28.11.17

Cerca de 40% dos reclusos tiveram algum tipo de actividade laboral em 2015

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Relatório de 2015 revela que mais de 80% de reclusos tinham formação educativa e 22% participararam em actividades de voluntariado artístico como espectáculos de ópera. Integração de jovens depois de medidas é superior a 50%

Cerca de 60% dos reclusos não estavam integrados em nenhuma actividade laboral em 2015, mas mais de 80% frequentavam algum tipo de acção de formação, revela o Relatório de Actividades e Autoavaliação 2015, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).


No documento com mais de 450 páginas, que apresenta dados de 2015 e explica alguns aspectos do sistema prisional, fica a saber-se que 5442 reclusos estiveram envolvidos em algum tipo de trabalho, ou seja, 40% da população prisional. Em relação a 2014, isto representa um aumento de 9%. Mais de 8000 beneficiaram de formação escolar e 2824 de formação profissional.

A actividade laboral é uma das ferramentas que visam "criar, manter e desenvolver no recluso capacidades e competências para exercer uma actividade laboral após a libertação”, sublinha o relatório. Uma parte (1506) dos que tiveram trabalho, fizeram-no para entidades externas à prisão, sobretudo (84% dos casos) para entidades privadas, nomeadamente no sector do alojamento e restauração.

A maioria das actividades são, contudo, organizadas pelos próprios estabelecimentos prisionais — predominam as tarefas administrativas e serviços de apoio. Mas não só. No Estabelecimento Prisional de Sintra, por exemplo, foram criados postos de trabalho para “reparação da maquinaria agrícola, serralharia e carpintaria” e “limpeza e reparação de equipamentos na cozinha”.

Da ópera ao cante
Nas prisões há ainda projectos de voluntariado em várias áreas. Mais de um quinto dos reclusos estiveram envolvidos em acções sócioculturais e artísticas e um pouco mais (24%) em actividades de voluntariado na área do desporto. No primeiro caso contabilizam-se em 2015 um total de 71 projectos. Destacam-se três: em Leiria, reclusos participaram em espectáculos da ópera D. Giovanni, um na prisão (envolveu 26 reclusos), outro no Teatro Miguel Franco (com 16) e outro ainda na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, onde actuaram para o público em geral. Em Beja, 16 integraram um projecto de cante alentejano. Em Castelo Branco, 15 tiveram formação num projecto de música electrónica.  

No final de 2015 as prisões tinham 14.070 reclusos, mais do que a sua capacidade: a taxa de ocupação estava estimada em 114%. Por existirem 152 inimputáveis, internados em estabelecimentos psiquiátricos não prisionais, o total de pessoas a cumprir pena foi de 14.222. A grande maioria (13.360) pertencia ao sexo masculino.

Os crimes contra o património são os que têm o maior peso (3150) na hora de analisar a razão pela qual estas pessoas estão na prisão — nestes, predominaram o furto simples e qualificado (1482) e o roubo (1463).
Em segundo lugar aparecem os crimes contra as pessoas (3051) — com predomínio dos homicídios (1076). E, em terceiro, os crimes relativos a estupefacientes (2294), sobretudo de tráfico (1847). A condução sem carta (890) dominou os “outros crimes” (1726) sendo que 1184 reclusos cumpriam pena por crimes contra a vida em sociedade.

O relatório da DGRSP faz ainda um ponto de situação sobre as medidas tutelares educativas (impostas a quem comete crimes até aos 16 anos) em curso em 2015. Abrangeram 2443 jovens, dos quais 85% do género masculino. Entre estas medidas, o acompanhamento educativo e a frequência de programas formativos teve mais destaque (35,7%), seguindo-se o internamento em centros educativos com 14,7% do total.

Três meses após o termo da medida, a DGRSP avaliou a integração dos jovens na sociedade para perceber o impacto da intervenção. Concluiu que no caso de acompanhamento educativo o nível de integração em escola, curso de formação profissional ou trabalho foi de 65,8%. Já em relação aos jovens que tinham sido alvo de internamento, 57,3% dos jovens estavam “em situação comprovada no sistema educativo/profissional ou actividade laboral”.  
Sobre os programas de execução na comunidade — “que são as alternativas às penas de prisão de curta duração ou à continuidade da execução de penas de prisão mais longas”, como se lê no relatório da DGRSP — o número total de arguidos/condenados que os frequentaram foi de 1489, sendo o programa mais aplicado o STOP, dirigido a condutores em estado de embriaguez.

21.11.17

Prestação Social para a Inclusão atribuída a 13.129 pessoas no primeiro mês

in Público on-line

Esta nova prestação é atribuída a todas as pessoas com deficiência ou incapacidade igual ou superior a 80% e visa garantir o cumprimento dos direitos destas pessoas em situação de igualdade de oportunidades.

A Prestação Social para a Inclusão, em vigor há um mês, já apoiou 13.129 pessoas com deficiência ou incapacidade, revelam dados do Instituto da Segurança Social (ISS) divulgados nesta segunda-feira. As estatísticas do ISS incluem pela primeira vez esta nova prestação que visa garantir às pessoas com deficiência ou incapacidade o cumprimento dos seus direitos em situação de igualdade de oportunidades.

Esta prestação "visa compensar os encargos gerais acrescidos que resultam da situação de deficiência, tendo em vista promover a autonomia e inclusão social da pessoa com deficiência, combater a pobreza das pessoas com deficiência e compensar encargos específicos resultantes da situação de deficiência", adianta o Gabinete de Estratégia e Planeamento na síntese estatística que acompanha os dados.

"No mês da implementação da componente base, registaram-se 13.129 processamentos", sublinha o documento. A maior parte dos beneficiários da Prestação Social para a Inclusão reside em Lisboa (3277), seguindo-se o Porto (2478), Braga (1141) e Aveiro (968).

A Prestação Social para a Inclusão, com uma componente base de 264 euros, é atribuída a todas as pessoas com deficiência ou incapacidade igual ou superior a 80%. A componente base poderá ser acumulada com rendimentos de trabalho e será atribuída independentemente do nível de rendimentos dos beneficiários, no caso de pessoas com deficiência ou incapacidade igual ou superior a 80%.

Para graus de incapacidade iguais ou superiores a 60% e inferiores a 80%, a componente permite a acumulação com rendimentos da pessoa com deficiência ou incapacidade. O valor de referência para a componente base é de 3171,84 euros por ano e o limiar de acumulação para rendimentos de trabalho é de 8500 euros anuais, valor acima do qual há direito a benefícios fiscais. O limiar de acumulação com rendimentos não profissionais é de 5084,30 euros por ano.

A atribuição da prestação depende da apresentação de requerimento, em modelo próprio, junto das entidades gestoras competentes da segurança social, devidamente instruído com os elementos de prova relativos às condições de atribuição. O titular da prestação deve declarar os seus rendimentos, bem como a composição do seu agregado familiar e respectivos rendimentos. A prova de deficiência e a atribuição do grau de incapacidade é efectuada através de atestado médico de incapacidade multiuso.

Jovens representam mais de 35% dos desempregados do mundo, alerta OIT

in ONUBR

A juventude representa mais de 35% da população desempregada em todo o mundo, segundo relatório lançado nesta segunda-feira (20) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Apesar de o número estimado de 70,9 milhões de jovens desempregados este ano representar uma melhora frente ao auge da crise em 2009, a OIT estima que esse volume deve aumentar em mais 200 mil em 2018, atingindo um total de 71,1 milhões.

A juventude representa mais de 35% da população desempregada em todo o mundo em 2017, segundo relatório lançado nesta segunda-feira (20) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Enquanto em 2016 a taxa global de desemprego juvenil ficou estável em 13%, a expectativa é que ela aumente levemente para 13,1% este ano, segundo o documento “Tendências Globais de Emprego para a Juventude 2017”.

O número estimado de 70,9 milhões de jovens desempregados em 2017 é uma melhora significativa em relação ao auge da crise em 2009, quando existiam 76,7 milhões de jovens desempregados no mundo. No entanto, a OIT estima que esse volume deve aumentar em mais 200 mil em 2018, atingindo um total de 71,1 milhões.
Globalmente, os aumentos consideráveis nas taxas de desemprego juvenil observadas entre 2010 e 2016 no norte da África, nos Estados árabes e na América Latina e no Caribe foram compensados por melhorias nos mercados de trabalho juvenil na Europa, na América do Norte e na África subsaariana.

O crescimento econômico geral continua desconectado do crescimento do emprego e a instabilidade econômica ameaça reverter os avanços observados no emprego juvenil. A diferença nas taxas de desemprego entre jovens e adultos quase não mudou na última década, ilustrando as desvantagens enraizadas e extensivas que a juventude enfrenta no mercado de trabalho.

O relatório também destaca as vulnerabilidades contínuas das mulheres jovens no mercado de trabalho. Em 2017, a taxa global de participação delas na força de trabalho é 16,6 pontos percentuais menor que a dos homens jovens.

As taxas de desemprego das mulheres jovens também são significativamente maiores do que as dos homens jovens. Além disso, a diferença de gênero na taxa de jovens que não estão trabalhando nem estudando ou recebendo treinamento é ainda maior: globalmente, essa taxa é de 34,4% das mulheres jovens, comparado a 9,8% dos homens jovens.

Em 2017, 39% dos 160,8 milhões de jovens trabalhadores no mundo emergente e em desenvolvimento vivem em pobreza moderada ou extrema, ou seja, com menos de 3,10 dólares por dia.

Atualmente, mais de dois em cada cinco jovens na força de trabalho estão desempregados ou estão trabalhando enquanto continuam na pobreza, uma realidade impressionante que afeta sociedades do mundo todo.

Para muitos deles, presente e futuro estão na economia informal. Três em cada quatro jovens mulheres e homens empregados estão no emprego informal, em comparação com três em cada cinco adultos. Nos países em desenvolvimento, essa proporção chega a 19 em cada 20 jovens mulheres e homens.
O desafio do emprego juvenil não é, portanto, apenas sobre a criação de emprego, mas também — e principalmente — sobre a qualidade do trabalho e empregos decentes para a juventude.

