Por Romana Borja-Santos, in Jornal Público
Director da Escola Nacional de Saúde Pública lança livro com pistas para o que deve ser o novo contrato social da saúde, que defende que só pode ser feito com as pessoas
Não se pode fazer em Portugal um decalque do que acontece em termos de saúde em países como França e Alemanha, mas também é de evitar o risco real de o país começar a ser, em termos de sistemas de saúde, "Alemanha para alguns, Geórgia para a maior parte". Esta é uma das principais ideias defendidas pelo director da Escola Nacional de Saúde Pública, Constantino Sakellarides, no seu livro Novo Contrato Social da Saúde - Incluir as Pessoas (Diário de Bordo), ontem lançado em Lisboa.
O antigo director-geral da Saúde, em entrevista ao PÚBLICO, afirma que a crise económica deve ser vista como uma "oportunidade" - o que passa por redesenhar o desvanecido contrato social da saúde. Sakellarides entende que este contrato, historicamente, assentou em três princípios: pagar de acordo com os rendimentos para receber segundo as necessidades; pagar ao longo da vida para receber mais tarde e universalidade. Princípios que foram afectados pelo conservadorismo do Estado social, que "actuou de forma defensiva e que excluiu os cidadãos". Mas para Sakellarides a solução também não está nas perspectivas pós-contratualistas que dizem que o Estado deve excluir-se da prestação de cuidados, alertando que este modelo "mercantil" fará com que "se pague cada vez mais por cada vez menos". E acrescenta: "O que haverá é um país, dois sistemas de saúde, com dois níveis de qualidade".
Questionado sobre se esta é a visão do estudo do Health Cluster Portugal apresentado na semana passada, o professor entende que essa não é uma leitura directa, apesar de o trabalho levar a deduções perigosas de que o caminho é "o privado pelo privado". A este propósito, Sakellarides insiste no seu ensaio que todos os sectores devem fazer parte do novo contrato, em especial o sector social. E assume que se os cortes para a saúde previstos forem implementados sem se apostar na eficiência corre-se o risco de "assistir a uma espiral de degradação do SNS". Para descrever a actual apatia e falta de debate, Sakellarides cita o escritor António Lobo Antunes, para ilustrar que "procuramos a porta em paredes que não têm porta e temos medo de abrir janelas" e evoca o sociólogo francês Alain Touraine, para lembrar que "a passividade e a resignação não são consequência da crise, mas antes a sua causa".
Como saída, diz que é necessário recuperar a filosofia do seguro social e da sociedade do bem-estar onde o cidadão tem um "sentido de pertença", "reconfigurando as instituições a partir de novas plataformas deliberativas com forte envolvimento dos cidadãos". Como exemplo dá a reforma dos cuidados primários, com a criação das unidades de saúde familiar, que conseguiram dar uma resposta à classe média, salientando que cabe às lideranças reanimar as pessoas e traçar estratégias que possam ser adaptadas a cada momento - o que passa por agir de forma transparente, com uma boa comunicação, avaliação de resultados e capacitação e inclusão de todos.