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9.5.23

Dos trapos aos tampões: a evolução dos produtos menstruais ao longo da História

Helen King, in Público


Na Grécia Antiga, acreditava-se que era saudável ter períodos abundantes. A relação das mulheres com a sua menstruação mudou ao longo dos séculos — e os produtos que usam nesses dias também.


Em 2023, as menstruações ainda são um tabu. Ainda que seja evocado, por exemplo, na arte contemporânea, este evento fisiológico que afecta as mulheres (e alguns homens trans) durante uma boa parte das suas vidas ainda não é um tópico de conversa comum.


Normalmente, as menstruações são vistas como algo que é preciso conter – as fugas menstruais são consideradas vergonhosas apesar das campanhas que querem ajudar as jovens a sentirem-se mais à vontade para falar sobre o tema.


Para várias mulheres, esse período traduz-se numa perda de sangue equivalente a duas ou três colheres de sopa durante os quatro ou cinco dias que duram as menstruações. Durante esse período, recorrem a tampões, pensos higiénicos ou copos menstruais.

Mas um estudo de 2019 sobre a forma como as mulheres do mundo inteiro gerem os seus períodos mostrou que muitas delas ainda usam folhas, lã de ovelha, papel de jornal, ervas ou mesmo excrementos de vaca como substância absorvente.

Um relatório da Unesco, de 2016, revelou que 10% das jovens mulheres africanas não iam à escola durante os seus períodos. De facto, um dos meios de evitar as fugas é simplesmente não sair de casa durante o período, o que explica que a menstruação ainda tenha consequências relevantes na educação das mulheres.
Os períodos na História

Todavia, as mulheres não tiveram sempre a mesma relação com as suas menstruações.

É provável que, noutras épocas, as mulheres tenham tido menos períodos e com sangramentos mais ligeiros. Isto explica-se não apenas por passarem uma grande parte das suas vidas grávidas, mas também porque a sua alimentação era mais pobre do que a dos dias de hoje.

Apesar disso, textos médicos que datam da Grécia Antiga afirmam que o sangramento ideal devia ser abundante. Isso explica-se pela crença de que as menstruações aconteciam porque os corpos das mulheres tinham uma textura mais esponjosa do que os dos homens. A sua carne absorvia mais do que elas comiam e bebiam e o sangramento era visto como benéfico para a saúde. Pensava-se mesmo que o sangue que não saía podia causar doenças mentais.

Até ao século XIX, os textos médicos repetiam as ideias herdadas da Grécia Antiga, mas no advento da Europa Moderna, os homens pareciam mais à vontade para falar sobre menstruações. Samuel Pepys, homem de Letras do século XVII, mencionava por exemplo o ciclo menstrual da mulher no seu diário.

No que diz respeito aos sangramentos, a historiadora Sara Read conclui que, nessa época, a maioria das mulheres sangrava simplesmente através das roupas ou utilizava, ocasionalmente, trapos colocados entre as coxas ou atados à roupa.

No século XIX, o mercado de protecções menstruais desenvolveu-se, dos cintos e os pensos higiénicos aos “aventais higiénicos”, usados sobre as nádegas para impedir as fugas para a roupa quando se estava sentada. Mas até ao desenvolvimento dos tampões de algodão descartáveis, no final da década de 1890, os pensos continuavam a ter de ser lavados e secos (embora os tampões reutilizáveis tenham voltado recentemente).

A partir do fim dos anos 1960, a utilização de uma banda adesiva permitiu fixar as protecções à roupa interior, em vez de ser atada a um cinto especial.
Os novos produtos menstruais

Nos anos 1930, apareceram no mercado os primeiros tampões. Eram descritos como pensos higiénicos internos. Os copos menstruais em borracha também remontam à década de 1930, embora tenham sido substituídos em grande parte por copos de silicone – disponíveis numa vasta gama de tamanhos. O risco de fuga com um copo de dimensões adequadas parece ser menor do que com um penso ou um tampão.

Estas novas protecções contribuíram, de acordo com a historiadora Lara Freidenfelds, para tornar as menstruações uma parte normal da vida – que não precisa necessariamente de dias de repouso como era o caso antes. No século XX, as protecções menstruais tornaram-se, progressivamente, marcadores sociais.
O regresso da reutilização?

Os aplicadores e as embalagens de tampões contêm materiais plásticos, o mesmo acontece com os pensos higiénicos: o consumo desses produtos não acontece sem quaisquer consequências ambientais. Os riscos associados aos produtos químicos, como dioxinas, utilizados nos tampões e pensos higiénicos, também são cada vez mais conhecidos. Essas duas razões contribuíram para estimular o mercado dos produtos naturais.

Existem, também, os discos menstruais descartáveis ou reutilizáveis – trata-se de um disco redondo de silicone que recolhe o sangue. Por fim, as cuecas menstruais, inventadas em 2017, são vendidas como sendo “as melhores para o planeta”.


Em vez de vender esses produtos nos países mais pobres do mundo, as organizações de caridade como a ActionAid organizam sessões de formação sobre como fazer pensos higiénicos. As mulheres dos países ricos ficam surpreendidas ao constatar o conforto desses pensos.

A promoção actual dos pensos higiénicos reutilizáveis ou das cuecas menstruais são um regresso a uma forma mais tradicional de gerir as menstruações, mesmo que hoje em dia seja mais fácil para a maior parte das mulheres lavar e secar essas peças de protecção.