“Lidar com esses persistentes desafios sociais e do mercado de trabalho enfrentados por jovens mulheres e homens é crucial, não só para alcançar um crescimento sustentável e inclusivo, mas também para o futuro do trabalho e a coesão social”, disse a diretora-geral adjunta para políticas da OIT, Deborah Greenfield.

Outros resultados
O relatório também revela que os setores com algumas das maiores taxas de crescimento de emprego juvenil na última década incluem finanças, comércio e saúde.
Os jovens são relativamente mais fluentes em tecnologia do que os trabalhadores mais velhos e aproveitam isso cada vez mais para ganhar a vida, embora existam diferenças entre as regiões, dependendo da taxa de difusão e do acesso digital.

As habilidades demandadas também estão mudando. Houve um declínio na busca por capacidades de nível médio, enquanto a procura por trabalhadores altamente qualificados e menos qualificados está crescendo, contribuindo para uma maior polarização no mercado de trabalho.

A demanda por jovens altamente qualificados cresceu fortemente em países de renda alta, enquanto nos países em desenvolvimento e emergentes houve um aumento no trabalho de baixa habilidade.

O emprego de jovens trabalhadores semiqualificados diminuiu na maioria dos países, em todos os níveis de desenvolvimento. Essa tendência de polarização do trabalho pode ser acentuada pelas novas tecnologias e potencialmente exacerbar as desigualdades existentes.

Um número crescente de jovens à procura de emprego e de jovens empreendedores está recorrendo à Internet — ou seja, à economia sob demanda das plataformas digitais, conhecida como gig economy — onde encontram formas novas e diversas de emprego.

Um exemplo disso é o crowd-work realizado remotamente através de plataformas online, que pode oferecer flexibilidade e expandir as oportunidades de obtenção de renda. No entanto, existem riscos importantes, incluindo baixos rendimentos, nenhuma garantia de continuidade no emprego ou de renda e falta de acesso a benefícios relacionados ao trabalho.

Os jovens muitas vezes iniciam suas vidas profissionais em empregos temporários, sabendo que talvez nunca consigam conquistar “segurança no t
trabalho”.

Eles são mais propensos a fazerem a transição para empregos estáveis e satisfatórios nas economias desenvolvidas e emergentes do que nos países em desenvolvimento.

Mais investimentos em educação de qualidade e desenvolvimento de habilidades são críticos, pois quanto mais tempo uma pessoa jovem estuda, menor é o tempo de transição para o emprego, mostrou o relatório.

O documento também destaca a necessidade de políticas que levem em conta as rápidas mudanças nas características do mundo do trabalho, impulsionadas pela tecnologia, e que permitam que mulheres e homens jovens estejam à frente da curva.

“Investir em mecanismos de aprendizagem ao longo da vida, habilidades digitais e estratégias setoriais que expandam o trabalho decente e abordem as vulnerabilidades dos mais desfavorecidos deve ser a prioridade das políticas nacionais”, disse a diretora do Departamento de Políticas de Emprego da OIT, Azita Berar Awad.

O relatório fez ainda um chamado por parcerias estratégicas com múltiplos atores no âmbito da Iniciativa Global sobre Empregos Decentes para a Juventude e da plataforma da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, no sentido de aumentar a ação e o impacto sobre o emprego juvenil.

Homens ganham mais 17,8% do que as mulheres em Portugal

in o Observador

Em Portugal, os homens ganham mais que as mulheres. Segundo Vera Jourová, a comissária para a Justiça, Consumidores e Igualdade de Género, as disparidades devem acabar.

Os homens ganham, em Portugal, mais 17,8% do que as mulheres, acima da disparidade salarial média na União Europeia (UE 16,3%), segundo dados de 2015, divulgados esta segunda-feira pelo Eurostat.

A disparidade salarial é definida como a diferença entre os vencimentos anuais entre homens e mulheres, mas quando se tem em conta as três desvantagens que estas têm que enfrentar – menor salário por hora, menos horas de trabalho em empregos pagos e taxas de emprego mais baixas – a disparidade de género chegava, em 2014, aos 26,1% em Portugal (UE 39,6%).

No âmbito da promoção da igualdade de géneros, a Comissão Europeia anunciou neste dia um plano de ação para acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres, que deverá estar aplicado até ao final do mandato do colégio, em 2019.

O plano de ação prevê o respeito pelo princípio da igualdade salarial, avaliando a possibilidade de alterar a diretiva (lei europeia) sobre a igualdade de género.

Bruxelas quer ainda reduzir o efeito penalizante dos cuidados familiares, apelando ao Parlamento Europeu e aos Estados-membros que adotem rapidamente a proposta de diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, de abril de 2017.

“As mulheres continuam a estar sub-representadas nos cargos de chefia, tanto na política como nas empresas”, disse a comissária Justiça, Consumidores e Igualdade de Género, Vera Jourová.

A comissária acrescentou que “as disparidades salariais entre homens e mulheres devem acabar porque a independência económica das mulheres é a sua melhor proteção contra a violência”.

Na África subsariana há 224 milhões de pessoas que sofrem de subnutrição

in o Observador

Na África subsariana 224 milhões de pessoas passam fome, 12% a mais que aos números relatados em 2016. Ali, a fome tem aumentado nos últimos tempos, tal como noutras

Na África subsariana 224 milhões de pessoas passam fome, 12% a mais que aos números relatados em 2016. Ali, a fome tem aumentado nos últimos tempos, tal como noutras partes do globo. Os dados foram lançados num relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, na quinta-feira.

Em outubro, um outro estudo da mesma organização revelou que a subnutrição afetou, o ano passado, 38 milhões de pessoas – a publicação mais recente indica que 24 desses milhões se concentram na região da África subsariana.

Entre 2015 e 2016, a subnutrição aumentou, naquela região, de 20,8% para 22,7%, o que significa que, dos 815 milhões que passam fome no mundo, 224 milhões vivem na África subsariana – segundo o relatório “Panorama regional de segurança alimentar e nutrição em África”.

De acordo com o que o jornal El País noticia, estes números rompem com a tendência registada na primeira década do milénio – em que o continente africano mostrou progressos no que à fome diz respeito -, tendo vindo a sofrer um aumento do número de pessoas com alimentação deficiente nos últimos anos.

As principais causas apontadas no estudo são os conflitos e crises políticas (como guerras civis), mas também as alterações climáticas que se têm vindo a verificar em todo o globo. A fome aumentou em países como a Somália, Nigéria e Sudão do Sul, que se encontram constantemente em conflito: a prevalência de pessoas desnutridas em países que sofrem crises prolongadas é quase o dobro do que noutras partes do mundo.

Em 2016, uma grande parte – 489 milhões – dos 815 milhões de pessoas desnutridas viviam em países devastados pelos conflitos. Neste mesmo ano, mais de um terço das crises consideradas mais violentas do planeta ocorrem precisamente na África subsariana – em 19 países afetados, 13 situam-se nesta região.
Bukar Tijani, representante regional desta organização em África, falou sobre “as condições climáticas adversas”, que impedem as populações de recorrer à agricultura para se alimentarem, pois estas regiões são constantemente afetas por grandes períodos de secas e inundações.

Leonor Teles: «A ideia mais errada é acharem que os ciganos são todos ladrões»

Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Reinaldo Rodrigues, in NotíciasMagazine

A propósito do Dia Mundial da Tolerância, Leonor Teles, a jovem realizadora que ganhou um Urso de Ouro no Festival de Berlim, fala da sua herança cigana e de como é viver com esse preconceito.

Queria ter ido para a Força Aérea mas, no último ano do secundário, mudou de ideias e o cinema ganhou uma realizadora e já conta com reconhecimento e prémios internacionais.

O primeiro trabalho surgiu em 2013, quando lançou a curta Rhoma Acans sobre as jovens que crescem dentro da comunidade cigana. A personagem principal, Joaquina, tinha 15 anos, um casamento falhado e queria sair da comunidade cigana para ser modelo. O trabalho ganhou o prémio Take One!, do Festival Internacional Curtas Vila do Conde, em 2013, e uma menção honrosa no Indie Lisboa.

O tema é-lhe familiar. O pai deixou a comunidade cigana de Vila Franca de Xira para casar com a mãe. Leonor estudou, formou-se em Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e concluiu um mestrado em Audiovisual e Multimédia. Apesar disso, tem ligação com a avó. «As pessoas pensam que são todos “ladrões”. E friso o “todos”, porque o erro está na generalização. Não é só na comunidade cigana que há ladrões. Há em todas», justifica.

Nem toda a gente sabe que Leonor tem um pai cigano, mas a jovem diz já ter sofrido preconceito. «Já ouvi coisas como ‘ah, mas tu és diferente, ou ‘tu não contas’. As pessoas acabam por achar um facto curioso, como se fosse uma característica extra e não propriamente inerente. Para mim, essa descendência é enriquecedora.»

Em 2016, continuou a usar o cinema como arma para combater o preconceito. Lançou a curta-metragem Balada de um Batráquio e conquistou Urso de Ouro, no Festival de Berlim. No documentário, Leonor é interveniente direta na ação e entra nos estabelecimentos comerciais de Lisboa e parte os sapos de louça que estão nas montras.

O que muita gente desconhecia é que este animal é utilizado para afastar ciganos, uma vez que a comunidade acredita que estes estão associados a rituais de bruxaria e que trazem azar para os negócios e família. A realizadora percebeu que pouca gente sabia deste costume e colocou-o em filme. E tinha razão.
«Essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»

«A primeira reacção (a nível internacional) foi perguntar se isto acontecia mesmo em Portugal e as pessoas não sabiam da existência deste fenómeno. Em Portugal, algumas pessoas desconheciam os sapos e o seu significado e mostraram-se bastante surpreendidas quando a partir do filme começaram a reparar que existiam sapos em todo a parte. E essa foi a melhor “vitória” do filme: quem não sabia dos sapos começou a vê-los em todo o lado!»

