10.5.23

Há mais empresas em vulnerabilidade financeira e cenário ainda vai piorar, diz BdP

Rafaela Burd Relvas, in Público


A percentagem de empresas em situação de vulnerabilidade financeira deverá aumentar de 19% em 2022 para 26% até ao final deste ano, antecipa o Banco de Portugal.

O número de empresas em situação de vulnerabilidade financeira está a crescer desde o final do ano passado e o cenário ainda deverá agravar-se até ao final de 2023, um fenómeno que poderá levar a um aumento do incumprimento no crédito. A ameaça é identificada pelo Banco de Portugal (BdP), que vê neste um dos principais riscos para a estabilidade financeira, num contexto marcado pela "incerteza prevalecente" e pela "persistência" de factores como a pressão inflacionista ou a crise na banca regional norte-americana.

O risco é identificado pelo regulador no mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, publicado esta quarta-feira e no qual o BdP traça um cenário mais pessimista para o sector bancário nacional.

"Os riscos para a estabilidade financeira mantiveram-se elevados, tendo prosseguido o ciclo de subidas das taxas de juro. Esta situação resulta da persistência de tensões geopolíticas, das pressões inflacionistas e do aumento de turbulência nos mercados financeiros internacionais, associado a desenvolvimentos recentes em bancos nos Estados Unidos e na Suíça", pode ler-se no relatório, que acrescenta que, embora casos como o do Silicon Valley Bank sejam o reflexo de "fragilidades idiossincráticas dessas instituições", a "incerteza prevalecente" motivada por estes episódios "justifica uma monitorização acrescida".

Neste contexto, o regulador identifica seis grandes riscos para a estabilidade financeira: "a turbulência acrescida nos mercados financeiros internacionais, implicando potenciais efeitos de contágio entre os ciclos financeiro e económico"; "uma trajectória menos favorável para o rácio da dívida pública"; o "potencial incumprimento das famílias mais vulneráveis, devido à inflação elevada, à subida das taxas de juro de curto prazo e a um potencial agravamento da taxa de desemprego; o "arrefecimento no mercado imobiliário residencial, com impacto sobre os preços e sobre o valor do colateral de créditos garantidos por imóveis"; a "materialização dos riscos de mercado e de crédito para o sector bancário"; e "o potencial incumprimento das empresas mais vulneráveis", com um aumento da percentagem de empresas em vulnerabilidade.

Este último risco já está, na realidade, a materializar-se, segundo o diagnóstico feito pelo BdP. No conjunto de 2022, refere o relatório, a evolução positiva da rendibilidade operacional das sociedades não financeiras em Portugal contribuiu para o aumento do rácio de cobertura dos gastos de financiamento (em média, os lucros antes de juros e impostos de uma empresa cobriam em 9,8 vezes os respectivos gastos de financiamento). Contudo, se for considerado apenas o último trimestre do ano passado, a situação já está a deteriorar-se, verificando-se uma redução do valor médio desse rácio, uma consequência da subida dos custos de financiamento, que superou a melhoria da rendibilidade.

E, este ano, o agravamento vai continuar. "Dada a expectativa de subida das taxas de juro, estima-se que, até final de 2023, aumente a proporção de empresas em situação de vulnerabilidade financeira, identificadas por terem um rácio de cobertura de gastos de financiamento inferior a 2", indica o BdP.

Este agravamento vai ocorrer para "a globalidade dos sectores de actividade", mas terá particular incidência no sector da construção e actividades mobiliárias. Ao todo, o BdP estima que a percentagem de empresas em situação de vulnerabilidade financeira aumente de 19% em 2022 para 26% no final deste ano. Considerando apenas o sector da construção e actividades imobiliárias, a proporção de empresas nessa situação deverá aumentar de 31% para 40% até ao final de 2023. Já na indústria transformadora, a subida será de 17% para 21%, enquanto no comércio será de 12% para 14,5% e no alojamento e restauração de 37% para 44%.

Apesar deste agravamento, ressalva o relatório, a proporção de empresas em situação de vulnerabilidade financeira deverá permanecer "abaixo do observado durante a crise da dívida soberana". A isto, acresce o facto de que as empresas têm vindo a aumentar a constituição de depósitos nos últimos anos, o que poderá "actuar como factor mitigador" de um cenário mais drástico. "De forma generalizada, as empresas constituíram e mantêm depósitos elevados no período subsequente ao início da crise pandémica, o que constitui uma importante reserva de liquidez em caso de choques adversos", aponta o BdP.

Mesmo assim, o regulador não descarta um aumento do risco de incumprimento por parte das empresas, sobretudo as mais vulneráveis, resultado da incerteza quanto à evolução da actividade económica e da subida das taxas de juro. Somam-se, ainda, factores como "perturbações adicionais em instituições financeiras internacionais, com risco de contágio a outras instituições, mesmo que com modelos de negócio diferentes", um fenómeno que, a verificar-se, poderá "perturbar o fluxo normal de financiamento e a actividade" das empresas em Portugal.

O BdP considera, ainda assim, que o cenário está controlado. "Globalmente os indicadores financeiros das [empresas] têm vindo a melhorar, em particular no que toca à rendibilidade e alavancagem, tornado as [empresas] mais resilientes a choques adversos".