A sua utilização sugere que a nossa atitude em relação ao sangue menstrual está a mudar. A ideia de que aqueles produtos menstruais são “resíduos” que devem ser escondidos ou eliminados de maneira “higiénica” não vai de mão dada com lavar os seus pensos e deixá-los a secar ao ar livre.

Exclusivo PÚBLICO/The Conversation
Stefan Hanß é professor de História da Idade Moderna, Universidade de Manchester

4.5.23

Doações por arredondamento: por que temos cada vez menos paciência para elas?

Elodie Manthé, in Público


O convite à microdoação (o famoso “arredondar a conta”) está a tornar-se cada vez mais comum em marcas de retalho — que vêem a acção como uma forma de melhorar a sua reputação.


“Gostava de arredondar o valor da sua compra e doar à caridade?” Recentemente, muitas pessoas têm tido de responder sim ou não a esta questão quando estão a pagar na caixa. Seja para ajudar a Ucrânia, as vítimas do sismo na Turquia e na Síria, ou para uma “pequena mudança” positiva na vida de crianças e adolescentes hospitalizados (como é o caso da Pièces Jaunes).

As quantias — poucos cêntimos — podem parecer irrisórias. No entanto, a microdoação (ou arredondar a conta) está a tornar-se cada vez mais comum em marcas de retalho — que vêem a acção como uma forma de melhorar a sua reputação. Esta forma de doar já angariou mais de 50 milhões de euros em França, desde 2010.


Alguns clientes consideram que é uma forma fácil e indolor de doar para a caridade. Ainda assim, pedir-nos uma doação de cada vez que vamos à caixa pode tornar-se exasperante. Em vez de proporcionar uma oportunidade de mostrar generosidade, pode tornar-se um motivo de embaraço, culpa ou mesmo mau temperamento — quando temos que dizer que não alto e bom som.
Não tenho dinheiro!

Se já sentiste isto quando te pediram uma doação, não estás sozinho. Nos Estados Unidos, o fenómeno é tão conhecido que uma personagem da série South Park riposta quando lhe é feita a solicitação, e, pelo Twitter, espalhou-se a mensagem “Parem de me pedir para doar”.

A partir de um estudo que sugere que há condições adequadas para atrair este tipo de doações — fazendo o pedido através de um terminal de pagamento electrónico, em vez de ser cara a cara, em cadeias específicas, como lojas de desporto ou entretenimento, com grande alcance geográfico —, conduzi uma análise no Twitter para entender, não porque as pessoas doam, mas porque não o fazem. Desta forma, consegui encontrar três causas diferentes para a irritação associada a esta forma de pedir dinheiro.

A primeira é pedir demasiado. Devido aos múltiplos canais através dos quais pedem às pessoas para doar — por e-mail, telefone, pessoalmente, correio, etc — e sítios onde lhes é feito o pedido (na rua, nas caixas de correio, no trabalho, enquanto estão a fazer compras, etc.) potenciais dadores sofrem de uma falta de personalização, uma vez que são arrastados para causas que raramente lhes interessam. Neste cenário, o apelo para doações na caixa do supermercado é mais uma gota num oceano de tortura, desenhado para levar a vítima à loucura.

Em segundo lugar, os dadores que estão cansados sentem falta de reciprocidade neste acordo: porque devo dar se a loja não dá? No nosso estudo, olhando para 706 tweets, as empresas são acusadas de agir de forma egoísta em 61% dos casos, comparativamente com 11,8% dos casos em que é a própria caridade a pedir.

Por último, estes consumidores questionam a legitimidade de multinacionais angariarem dinheiro para caridades. Consideram difícil, por vezes, encontrar a diferença entre o apoio sincero de uma empresa em relação a uma causa ou a lavagem de reputação. Geralmente, isto leva a que queiram saber para onde está a ir o dinheiro doado.

No entanto, ao contrário de certas suposições, as empresas que entregam estas doações não recebem nada por isto. Graças a uma ferramenta instalada nos terminais de pagamento, da MicroDON (ou de bancos que investiram em tecnologia de microdoação, como o Banco Popular de França), o dinheiro dado pelos consumidores é transferido de forma transparente para as caridades escolhidas. Em França, em quantias superiores a cinco euros por loja por ano, os consumidores até podem pedir isenção tributária.

Examinando as desvantagens de pedir doações monetárias, permite-nos perceber melhor como adaptar campanhas de angariação de fundos sem levar as pessoas à exaustão. De facto, as empresas deviam ter em consideração os consumidores que não olham para estes arredondamentos da conta para doação com bons olhos.

Por um lado, “consumidores irritados” sentem uma espécie de ilegitimidade por uma empresa se estar a associar a eles numa doação — o que pode prejudicar a forma como vêem essa empresa e a sua vontade de lá voltar. Por outro lado, “dadores irritados”, cansados que lhes peçam dinheiro onde quer que vão, de diferentes formas, sem sequer receberem uma mensagem personalizada, podem simplesmente desistir dos apelos da caridade.

Este estudo, que se propôs a melhorar a experiência de doação à caridade, pode levar-nos a colocar a seguinte questão: no final, porque devemos dar? Porque é que estes cêntimos não são vistos como uma ferramenta de marketing como tantas outras, que é eficaz ou fraca dependendo da empresa? Uma resposta a isto é que a generosidade está associada com muitas outras virtudes, não só para a sociedade, mas também individualmente. O acto de dar aquece-nos o coração, reduz o stress e o risco de ataque cardíaco e permite-nos apreciar mais a vida. Nada menos do que isso.

Exclusivo PÚBLICO/The Conversation
Elodie Manthé é docente de Ciência da Administração na Universidade Savoie-Mont-Blanc