Mulheres são especialmente discriminadas e vítimas de fome e abusos sexuais

in Público on-line

Painel de direitos humanos das Nações Unidas mostra preocupação pelas mulheres norte-coreanas. Em causa estão maus-tratos nos estabelecimentos prisionais, violência doméstica, violência sexual no trabalho e penas leves para os agressores.

As mulheres da Coreia do Norte são privadas de educação e oportunidades laborais e, muitas vezes, são objecto de violência em casa e violência sexual no local de trabalho, avisou esta segunda-feira o painel dos direitos humanos das Nações Unidas (ONU).

Após uma avaliação dos registos de Pyongyang, o Comité da ONU para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres mostrou preocupação pelos maus-tratos e violações das mulheres detidas, especialmente as que são repatriadas após fugirem para o estrangeiro.

As mulheres norte-coreanas estão “sub-representadas e desfavorecidas” na educação superior, no poder judicial, na polícia e restantes forças de segurança, bem como em posições de liderança e de gestão “em todas as áreas não tradicionais”, disse o painel de especialistas.

A violência doméstica predomina e existe uma “consciência muito limitada” sobre o problema e uma falta de serviços legais, de apoio psicológico e social e de abrigos disponíveis para as vítimas, foi referido.

A Coreia do Norte disse ao painel no dia 8 de Novembro que se encontrava a trabalhar para preservar os direitos das mulheres e a igualdade de géneros mas que as sanções impostas pelas grandes potências, devido ao seu programa nuclear, estariam a ter um forte impacto nas mães e crianças vulneráveis.
O painel disse que de facto as sanções económicas tinham um impacto desproporcional nas mulheres. As mulheres norte-coreanas sofrem de “elevados níveis de desnutrição”, com 28% de grávidas e lactantes a serem afectadas.

O relatório da ONU descobriu também que as sanções por crime de violação sexual na Coreia do Norte não são equiparadas ao grau de crime, e por isso, muitas vezes são impunes. As alterações legais de 2012 reduziram as penas para algumas formas de violação, incluindo as cometidas contra crianças, cometidas por um supervisor laboral ou violação em grupo.

A alteração da lei levou à “redução da pena por forçar uma mulher numa posição subordinada a ter relações sexuais, de quatro para três anos”, lê-se no relatório.

Mulheres traficadas no estrangeiro e que regressam à Coreia do Norte “são alegadamente enviadas para campos de trabalho ou prisões, acusadas de passar ilegalmente a fronteira, e poderão ser expostas a futuras violações dos seus direitos humanos, incluindo violência sexual por parte de oficiais de segurança e forçadas a abortar”, aponta ainda o relatório.

As mulheres norte-coreanas que vivem na China podem passar a sua nacionalidade para os filhos, mas muitas não o fazem “por medo de serem repatriadas à força”.

Número de beneficiários de prestações de desemprego caiu 14,2% em outubro

in RTPNotícias

O número de beneficiários de prestações de desemprego em outubro foi o mais baixo desde dezembro de 2001, abrangendo um total de 180.164 beneficiários, revelam as estatísticas mensais da segurança Social divulgadas hoje.

Os dados mostram que, em outubro, o número de beneficiários caiu 14,2% comparando com o mesmo mês do ano passado e 4,7% face ao mês anterior.

Segundo as estatísticas, o número registado em outubro é o mais baixo desde dezembro de 2001, mês em que atingiu 177.100 beneficiários.

O número de beneficiários do subsídio de desemprego foi de 146.226, uma redução homóloga de 11,8% e de 5,3% face a setembro.

No subsídio social de desemprego inicial verificou-se uma redução de 18,4% comparando com outubro de 2016 e uma queda de 1,9% no número de beneficiários, relativamente a setembro, num total de 6.750 subsídios atribuídos.

Já o número de desempregados com subsídio social de desemprego subsequente foi de 25.489, menos 26,3% face ao mês homólogo e menos 1,2% comparando com setembro.

A medida extraordinária de apoio aos desempregados de longa duração abrangeu, em outubro, 2.599 indivíduos.

Numa análise comparativa com o período homólogo, por sexo, verificaram-se decréscimos no número de beneficiários do sexo feminino e masculino com prestações de desemprego: menos 9,3% e menos 19,3%, respetivamente.

Por idades, houve uma diminuição das prestações processadas em praticamente todos os grupos etários considerados, mais expressiva entre 45 e 54 anos e com 24 ou menos anos.

O valor médio do subsídio por beneficiário fixou-se em 462,05 euros em outubro, refletindo um decréscimo de 1% face ao mês homólogo e uma redução de 0,6% face ao mês anterior.

Os dados da Segurança Social mostram ainda que em outubro foram pagos 126.018 subsídios por doença, uma subida de 14% comparando com o mês homólogo e de 12,3% face ao mês anterior.

Braga: «'Pobre', 'sem-abrigo' ou 'faminto' não são nomes» - D. Jorge Ortiga

in Agência Ecclesia

Mensagem do Arcebispo de Braga para o I Dia Mundial dos Pobres quer "devolver a esperança cristã"

Braga, 18 nov 2017 (Ecclesia) - O Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, quer “devolver a esperança cristã”, chamando os pobres pelo nome, como escreveu na sua mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres, a assinalar este domingo. 

““Pobre”, “sem-abrigo” ou “faminto” não são nomes. Gostaria que nos aproximássemos deles, que os olhássemos nos olhos e os chamássemos pelo nome. Este é o primeiro passo para devolver a esperança cristã”, escreveu o prelado.

Na sua mensagem intitulada “Da esperança ao encontro interventivo” o arcebispo de Braga pediu aos cristãos e às comunidades arquidiocesanas que “nunca se esqueçam dos nomes das pessoas a precisarem de ajuda”.

Citou a frase do Padre Américo “Se cada paróquia cuidasse dos seus pobres, não teríamos pobres” e apontou a urgência de “provocar encontros com os pobres”.
“Falam da pobreza como um problema académico e não se apercebem que por detrás da realidade estão rostos concretos, pessoas com nome e com dignidade”.
“A pessoa é o centro da nossa atenção, cuidado e ternura”.

Para o prelado “o indivíduo e a comunidade são co-responsáveis na expectativa vigilante, na pronta acção e no acompanhamento discreto”.
O I Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco, é para D. Jorge Ortiga uma possibilidade de compromisso.

“São muitos os rostos marcados pela pobreza. Teremos de ouvir os seus gritos e comprometermo-nos a tirá-los da situação em que se encontram”.
“Reconhecer as diversas formas de pobreza e experimentar momentos de encontro, de solidariedade e de ajuda concreta é o compromisso a retirar desta celebração”, pode ler-se.

Aveiro: «Jovens vivem nova forma de pobreza» - D. António Moiteiro

in Agência Ecclesia

Mensagem do bispo diocesano para a Semana dos Seminário pede aposta no discernimento vocacional

O bispo de Aveiro, D. António Moiteiro, afirma na mensagem para a Semana dos Seminários, que termina este domingo, que a “realidade dos jovens constitui uma nova forma de pobreza”. 

“Os jovens de hoje vivem num mundo marcado por uma cultura técnica e de informação, que responde muitas vezes ao “como se faz” e cada vez menos ao “para quê”.

D. António Moiteiro escreveu que esta circunstância leva a “uma certa sensação de vazio ou de incerteza, realidade que se constitui como uma nova forma de pobreza” e que a Igreja não se pode “furtar a responder à sua emergência”.

Uma chamada de atenção presente na sua mensagem para esta semana dos Seminários, com o título “Fazei o que Ele vos disser” e onde reafirma que a diocese de Aveiro está empenhada para que os “jovens oiçam a voz de Deus e respondam com generosidade, através de um seguimento cada vez maior”.

Na sua mensagem o bispo de Aveiro destacou a importância das comunidades acompanharem “aqueles que mostram interesse em querer conhecer o Seminário” .
Pretende ainda “criar um grupo para acompanhar aqueles com mais de 18 anos e que se vão interrogando pelo seu sentido de vida e não excluem a hipótese do ministério ordenado”, pode ler-se.

No âmbito da semana dos Seminários a diocese tem duas celebrações, este sábado, pelas 21h30, na igreja paroquial de São Bernardo, e no domingo, dia 19 de novembro, a Eucaristia na igreja do Seminário de Aveiro, pelas 16h00.
 

D. Jorge Ortiga quer clero preocupado com os pobres

Jorge Oliveira, in Diário do Minho

D. Jorge Ortiga presidiu à Abertura dos Seminários, que coincidiu no dia em que a Igreja celebrou o I Dia Mundial dos Pobres.

O Arcebispo de Braga pediu aos seminaristas e aos clérigos que se façam «pobres com os pobres e ricos com a misericórdia de Deus».

D. Jorge Ortiga deixou este apelo na sessão de Abertura dos Seminários, que teve lugar no Seminário Conciliar e coincidiu no dia em que a Igreja celebrou o I Dia Mundial dos Pobres.

«Olho, de modo, particular, para o drama da pobreza. Como é possível  que numa sociedade evoluída e próspera persista o drama da pobreza e não se unam vontades para acabar com este escândalo? Isto é verdade em países subdesenvolvido mas também entre nós. As franjas da carência do essencial são variadas e transformam o rosto das nossas cidades e aldeias. A pobreza mora ao lado nosso e não nos damos conta», observou o prelado.

Papa almoça com 1500 pobres e rejeita "indiferença" face à pobreza

in Público on-line

Iniciativa fez parte do programa do primeiro Dia Mundial dos Pobres, instituído por Francisco.

O Papa Francisco almoçou neste domingo com 1500 pobres no Salão Paulo VI do Vaticano, depois de celebrar uma missa na Basílica de São Pedro durante a qual rejeitou a "indiferença" para com os que se encontram em situação da pobreza.

