12.11.08

A pobreza tem “donos”?

Luís Filipe Malheiro, in Jornal da Madeira

Quando se fala em pobreza, temos que ser sérios. Negar que não existe pobreza é afirmar-se apologista de que a terra é quadrada ou que a cor do mar é verde às riscas. A pobreza existe, em vários patamares distintos entre si. Os que os pobres de qualquer sociedade precisam é de medidas concretas, de condições para que sofram menos com as privações a que estão sujeitos:…

Fico com a impressão, que admito esteja errada, de que há pessoas que por razões de mero oportunismo político eleitoralista, insistem em transformar o drama da pobreza numa bandeira que se agita em função de certas conveniências, inclusivamente temporais, já porque não creio que seja plausível que das suas acções resulte qualquer decisão passível de contribuir para uma resolução do problema. A pobreza é um flagelo que tem vindo a crescer, à medida que os países começam a sentir o impacto da crise económica. Os trabalhadores com salários mais baixos, os agregados familiares penalizados pelo desemprego, muitas vezes devido à pouca formação escolar dos seus membros e à volatilidade dos sectores que os empregam e às patifarias dos empresários que muitas vezes de sérios nada têm, acabam por ser os que mais sofrem.

Quando se fala em pobreza, temos que ser sérios. Negar que não existe pobreza é afirmar-se apologista de que a terra é quadrada ou que a cor do mar é verde às riscas. A pobreza existe, em vários patamares distintos entre si. O que os pobres de qualquer sociedade precisam é de medidas concretas, de condições para que sofram menos com as privações a que estão sujeitos, para que sejam menos pobres. Eles não precisam de “procuradores” dos seus males, porque muitas vezes, numa dialéctica política de confronto entre oposição e poder, o sofrimento dessa gente, as suas expectativas, as suas esperanças, os seus sonhos, acabam por enterrar-se num lamaçal de oportunismos e oportunistas.

Criou-se em Portugal a ideia, e por tabela na Madeira também, de que a pobreza é uma espécie de campo de actuação vedado ao poder ou a certos partidos, melhor dizendo, que as questões da pobreza são uma reserva exclusiva da denominada esquerda, cabendo-lhe a ela, e só a ela, a responsabilidade pelas iniciativas em torno do tema, motivo mais do que suficiente para agravar o discurso e subir o tom da oratória, sobretudo quando qualquer governo, pelo simples facto de ser poder, se “atreve” a dizer que tem dado atenção ao fenómeno social que admite se tenha agravado nos últimos tempos.

Para essa esquerda, o “quintal” exclusivo da pobreza não passa de um campo para disputas de protagonismo e de mais-valias eleitorais. Acho que um governo tem que se preocupar sobretudo em resolver, dentro do que lhe for possível, resolver com consistência, com empenho e com sustentabilidade, sem implementar soluções provisórias. Mas sobretudo sem se preocupar com a propaganda. Porque acho vergonhoso, nojento, que se faça propaganda à custa da desgraça e do drama alheio.
Muitas pessoas falam de pobreza por conveniência, e não por convicção. O desemprego é um passo imenso para a pobreza. O chamado “limiar da pobreza”, que era de 360 euros mensais, passou em Portugal para 400 euros, mas varia de país para países, porque é estabelecido em função da realidade salarial existente.

Na Madeira, é sabido, existem cerca de 7 mil beneficiários do chamado rendimento Social de Integração, uma medida implementada para amenizar os efeitos da privação e da pobreza. Contudo, recomendo aos mais interessados, e aos que se preparam para debater este assunto, uma análise à evolução dos beneficiários do RSI em termos nacionais, porque encontrarão aí, não só informação que ajudará a perceber a realidade, como certamente contribuirá para um melhor entendimento relativamente à realidade estatística. Já repararam que na Madeira, por causa da partidarização do debate e da politização e do oportunismo saloio dos partidos, que se atropelam uns aos outros, se fala de pobreza num patamar estatístico que evolui dos 20 aos 80 mil cidadãos, sem que ninguém justifique a afirmação? Há uma espécie de disputa entre a oposição (seja ela quem for e onde for), não apenas na dramatização do assunto e ver não só quem fala mais na pobreza, mas quem falar em mais pobreza. O PCP — que tenho de reconhecer tem mais tradição nas preocupações com este assunto — cai frequentemente no erro, provavelmente quando se deixa levar na “carroça” da lotaria”, de se perder, e de perder credibilidade, quando só por alguma contenção e pudor se percebe que não avança para os 100 mil pobres. Há partidos para os quais parece que quanto mais desgraça existir melhor. Mas porventura acham que um cidadão pobre, depois de 30 anos de democracia e de eleições, tem motivos para acreditar seja em que partido for? Acham que um cidadão pobre, ou penalizado por factores que o atiraram para uma situação de pobreza ou próxima disso, tem motivos sequer para comparecer nas urnas?

