50 trabalhadores onde faz os seus próprios contentores. "Quem anuncia que esta actividade é apenas por solidariedade não está a falar verdade, porque o custo dos contentores e de toda a logística tem de ser pago", afirma.

Corrupção

Uma funcionária da Câmara de Faro terá sido alvo de uma tentativa de corrupção por parte de uma das empresas que se dedicam à reciclagem de vestuário, roupa e brinquedos usados. "Ofereceram-lhe dois mil euros a troco da autorização para colocarem 50 posições [contentores] no concelho", diz Macário Correia.

O presidente da câmara local não identificou a empresa em causa, mas adiantou ao PÚBLICO que está a estudar "os contornos formais" do caso para fazer uma participação criminal relativa ao sucedido.