A iniciativa converteu pela primeira vez o enorme auditório papal projectado pelo arquitecto italiano Pier Luigi Nervi numa sala de jantar, com mesas circulares organizadas em torno de outra central, onde o pontífice estava sentado.

A missa no Vaticano e o almoço fizeram parte do programa da celebração do primeiro Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa como alerta aos cristãos para ajudar as pessoas em situação desfavorecida.

Na homilia, Francisco disse que a "indiferença" é o "maior pecado contra os pobres" e que, para os cristãos, é um "dever evangélico" cuidar deles.

"Nós temos talentos, somos talentosos aos olhos de Deus. Por consequência, ninguém pode pensar que é inútil, ninguém pode dizer que é tão pobre ao ponto de não poder dar alguma coisa aos outros", declarou durante a missa na basílica de São Pedro, à qual assistiam cerca de 7000 necessitados.
"Temos frequentemente a ideia de não ter feito nada de mal e por isso contentamo-nos, presumindo sermos bons e justos. Mas não fazer nada de mal não chega. Porque Deus não é um controlador à procura de notas, é um pai à procura de filhos a quem confiar os seus bens e os seus projectos", sublinhou.
Para o chefe da Igreja de Roma, esta "omissão também é um grande pecado contra os pobres, assume um nome preciso: indiferença". É dizer: "Isso não me diz respeito, isso não é assunto meu, é culpa da sociedade".

Muitos dos pobres que assistiam são acompanhados por organizações de ajuda aos necessitados, que vieram principalmente de países europeus, embora também existissem refugiados de outras partes do mundo.

A banda da guarda do Vaticano e o coro Le dolci note animaram a o almoço, servido por cerca de 150 voluntários de diferentes dioceses e paróquias.
O menu foi preparado por um conhecido restaurante na cidade de Bassano del Grappa, na região do Veneto (Nordeste da Itália) e foi composto de gnochetti da Sardenha com tomate, azeitonas e queijo Collina Veneta, guisado com legumes, polenta e brócolos e tiramisu para a sobremesa.

Cerca de 2500 pessoas que participaram na missa foram convidadas a almoçar em cantinas de seminários e instituições católicas em Roma, como a Comunidade de Sant'Egidio, Cáritas, o Circolo di San Pietro ou o Pontifício Colégio Americano.

Durante esta semana, foram oferecidas consultas médicas com especialistas em cardiologia, dermatologia, doenças infecciosas, ginecologia e andrologia, gratuitamente, com o apoio de diferentes instituições médicas em Roma e no Vaticano, informou o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.
A assistência aos pobres, além do almoço oferecido no Vaticano, segue as iniciativas lançadas nos últimos anos durante o pontificado de Francisco, com o objectivo de ajudar as pessoas desfavorecidas nas imediações da Cidade do Vaticano.

A pobreza “não pode justificar” a retirada de uma criança à família

Andreia Sanches, in Público on-line

Marta Santos Pais, representante especial das Nações Unidas em matéria de Violência contra Crianças, diz que é preciso ouvir mais os jovens que vivem experiências de acolhimento: “A maior lacuna, dizem eles, é a falta de afecto e de amor.”

Em alguns países “há a tentação de decidir retirar a criança para um ambiente alternativo porque a família é pobre e não tem recursos económicos”, diz Marta Santos Pais que é desde 2009 representante especial das Nações Unidas em matéria de Violência contra Crianças. A ex-directora do Centro de Investigação Innocenti da Unicef defende que a prioridade dos Estados deve ser apoiar as famílias mais vulneráveis. E é esse o conselho que deixa também a Portugal.

Mas quando é mesmo preciso afastar as crianças, a aposta deve ser a integração em famílias de acolhimento, devidamente acompanhadas, e não em instituições. O modelo português, que se baseia sobretudo em ter as crianças em lares e centros de acolhimento, “não é o ideal”, nota Marta Santos Pais que esteve nesta quinta-feira em Lisboa para participar na conferência internacional sobre Acolhimento de Jovens em Instituição, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde explicou que o risco de uma criança ser alvo de violência numa instituição de acolhimento é seis vezes mais elevado do que para as crianças colocadas no seio de uma família de acolhimento.

Segundo os números que apresentou, todos os anos, só no continente europeu, cerca de 18 milhões de crianças são vítimas de abuso sexual, 44 milhões sofrem maus tratos físicos e 55 milhões sofrem violência psicológica...

Temos pouca informação sobre a incidência da violência na criança, na Europa e no mundo em geral. Os estudos das Nações Unidas e de académicos dão apenas uma indicação limitada da realidade. Por exemplo, em relação a esses dados para a Europa, a Organização Mundial da Saúde considera que provavelmente correspondem apenas a cerca de 10% das situações.

Mas disse também que o risco de uma criança ser alvo de violência numa instituição de acolhimento é seis vezes mais elevado do que para as crianças colocadas no seio de uma família de acolhimento. Em Portugal há mais de 8000 crianças institucionalizadas, que foram retiradas às famílias biológicas por se considerar que estavam em perigo. A maioria dessas crianças estão em lares e centros de acolhimento. As chamadas famílias de acolhimento constituem uma resposta muito residual. Já em países como a Irlanda ou o Reino Unido é o contrário: as crianças vão essencialmente para famílias de acolhimento e não para instituições. É este o modelo que deve ser seguido?

O modelo a seguir é garantir que o Estado investe na protecção da família biológica. Essa deve ser uma prioridade nacional, para impedir que seja necessário considerar qualquer medida que implique a colocação da criança fora do seu ambiente familiar natural.

Há inúmeras razões que levam a que seja preciso retirar as crianças, situações de alcoolismo, de violência doméstica, por exemplo. Mas em alguns países há a tentação de decidir retirar a criança para um ambiente alternativo porque a família é pobre e não tem recursos económicos para satisfazer necessidades básicas da criança, como a sua alimentação e saúde. O que queremos promover é esta reflexão: isso não é necessário se o Estado apoiar as famílias com maiores necessidades, que se encontram em situações de maior vulnerabilidade. Porque os laços afectivos e o ambiente de apoio e afecto que pode ser garantido por uma família biológica é naturalmente muito mais forte do que numa família alternativa.

Pobreza e miséria não justificam o afastamento das crianças do seu ambiente familiar?
Não pode justificar. Agora, voltando à sua pergunta inicial: quando tem mesmo de se afastar a criança da sua família biológica, a solução deve ser encontrar um ambiente familiar alternativo. Uma família que acolhe, com o apoio do Estado e com a avaliação dos serviços do Estado. Esse ambiente é sempre mais rico do que o de uma da instituição. Uma instituição deve ser a última solução.

O modelo português é, sobretudo, o de colocar em instituições. Devemos encontrar outro?
Esse não é o modelo ideal. A colocação das crianças numa instituição dilui a relação personalizada, que é fundamental para garantir o estímulo, o desenvolvimento mental da criança. Colocar numa instituição uma criança até aos 3 anos vai comprometer o seu desenvolvimento, a sua capacidade relacional, que nasce com o contacto outras pessoas, com o ter uma relação de confiança com adultos. Isto tem um custo económico e social elevado para os países. Não é bom para a criança. E não é bom para a família biológica que se vê privada da criança que, normalmente, é querida.

E como devem ser as famílias de acolhimento?
Devem ser apoiadas pelo Estado, financeiramente, com orientação, com avaliação, para que as crianças não corram riscos de maus tratos, de negligência, de discriminação. Para que não andem de família de acolhimento em família de acolhimento, porque há esse risco. Estive recentemente na Noruega numa reflexão com jovens que passaram por situações de acolhimento que insistiram muito que não sentiam qualquer relação de afecto, e de amor, e de ser querido. E que disseram que ninguém lhes tinha explicado por que é que tinham sido obrigados a sair de um contexto, para outro — estou a falar de jovens que tinham mudado de família de acolhimento, quatro, cinco vezes, até mais. Isto é extraordinariamente traumatizante. Passa a mensagem: “És um problema, és difícil, ninguém consegue dar-te a mão.” Sentem-se colocados como uma peça de mobiliário.

No ano passado 368 crianças e jovens que estavam no sistema de acolhimento português viram ser-lhes decretada pelos tribunais uma medida que lhes permite entrar no sistema de adopção, para poderem ser adoptados. Muitos estavam havia mais de quatro anos em instituições. Estes tempos de espera são também uma forma de violência?
Para os adultos, dois anos, cinco anos, pode parecer algo difícil mas é superável. Para uma criança de 3 anos, 5 anos, 10 anos, um dia, uma semana, um mês são uma eternidade. E quando essa dimensão é acompanhada por um profundo sentimento de incerteza, é ainda mais traumático. Do ponto de vista da criança, sim, é uma forma de violência.

Mas, por outro lado, não podemos deixar de lembrar que é muito importante avaliar até que ponto é que a solução que se preconiza é a melhor para a criança. Há garantias que têm de ser salvaguardadas. Temos de encontrar um equilíbrio entre o tempo mínimo e o tempo que garante os direitos das crianças. E em todos estes processos temos de escutar o querer da criança. Tem de ser bem escutado, com a ajuda de um psicólogo que saiba entender a criança A criança pode exprimir-se através de um desenho, até. Pode exprimir-se através de um silêncio. É muito importante criar o espaço necessário para que a criança possa pensar connosco a melhor solução.
Portanto quando digo que há crianças há 4, 5, 6 anos em instituições em Portugal...
É excessivo, temos de tentar reduzir esses tempos.

Em que países na Europa há mais problemas em instituições de acolhimento?
Todos nos lembramos nos anos 90, quando a Cortina de Ferro desanuviou, das imagens de centenas de crianças do Leste depositas em circunstâncias dramáticas em instituições, com profissionais sem qualquer capacidade. Creio que neste momento não temos isso, dado o debate que se gerou e a promoção de novos princípios e instrumentos jurídicos. Há hoje uma pressão muito grande para que tenhamos um olhar diferente para as condições das instituições e para a forma como as pessoas que aí trabalham o fazem. Mas, surpreendentemente, temos desafios em todos os países. Nos países nórdicos tem sido desenvolvida uma experiência muito promissora que é a de reconhecer que as crianças que passaram pelo sistema de acolhimento têm de ser parte do processo que enforma a formulação das leis, das políticas, os mecanismos de avaliação de qualidade e a formação profissional. Em vez de serem considerados utentes, estes jovens são considerados profissionais, como o são os trabalhadores sociais ou os psicólogos. A Finlândia e a Noruega são dois países onde isto se passa assim.