Eu não sei se as pessoas sabem — mas a verdade é que ninguém lhes diz — que o Banco Mundial considera em situação de extrema pobreza todo aquele que aufere menos de 1,25 dólares por dia (antes era 1 dólar por dia). Também não sei se as pessoas sabem que existem três níveis diferentes para a classificação da pobreza, e que condicionam qualquer estudo científico realizado sobre o tema: a pobreza extrema, já referida anteriormente e que envolve qualquer pessoal com um rendimento diário estabelecido pelo Banco Mundial, a pobreza, que congrega as pessoas que, no caso de Portugal, auferem menos de 400 euros mensais (limiar de pobreza) e o risco da pobreza, onde se situam os cidadãos que ganham um pouco acima desses 400 euros. Basicamente é óbvio que os trabalhadores activos que auferem o salário mínimo nacional, tecnicamente não podem ser considerados pobres, mas encontram-se de facto em risco de pobreza. Por isso não entendo, mesmo considerando o impacto que daí possa advir, as resistências e a contestação ao anunciado aumento do salário mínimo nacional feito pelo governo socialista de Lisboa, decisão que eu subscrevo totalmente. Dir-me-ão que isso pode levar ao encerramento de empresas e ao aumento do desemprego, devido ao crescimento dos encargos das empresas. Reconhecendo alguma pertinência, sobretudo face à conjuntura que atravessamos - pergunto apenas se não existe fiscalização.

Finalmente recordo a “Carta Aberta contra a Pobreza e a Desigualdade” divulgada no passado mês de Outubro e subscrita por dezenas de organizações católicas: “Diariamente as televisões mostram imagens de guerra, destruição e fome. Em África morre uma criança a cada 3 segundos, vítima da fome, da malária ou da tuberculose. O Banco Mundial define a pobreza extrema como viver com menos de 1,25 dólares por dia. Todos os dias mais de mil milhões de pessoas vivem nestas condições de miséria deplorável.

Em Portugal uma em cada cinco pessoas vive no limiar da pobreza. Os pobres não são apenas números perdidos nas estatísticas. São pessoas que precisam de ser encontradas, amadas e restauradas na vertente física, material, social, moral e espiritual. A pobreza é uma consequência da falta de amor para com o próximo. Todos os dias é violada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A paz e a fraternidade entre os povos nem sempre estão no coração e nas acções quotidianas. Numa época em que assistimos à revolução tecnológica, um terço da população mundial nunca usou um telefone. A pobreza é uma consequência da desigualdade de oportunidades e pode revelar-se através da fome, baixa literacia, reduzida esperança de vida, doenças como a SIDA/HIV, malária e tuberculose, elevada criminalidade, desemprego, carência de água potável, de saneamento básico e de electricidade, instabilidade política e guerras, imigração ilegal, exclusão social de grupos vulneráveis, existência de sem-abrigo, exploração e tráfico de pessoas, prostituição, consumo de álcool e drogas, depressão e morte. Para cada problema existe uma oportunidade. A luta contra a pobreza e a desigualdade deve ser um compromisso colectivo e prioritário para que cada homem e cada mulher possam viver em paz e liberdade e usufruam de direitos fundamentais numa sociedade mais justa e solidária. Erradicar a pobreza não é um mero exercício intelectual ou uma utopia política ou religiosa. Esta é a primeira geração que tem os recursos e os meios para acabar com a fome e a miséria.

É preciso lembrar os políticos das promessas públicas assumidas pelos 189 Estados-Membros das Nações Unidas quando assinaram, em Setembro de 2000, a Declaração do Milénio e se comprometeram a reduzir para metade a pobreza extrema até 2015. Apelamos aos líderes dos países ricos para que cumpram com as três grandes promessas que fizeram para combater a pobreza: perdão da dívida, mais e melhor ajuda e comércio justo. Apelamos aos líderes dos países pobres para que definam como prioridade salvar as vidas dos seus cidadãos mais pobres, que sejam transparentes e responsáveis na forma como administram o dinheiro e que combatam as desigualdades e a corrupção. Apelamos a todos os que têm fé, àqueles que perderam a fé e a quem nunca teve fé, para que se levantem e defendam a causa dos pobres e sejam mais solidários para com o próximo. Os pobres não precisam de esmolas, mas de justiça”. Meditem. E façam menos demagogia, sobretudo deixando de brincar com coisas demasiado sérias para que partidozecos se divirtam com disputas idiotas.
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