E são ouvidos com que idades?
Reconhece-se que mesmo a criança muito jovem tem uma avaliação a fazer. E há coisas fantásticas que eles sublinham: a maior lacuna, dizem eles, é a falta de afecto e de amor, o facto de e os profissionais [que trabalham no sistema de acolhimento] terem uma cara de pau, uma cara de pedra, que está ali, até parece que quer ouvir, mas quando eles começam a tentar abrir o coração para contar a sua história são automaticamente catalogados: “Este é um tipo de problema, aquele pertence àquela categoria de família.” Estes jovens são hoje ouvidos pelos membros do Governo, pelos membros do Parlamento, pelos universitários que estudam estas matérias. E isto ajuda a que toda esta temática seja parte do debate público muito frequentemente.
No Sul da Europa ainda não se fala muito destas questões. Acho que todos nós temos de contribuir para ultrapassar esta cortina de silêncio. Não para estigmatizar as crianças, mas para perceber o que levou estas crianças a estarem naquela situação, para perceber o que podemos fazer para prevenir. E também para ultrapassar a falta de diálogo que existe entre profissionais, o psicólogo, o procurador da República, o assistente social...

Como assim?
Temos assistido a situações dramáticas em que determinado serviço de apoio social, por exemplo, identifica uma família como sendo de risco, porque existe um alto nível de violência doméstica, e de dependência do álcool, porque as crianças são testemunhas e vítimas. Há um profissional que faz um relatório, que acaba por ficar mais ou menos na gaveta de alguém e todos os demais serviços não olham para a criança em conjunto...

Também se passa em Portugal?
Acho que se passa em Portugal, apesar da boa vontade dos profissionais. Trabalhamos nas nossas torres de marfim, nas nossas disciplinas, quando uma maior articulação permitiria ser mais eficaz e intervir mais cedo e em diálogo com a criança.
O Parlamento irlandês aprovou esta quinta-feira uma lei que proíbe todos os castigos físicos. Em Portugal também não são permitidos. Mas quando os casos chegam aos tribunais há por vezes decisões díspares. No ano passado, o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que castigaram filho com um cinto.

Mudar a lei é só um primeiro passo? E depois?
A Irlanda soma-se agora aos 48 países que já têm legislação desta natureza. É muito importante. Mas claro que a legislação não é mágica. Existe ainda muito arraigada a percepção de que a criança pertence à família, e que cabe a cada família escolher a melhor forma de garantir a disciplina e a educação. A utilização do castigo físico, do puxão de orelhas, da palmada, ou do cinto para bater, é tolerada em todas as sociedades. De acordo com um estudo muito recente da Unicef, a cada ano há mil milhões de crianças entre os 2 e os 14 anos que sofrem maus tratos no seio da família. A nossa preocupação é esta: como é que o Estado pode ajudar a formar a ideia de que podemos educar e disciplinar com medidas de disciplina positiva, de reflexão sobre o que a criança fez mal, de discussão com a criança, para que a criança reconheça o que fez, para seu próprio bem? Se não investirmos no apoio aos pais, numa parentalidade positiva e apoiante da criança, não vamos ultrapassar esta tradição.

Deixe-me sublinhar um ponto: há dois meses foi adoptada a nova Agenda do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Um dos objectivos é justamente a eliminação de todas as formas de violência contra as crianças até 2030. A violência contra as crianças custa cada ano quase 10% do produto global bruto da economia mundial. Estamos a falar de milhares de milhões de euros. Se investirmos na eliminação de todas as formas de violência contra as crianças, em 2030, provavelmente, não vamos ter guerras, porque encontrámos um novo paradigma para solucionar as divergências de opinião, os conflitos e as tensões.

A Europa enfrenta uma crise de refugiados. Como vê a situação das crianças?
Neste momento não há uma posição europeia de garantia dos direitos humanos, de registo das pessoas que chegam, de acompanhamento das crianças que chegam. A imagem da criança surge só quando aparece mais um corpo de alguma que morreu ao tentar chegar, mas nas imagens que passam todos os dias na televisão dos refugiados é como se as crianças se diluíssem, como se fizessem parte do cenário, como se não exigissem um acompanhamento e uma protecção especial. Há um contraste claro entre o tempo que os governos têm tomado para encontrar uma solução e a iniciativa e a profunda solidariedade manifestada pelas populações, incluindo a de Portugal, nesta crise. A crise dos refugiados e dos requerentes de asilo são um teste ao nosso verdadeiro compromisso com os direitos humanos.

Dados sobre acolhimento em Portugal, em 2014
Mais crianças: um total de 8470 crianças e jovens encontravam-se em situação de acolhimento, um aumento de 0,3% face a 2013. Destas, 63,6% estão em lares de infância e juventude, 24,3% em centros de acolhimento temporário e 4,5% em famílias de acolhimento. As restantes encontram-se noutro tipo de instituições, como comunidades terapêuticas.

Principais razões para o acolhimento: falta de supervisão e acompanhamento familiar (60% de situações em que e a criança é deixada só, entregue a si própria ou com irmãos igualmente crianças, por largos períodos de tempo); exposição a modelos parentais desviantes (35% de situações em que o adulto potencia na criança padrões de condutas desviantes ou anti-sociais bem como perturbações do desenvolvimento, embora não de uma forma manifestamente intencional); negligência dos cuidados de educação e saúde (32% e 30%) e ausência temporária de suporte familiar (11,2%); prática de comportamentos desviantes (9,36%) e exposição a mau trato físico (7,36%).

Regressos: 949 crianças e jovens que já tinham estado acolhidas e saído do sistema de acolhimento, acabaram por voltar, sendo que 629 voltaram em anos anteriores a 2014 e 320 em 2014. A maioria das reentradas no sistema ocorreram após a aplicação das medidas “apoio junto dos pais” e “apoio junto de outro familiar”.

Adopção: foi aplicada a 368 crianças (4,3%), a medida de promoção e protecção de confiança à instituição com vista a futura adopção.
Fugas: 76 processos de promoção e protecção foram arquivados por fuga prolongada.
Fonte: Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (2014).

20.11.17

Quanto pagaria para ter mais tempo de vida saudável?

David Marçal, in Público on-line

Medicamentos, suplementos, transfusões de sangue jovem ou dietas com poucas calorias: O sonho de parar o envelhecimento passou da ficção para a ciência e há muitos jogadores conhecidos e importantes em campo, como os fundadores da Amazon e da Google.

Há uma ínfima minoria de pessoas que vive para lá dos 100 anos. E há seres vivos com tempos de vida muito diferentes. O envelhecimento parece ser à luz da genética do século XXI um processo que se pode controlar e manipular. Há grupos de investigação científica que procuram compreendê-lo. E empresas que investem milhões para conseguir vender vida. E pessoas, especialmente as mais endinheiradas, que não podem ou não querem esperar pelas confirmações científicas e compram já tratamentos para viverem mais: medicamentos, suplementos, transfusões de sangue jovem ou dietas com poucas calorias. Quanto pagaria para ter mais tempo de vida saudável? Viver mais e parar o envelhecimento é um sonho antigo, que saltou da ficção para a ciência.
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A francesa Jeanne Calment foi a pessoa que mais tempo viveu. Nasceu 12 anos antes de ter início a construção da Torre Eiffel, em 1875. Casou-se com 21 anos e graças à fortuna do marido nunca precisou de trabalhar, nem fora nem dentro de casa. Praticava esgrima, ténis e natação. Andou de bicicleta até aos 100. Gostava de chocolate e de vinho do Porto. Fumou dos 21 aos 117 (não fumava mais do que dois cigarros por dia e pensa-se que não inalava). Gostava de pintar, tocar piano e ir à opera. E mais do ar fresco do que da vida social. Fazia longas caminhadas e era apressada.

O seu único neto morreu aos 36 anos num acidente de moto, quando Calment tinha 88. Era o seu último parente vivo. A partir daí viveu sozinha até aos 110, altura em que se mudou para um lar, ainda de boa saúde, na sequência de um incêndio em casa. Não quis pendurar no seu quarto fotografias da filha e do neto, porque queria olhar para a frente. Mas pediu para ser enterrada com uma fotografia de cada, o que se concretizou. Aos 113 contou aos jornalistas como tinha conhecido o pintor Vincent Van Gogh, fazia 100 anos. Aos 114 um estudante de doutoramento em Medicina fez a sua história clínica. Tinha sido vacinada uma vez em criança e a aspirina era o único medicamento que alguma vez tomara na vida, para as enxaquecas. Disse na televisão que nunca, nunca tinha estado doente. Como supercentenária, andava pelos corredores do lar mais depressa do que residentes 30 anos mais novos. A vitalidade, a lucidez e o humor com que respondia aos jornalistas a cada aniversário surpreendia. Partiu uma perna aos 115 anos, numa noite enquanto subia as escadas para ir fumar. Foi operada e sobreviveu. Nunca mostrou sinais de demência, tendo aprendido matemática numa idade avançada. No final da vida estava praticamente cega, ouvia mal e andava numa cadeira de rodas, mas não tinha nenhuma doença grave. Era crente e estava em paz com Deus. Assegurava que não lhe faltava nada porque tinha as suas bonitas memórias. Atribuía a sua longevidade ao humor e dizia que morria a rir.

Jeanne Calment morreu em 1997 de causas inespecíficas, 122 anos, cinco meses e 14 dias depois de ter nascido. Teve muito mais tempo de vida saudável do que a esmagadora maioria dos seres humanos, os seus anos extra não foram vividos como uma moribunda. Podemos perguntar porquê. Jeanne não teve um estilo de vida radicalmente diferente do que muitas outras pessoas que vivem bastante menos. A resposta para uma longevidade deste tipo tem de ser encontrada nos genes: 62 antepassados directos de Jeanne Calment viveram significativamente mais do que a generalidade das pessoas da sua época. Uma boa parte deles, especialmente do lado do pai, passou os 80. Os mecanismos da hereditariedade ao nível do ADN só foram cabalmente esclarecidos já ia o século XX bem avançado. Mas Calment ganhou uma espécie de lotaria genética em pleno século XIX, no momento em que foi concebida. O seu irmão, François, viveu até aos 97.
PÚBLICO - Jeanne Calment morreu com 122 anos e teve muito mais tempo de vida saudável do que a esmagadora maioria dos seres humanos
Jeanne Calment morreu com 122 anos e teve muito mais tempo de vida saudável do que a esmagadora maioria dos seres humanos Pascal Parrot/Sygma/Getty Images
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Aprender com as supercentenárias

“Jeanne Calment e os seus sucessores. Notas biográficas dos seres humanos que mais tempo viveram” é o título de um estudo publicado em 2010, feito por uma equipa de investigadores que estudou as vidas de 20 pessoas que chegaram aos 115 anos. Recolheram dados biográficos, fizeram entrevistas e descobriram que os supercentenários tinham vidas muito diferentes. Três dos 20 pertenciam a famílias abastadas, mas os restantes trabalharam boa parte das suas vidas. Um nasceu prematuro. Metade não teve filhos ou teve apenas um. Uma das mulheres teve 15 filhos e outra 12. Em comum tinham muito pouco: para além de serem quase todos mulheres (apenas dois homens neste grupo de 20), a maioria nunca tinha fumado (ou fumado muito pouco) e nenhum tinha sido obeso. Nenhum seguiu o que seria considerado hoje em dia uma dieta saudável. Três das mulheres que mais viveram comiam bastante chocolate e outros doces. A medicina moderna ajudou a prolongar as suas vidas, tratando-os de infecções e fracturas, por exemplo. Mas nenhum teve problemas cardíacos significativos ou formas graves de cancro. Oito não tiveram qualquer tipo de demência até ao último ano de vida. Todos tinham sentido de humor e uma forte vontade de viver, mas não temiam a morte e pareciam reconciliados com a finitude da sua vida.

No mundo conhecem-se apenas cerca de 65 pessoas com mais de 110 anos. E as histórias de Jeanne Calment e dos seus sucessores não oferecem uma explicação óbvia para as suas vidas prolongadas. Mas os filhos de centenários têm oito a 17 vezes mais probabilidades de ultrapassarem os 100 anos. Se queremos chegar saudáveis aos 80 anos, precisamos de ter um estilo de vida saudável. Mas se quisermos ser centenários saudáveis, precisamos de ter os genes certos.

oito a 17 vezes mais probabilidades de ultrapassarem os 100 anos para os filhos de centenários

Por isso a empresa norte-americana Androcyte tem em curso um grande estudo clínico que visa sequenciar o ADN de supercentenários e compará-lo com o de pessoas que vivem menos. Infelizmente, nenhum de nós escolheu os pais mediante uma análise genética. Mas a esperança é que o conhecimento dessas diferenças permita desenvolver medicamentos que simulem em pessoas “normais” os efeitos desses genes que permitem a alguns viver mais tempo. Outra hipótese mais arrojada é a possibilidade de usarmos técnicas modernas de edição genética, de autêntico “corte e cola” de ADN, para substituir genes normais por versões desses genes vantajosos para o envelhecimento. João Pedro de Magalhães, investigador na área de envelhecimento da Universidade Liverpool, tem reservas quanto a esta segunda abordagem: “Uma coisa é curar uma pessoa de uma doença, outra coisa é fazer uma pessoa saudável viver mais tempo. Eu diria que não está no horizonte fazermos esse tipo de aplicações na área do envelhecimento, mas, certamente à medida que melhoramos essas técnicas, poderá eventualmente chegar-se ao ponto em que vale a pena melhorar os nossos genes, mesmo em pessoas saudáveis.”
PÚBLICO - Pensa-se que a baleia-da-gronelândia pode viver mais de 200 anos. É o mamífero mais longevo que se conhece
Pensa-se que a baleia-da-gronelândia pode viver mais de 200 anos. É o mamífero mais longevo que se conhece Florilegius/SSPL/Getty Images
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A baleia que foi caçada duas vezes

Em Maio de 2007, uma baleia-da-gronelândia foi caçada na costa do Alasca. A caça à baleia está proibida, mas algumas comunidades estão autorizadas a capturar um pequeno número para fins tradicionais. Mas não era a primeira vez que alguém tentava caçar aquela baleia. Os baleeiros encontraram, entre um osso do pescoço e o ombro do mamífero de 50 toneladas, a ponta de um arpão explosivo. Um fragmento de 30 centímetros de um modelo fabricado em New Bedford, no Estado norte-americano do Massachusetts, produzido apenas entre 1879 e 1885. A baleia terá sido arpoada enquanto jovem, ainda no final do século XIX. Mas viveu até ao século XXI, tendo chegado a uma idade entre os 115 e os 130 anos.

Na sequência da descoberta, os investigadores têm vindo a estimar a idade de outras baleias-da-gronelândia. Pensa-se que podem viver mais de 200 anos e são o mamífero mais longevo que se conhece. Outro que se aproxima são os elefantes, que podem viver 70 anos. E, claro, os humanos.

Mas as baleias-da-gronelândia permanecem livres de doenças até idades muito mais avançadas do que nós. Resta saber qual é o “truque” — e se também resulta connosco. Tendo em conta o seu enorme tamanho e longevidade, deveriam ter uma incidência de cancro apocalíptica. Mas não têm. As suas células devem ter uma probabilidade de desenvolver cancro significativamente menor do que as células humanas. Para compreender essas diferenças e identificar os seus mecanismos antienvelhecimento, investigadores sequenciaram o genoma da baleia-da-gronelândia. Os mecanismos que lhe conferem longevidade e resistência às doenças do envelhecimento ainda são praticamente desconhecidos. Mas já foram identificados alguns genes relacionados com mecanismos específicos de reparação e manutenção do ADN.

mais de 800 genes que se conhecem associados à longevidade em leveduras e vermes, mas apenas sete em seres humanos

Outro animal que vale a pena estudar é o rato-toupeira-nu, que pode viver mais de 30 anos, muito mais do que o rato doméstico, que vive em média apenas dois anos. Tal como a baleia-da-gronelândia, é praticamente livre de cancro. O estudo de espécies com longevidades distintas mostra como o envelhecimento é um processo regulado e com o qual podemos interferir. Talvez a ideia mais impressionante seja a descoberta da facilidade com que se consegue aumentar o tempo de vida de certos organismos, com a alteração de um único gene. Uma mutação num gene específico (daf-2) do verme C. elegans resulta na expansão da sua vida para o dobro (de 30 para 65 dias). Conhecem-se mais de 200 mutações de um único gene que conseguem aumentar o tempo de vida de espécies habitualmente usadas como modelos de investigação em laboratório, como vermes e moscas. E mais de 20 manipulações genéticas que conseguem atrasar a morte e os sintomas de envelhecimento em ratinhos de laboratório.

E se fosse possível fazer o mesmo connosco? Essa ideia é obviamente irresistível. Mas pode não ser assim tão fácil. Conhecemos mais de 800 genes associados à longevidade em leveduras e vermes, mas apenas sete em seres humanos. Já sabemos muito acerca de como prolongar a vida de modelos de investigação, mas ainda pouco em nós. Provavelmente, poucos genes que permitem manipular o envelhecimento em animais-modelo serão úteis em humanos. Mas esses poderão ter um efeito tremendo. De qualquer forma, este novo conceito do envelhecimento, como um processo plástico e moldável, abre espaço a muitas ideias de negócios para o travar.

O envelhecimento pode ser visto como a deterioração progressiva das funções fisiológicas acompanhada de aumento da vulnerabilidade e mortalidade com a idade. Os tratamentos antienvelhecimento visam atrasar o surgimento de múltiplas doenças relacionadas com a idade e não apenas uma em particular. Procuram tratar o envelhecimento em si. A ideia não é prolongar a vida num estado de decrepitude, proposta que teria muito poucos clientes, mas o número de anos de vida saudável. Um artigo de revisão recente, de que o investigador português João Pedro de Magalhães é co-autor, faz um apanhado das dezenas de empresas que procuram desenvolver estratégias deste tipo. E há muitos jogadores conhecidos e importantes em campo, como os fundadores da Google ou da Amazon.

A ideia não é prolongar a vida num estado de decrepitude, proposta que teria muito poucos clientes, mas o número de anos de vida saudável

As pontas dos atacadores

Uma parte importante desta história pode estar nos telómeros, que são as pontas dos nossos cromossomas. Fazem nos cromossomas as vezes das cabeças dos atacadores, que impedem os fios de se desfiarem. Os telómeros são sequências repetitivas de ADN ligado a proteínas, que têm como função proteger o nosso material genético durante a divisão das células. Temos também uma enzima, chamada “telomerase”, que serve para aumentar o tamanho dessas pontas protectoras dos cromossomas. Mas a telomerase vai perdendo a sua luta e, à medida que envelhecemos, os telómeros vão-se tornando mais curtos e os nossos cromossomas ficam mais desprotegidos. A descoberta de medicamentos para activar a telomerase, e dessa forma alongar os telómeros, é a aposta de empresas como a BioViva e a Telocyte (esta focada no tratamento da doença de Alzheimer).

Serão os telómeros o elixir da juventude? Para João Pedro de Magalhães, é mais complicado do que isso: “Os telómeros são importantes em algumas doenças do envelhecimento, são mecanismos de protecção contra o cancro. Em relação a outros factores do envelhecimento, não é ter telómeros longos que é importante. Há um tamanho ‘Goldilocks’ [referência à história infantil Caracóis de Ouro e os Três Ursos, em que uma menina faz escolhas que considera as mais convenientes, como a sopa nem muito quente nem muito fria]. Os telómeros não podem ser nem muito grandes nem muito pequenos, têm de ter um tamanho médio. Por isso, eu diria que há manipulações de telómeros que podem ser importantes para determinadas doenças, mas não acho que alongar os telómeros por si só seja sequer benéfico para a saúde. Existem empresas neste momento que vendem compostos, suplementos que permitem aumentar o tamanho dos telómeros, mas não acho que seja necessariamente a melhor estratégia.”

A Unity Biotechnology, que conta entre os seus investidores com o fundador da Amazon, Jeff Bezos, procura medicamentos que permitam preservar as funções fisiológicas das células ao longo da vida

Outras empresas procuram medicamentos que permitam preservar as funções fisiológicas das células ao longo da vida, não focadas especificamente nos telómeros, mas também noutros factores relacionados com o envelhecimento das células. É o caso da Unity Biotechnology, que conta entre os seus investidores com o fundador da Amazon, Jeff Bezos.

Compreender o processo de envelhecimento poderá implicar a análise de grandes quantidades de dados. Por isso, outras empresas apostam na recolha e análise maciça de dados (Big Data). É o caso da Human Longevity, fundada pelo investigador e empresário Craig Venter, que nos anos de 1990 liderou a empresa que, em competição com um consórcio público, primeiro sequenciou o genoma (todo a sequência de ADN) humano. A empresa combina as sequências de ADN de muitas pessoas, com dados acerca das suas características e saúde. Por pouco mais de 23 mil euros faz um conjunto de exames médicos e sequencia o ADN dos seus clientes, de modo a fornecer-lhes informação acerca dos seus riscos de saúde, para que possam tomar decisões médicas e de estilo de vida mais bem informadas. Também a Calico (California Life Company), uma empresa ligada à Google, procura analisar grandes quantidades de dados para compreender os processos biológicos da longevidade, embora de momento não ofereça qualquer produto.
Comer menos, viver mais

A restrição calórica, ou seja, a redução da ingestão de calorias sem desnutrição, retarda o envelhecimento em vários animais, de vermes a mamíferos. Mas uma dieta de restrição calórica é demasiado dura para a maioria das pessoas. No entanto, alguns estudos indicam que o jejum regular pode ter efeitos semelhantes a uma dieta constante de restrição calórica. Estas modalidades incluem o jejum intermitente (60% de redução calórica dois dias por semana; ou dia sim dia não), o jejum periódico (uma dieta de cinco dias a cada duas semanas, com não mais do que 1100 kcal) e alimentação com restrição de tempo (limitar o período diário de ingestão de alimentos a oito horas ou menos). Todas parecem demonstrar eficácia na perda de peso e melhorias em vários indicadores de saúde, tanto em pessoas com peso saudável como com excesso de peso. Baseado nestas premissas, a empresa L-Nutra criou refeições que imitam o jejum. Vende um plano alimentar de cinco dias por mês que visa “enganar o corpo”, simulando cinco dias de jejum. A dieta personalizada, que inclui quantidades rigorosas de couve, sopa de quinoa, chá e outras coisas, é entregue em caixas que custam cerca de 280 euros. A empresa assegura que os consumidores podem ter uma dieta normal durante os restantes 25 dias no mês.

280 euros custa a dieta personalizada proposta pela empresa L-Nutra, um plano alimentar de cinco dias por mês que visa “enganar o corpo”, simulando cinco dias de jejum

Para João Pedro de Magalhães, a restrição calórica “provavelmente funciona para algumas pessoas, que deviam fazer uma dieta. Mas para pessoas que já tenham uma dieta saudável, que não sejam obesas, vai ter um efeito muito pequeno. Eu não recomendaria restrição calórica como uma forma de aumentar a longevidade. Dito isto, sabemos que o estilo de vida tem um impacto no envelhecimento, sabemos que as pessoas obesas, que fumem ou consumam excesso de álcool também têm uma longevidade mais baixa”.
Sangue jovem
"Longevidade? Só com boa saúde"
"Longevidade? Só com boa saúde"

Há cerca de 150 anos que se fazem experiências de parabiose, ou seja, a ligação através de intervenções cirúrgicas do sistema de circulação sanguínea de dois animais. Mais recentemente têm sido feitas experiências com ratinhos, de transfusões de plasma jovem para ratinhos idosos, que mostram benefícios na memória dos ratinhos idosos. Mas num outro estudo, em que ratinhos fêmea idosos receberam transfusões de plasma jovem durante vários meses, não foi observado qualquer aumento significativo da longevidade. Num outro trabalho, em que foi feita a troca de sangue entre ratinhos novos e velhos, parece seguro o prejuízo para os ratinhos jovens, mas em vários testes não há benefícios para os ratinhos idosos.

Para Sílvia Curado, investigadora portuguesa na área de genética na Universidade de Nova Iorque e autora do livro Engenharia Genética: O Futuro já Começou (Glaciar, 2017), “de acordo com alguns estudos, teremos mais razões para acreditar que mais facilmente o sangue de um dador velho envelhece um organismo novo do que sangue novo rejuvenesce um organismo velho”. E acrescenta que esses estudos “têm sugerido a presença de factores (proteínas) que podem desempenhar um papel na reparação de tecidos ou melhoramento da memória. Um deles sugere, por exemplo, que uma proteína normalmente presente em ‘sangue jovem’ pode levar à reversão de hipertrofia cardíaca (resultante da idade) num ratinho mais velho”. Mas “embora promissores”, muitos dos resultados obtidos até hoje nesta área têm sido “contraditórios”. Para além disso, “a maioria destes estudos utiliza o ratinho como modelo animal, ou seja, desconhece-se ainda se tais efeitos poderão ser confirmados no ser humano”.

Em humanos, a empresa Ambrósia tem planeado um ensaio clínico para avaliar os efeitos de transfusões de sangue jovem para pessoas mais velhas relativamente saudáveis. A iniciativa tem gerado controvérsia: a empresa tenciona cobrar a cada participante cerca de 7500 euros, o que levanta questões éticas. Na opinião de Sílvia Curado, “tornam-se participantes de um ‘ensaio clínico’ atipicamente financiado por cada participante. Um ‘ensaio clínico’ visto por muitos como não mais do que um mero ‘scam’ [embuste], sem bases sólidas ou uma estrutura controlada. Instigados pela promessa de juventude, compram transfusões, sem garantias, arriscando-se a contrair doenças transmissíveis, desenvolver fortes reacções alérgicas ou infecções mortais”.

Teremos mais razões para acreditar que mais facilmente o sangue de um dador velho envelhece um organismo novo do que sangue novo rejuvenesce um organismo velho”
Sílvia Curado, investigadora na área da Genética

PÚBLICO -
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CRISTINA PEDRAZZINI/ Science Photo Library/ Getty images
E se resultar?

Vamos imaginar que estamos nalgum momento futuro, que pelo menos uma destas abordagens resultou e há um tratamento antienvelhecimento realmente eficaz e com um efeito dramático. Quem teria acesso a esse tratamento, apenas uma minoria ou franjas relativamente alargadas da população?

Para João Pedro de Magalhães, “depende da natureza do tratamento. O tipo de intervenção que está no horizonte é a nível de fármacos e esses não tendem a ser excessivamente caros. Só para dar um exemplo: neste momento, está a preparar-se um ensaio clínico antienvelhecimento em Nova Iorque para um medicamento chamado ‘metformina’, que já é usado para a diabetes tipo 2 e outras condições. Por isso, é um medicamento já bastante estabelecido e extremamente barato. É um exemplo de um medicamento que, se realmente tiver um impacto antienvelhecimento, qualquer pessoa poderia comprar. Por outro lado, se o tratamento antienvelhecimento for uma transfusão de sangue de dadores jovens ou uma terapia genética que do ponto de vista técnico seja bastante complicada, então estamos a falar de tratamentos bastante mais caros”.

Para Sílvia Curado, “a questão se um novo tratamento antienvelhecimento eficaz estaria disponível a uma franja mais alargada ou mais restrita da população é não só inerente a este tipo de tratamentos, mas também a qualquer nova tecnologia ou abordagem terapêutica não comparticipada. Mas temos vindo a verificar que o custo de grande parte das tecnologias emergentes, embora inicialmente elevado, se vai tornando progressivamente mais baixo, eventualmente tornando essa tecnologia acessível a uma fracção mais alargada da população. Entre os exemplos mais recentes e óbvios, encontra-se a sequenciação de ADN. No período de apenas 15 anos, o custo da sequenciação do genoma humano desceu de 100.000.000 dólares para menos de 1000. Podemos, hoje, ter acesso à sequenciação do nosso genoma tão facilmente como ter um telemóvel na mão”.

E num cenário de grande expansão da vida humana poderíamos continuar a ter filhos, tendo em conta a pressão sobre os recursos naturais que uma vida mais longa implicaria? Para Sílvia Curado, este cenário não é totalmente novo: “Em Portugal, a esperança média de vida aumentou mais de 13,5 anos nos últimos 45 anos”, ou seja, quase um quinto da nossa vida chega-nos como um bónus destas últimas décadas.

Há uns séculos (um período relativamente curto na escala da existência humana), a esperança de vida era aproximadamente 40% da actual. “A tendência continuará, em princípio, a ser essa, a de aumentar a nossa longevidade. Ainda assim, sim, continuámos e continuamos a ter filhos. No entanto, não podemos ignorar que paralelamente à expansão da vida humana tem-se vindo a verificar também um aumento da população mundial”, diz Sílvia Curado. Mas a solução também poderá vir da ciência: “Não esqueçamos, no entanto, que também a nossa capacidade criativa e conhecimento científico-tecnológico têm evoluído, proporcionando-nos novas soluções possíveis. Temos hoje ao nosso alcance ferramentas como a engenharia genética cada vez mais acessível, mais sofisticada e mais eficaz, que nos permite desenhar e melhorar produtos alimentares.”
Se tudo falhar: congelar a cabeça

Um aumento significativo da longevidade humana é hoje uma perspectiva plausível, mas num calendário incerto. E a imortalidade não parece estar ao nosso alcance nos tempos mais próximos. Por isso, algumas pessoas admitem pagar 180 mil euros para congelar o corpo, pouco após a morte. O sangue é substituído por um líquido anticongelante e o corpo é guardado a 196 graus negativos, na esperança de que a ciência do futuro seja capaz de o ressuscitar. Há uma versão low-cost: por 75 mil euros pode-se congelar só o cérebro. Estes são os serviços que oferece a fundação Alcor, sediada no Arizona. Desde 1972, já congelou os corpos de 152 pessoas (a maioria homens) e mais de mil outras pessoas contam ter os seus corpos (ou apenas cabeças) preservados da mesma forma. Diz Sílvia Curado que “se avanços científicos recentes prometem melhorar drasticamente o campo da medicina, a ideia de, num futuro mais ou menos longínquo, poder vir a reanimar pacientes terminais em casos de patologias para as quais não existe actualmente cura poderia fazer algum sentido”.

180 mil euros para congelar o corpo, pouco após a morte. Numa versão low-cost, por 75 mil euros pode-se congelar só o cérebro

Mas a investigadora levanta algumas questões: “Um estudo relativamente recente sugere que o verme C. elegans retém uma forma de memória após ter sido criopreservado. No entanto, para além de serem necessários mais estudos para testar a preservação de todos os mecanismos de memória, será também essencial testar a retenção de memória em organismos com sistemas nervosos mais complexos. Um outro estudo descreve ter sido possível criopreservar cérebros de coelhos e de porcos. Este estudo reporta que a preservação da estrutura destes cérebros mamíferos foi quase perfeita: quando ‘descongelado’, o cérebro aparentava ter mantido a maioria das estruturas e sinapses. No entanto, este mesmo estudo ainda não provou ser possível reanimar o cérebro.” E conclui: “Se de facto conseguirmos um dia preservar o cérebro humano, o que poderemos esperar aquando da sua reanimação? Algumas memórias? A reprodução de traços comportamentais? A recuperação de uma identidade? Para além de esta hipótese levantar questões como ‘de que é formada a identidade?’, não podemos deixar de imaginar como será acordar num mundo futuro, novo, desconhecido”.

Foi retirado da família e cresceu na Casa Pia. Hoje vive finalmente em segurança

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Fugia da residência de acolhimento. Cometeu delitos. As suspeitas de que terá sido aliciado para prostituição não se comprovaram. Xavier está agora internado num centro educativo

A vivenda assenta numa esquina e dá ares de não pertencer a ninguém. Tem grandes janelas tapadas com cobertores, estores fechados, colchões e sofás gastos atirados para um quintal nunca cuidado. Nesta rua residencial do concelho de Sintra, as suspeitas adensam-se, embora sem provas. Os relatos de diversas pessoas que por ali vivem ou trabalham são coincidentes.

O desconhecimento do que ali se passa “assusta”, diz uma moradora. Não é a única que teme pela sua segurança e pela das crianças. As que lá entram, e as que por lá passam e permanecem muito tempo, quando fogem da casa ao lado, que funciona como residência de acolhimento de crianças e jovens da Casa Pia, uma instituição do Estado.

Mais do que uma vez, a directora técnica que até há pouco tempo ocupou funções na residência da Casa Pia avisou a polícia de que havia movimentos suspeitos naquela vivenda ali tão perto. Oficialmente, não passou disso — suspeitas — e muito pouco ou nada mudou.

Ao anoitecer, entram e saem miúdos. Uma carrinha branca, conduzida por um adulto que deixa comida e outros mantimentos, pára frequentemente à porta. Por vezes traz jovens, que ali ficam. Ninguém ousa saber o que por lá se passa ao certo. Por vezes, ouvem-se gritos. Numa noite, foi chamado o INEM. Várias vezes contactada ao longo das duas últimas semanas, a PSP— de Mem Martins, do Comando Metropolitano de Lisboa e da Direcção Nacional — não esclareceu se a polícia agiu de alguma forma depois de participações e queixas relativas àquela casa das janelas tapadas; ou se a situação de pelo menos duas crianças (de 12 e 15 anos) do lar da Casa Pia várias vezes avistadas naquela vivenda não tinha criado suspeitas que justificassem uma intervenção. Um agente da PSP de Mem Martins apenas disse, pelo telefone, que nada sabia daquela casa.

Durante longos meses, Xavier (nome fictício) fugia da residência da Casa Pia para esta vivenda. A sua história de contornos desconhecidos era — de muitos — conhecida. Xavier tinha apenas 11 anos. Estava em perigo quando foi retirado à sua família. E continuava em perigo depois de acolhido pelo Estado.

“Suspeito continua livre”

“Fizemos o que tínhamos a fazer. Comunicámos a suspeita que tínhamos de que ele poderia estar a ser aliciado para prostituição. A suspeita não ficou provada e o suspeito continua livre”, disse Cristina Fangueiro, presidente do conselho directivo da Casa Pia numa entrevista publicada nesta sexta-feira no PÚBLICO.

Nada se comprovou, a não ser os delitos cometidos pelo rapaz — como furtos de telemóveis. O tribunal aplicou-lhe uma medida tutelar educativa de 18 meses num centro educativo em Lisboa, de onde agora não pode sair.

“Quando algum jovem ia para um centro educativo [estes centros destinam-se a menores que comentem crimes], eu ficava doente. Agora fico aliviada, pela sua segurança”, diz uma educadora. Uma colega acrescenta: “Há miúdos que precisam de outro tipo de contenção que não é possível a Casa Pia dar com as residências abertas à comunidade. Para mim, faz todo o sentido ter casas intramuros [lares dentro do espaço da Casa Pia] e isso não impede os miúdos de terem uma vida na comunidade, de terem as suas actividades, andarem de autocarro, falarem com pessoas. Assim, são mais acompanhados” do que em residências abertas, como esta em Sintra.

Esta técnica, que há vários anos trabalha no acolhimento da Casa Pia, defende ainda que estes lares abertos deviam “ter um segurança”, como chegou a acontecer no passado. E explica: “Da mesma forma que os miúdos precisam de saber quem vai estar quando dormem, quem vigia o sono, quem vai estar quando acordam ou quando chegam a casa, faz falta um segurança.”
Fugas de crianças à guarda do Estado dispararam em 2015
Fugas de crianças à guarda do Estado dispararam em 2015

A presidente da Casa Pia, Cristina Fangueiro, discorda: “O segurança é uma figura completamente absurda num contexto que se pretende ser pedagógico, psicoterapêutico, saudável.”

Mas há outros problemas. Conta outro profissional da Casa Pia: “[Os miúdos] levantam-nos a mão, ameaçam-nos, mas nós temos de perceber por que o fazem, e nem todos os profissionais estão preparados para isso.”

Ao mesmo tempo, alguns jovens “sentem que estão a ser negligenciados pelos educadores”. Não é que haja poucos recursos, diz, “mas não chegam para a dimensão e a gravidade dos problemas”. Para cada duas residências da Casa Pia “há um psicólogo e um assistente social”.

Nalguns casos, a família nem aparece. Não aparecem no fim-de-semana, nem na Páscoa, nem no Natal.

Sinais de revolta

As fugas serão sinais de revolta. Os jovens chegam a estar fora durante dias, semanas ou meses. E, nesses casos, a Casa Pia, como outras instituições de acolhimento, fazem a participação à polícia. Mas as situações repetem-se e arrastam-se.

Nesta residência da linha de Sintra, banhada pelo sol, estão toalhas estendidas sobre o peitoril de grandes janelas viradas para a rua. Aqui podia viver uma família de oito ou nove. Vivem oito crianças e jovens retirados às famílias por situações de perigo e entregues à Casa Pia. Recentemente chegaram dois adolescentes. No seu percurso — como no de tantos outros — juntou-se a delinquência com a necessidade de protecção.

Haveria mais jovens se no final de Agosto dois rapazes de 17 e 18 anos não tivessem tido ordem de saída — de regresso à família — depois de agredirem violentamente um companheiro de casa mais novo, de 15 anos, com pontapés na cabeça. Em sangue, o jovem foi levado para a urgência do hospital. Um outro, de 13 anos, assistiu a tudo.
Menos crianças mas mais adolescentes acolhidos em instituições
Menos crianças mas mais adolescentes acolhidos em instituições

Muitos jovens têm um percurso de sucesso na Casa Pia, onde cumprem a escolaridade, concluem cursos profissionais ou entram na universidade, ao mesmo tempo que desenvolvem actividades desportivas ou culturais, distinguindo-se a nível nacional. Também há os que depois da medida de acolhimento voltam para a família ou passam por um apartamento de autonomia onde ensaiam uma vida fora do perigo e da instituição.

Mas muitos andam sem rumo, evitam a disciplina, ignoram a escola. Experimentam comportamentos de risco, iniciam percursos de delinquência. Em dois anos, três jovens deste lar da linha de Sintra foram para centro educativo. Nos últimos cinco anos, entre 2013 e 2017, 25 jovens da Casa Pia acabaram num centro educativo. São cinco por ano. Cumprem medidas tutelares educativas por terem cometido delitos entre os 12 e os 16 anos.

O problema não é exclusivo da Casa Pia. De acordo com o Relatório CASA — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento, cerca de 20 jovens por ano cessam a medida de promoção e protecção por iniciarem uma medida tutelar educativa. Em média, dois por ano são sujeitos a pena de prisão (por terem cometido delitos já depois dos 16 anos).
“Miúdos ao abandono”

“A Casa Pia tem formado muitos meninos e muitos têm tido um percurso de sucesso. Mas não é só isso que acontece”, diz, indignada, a avó de Xavier. “Por vezes, a Casa Pia é o mesmo que os pôr na rua. O tribunal decide tirá-los às famílias, mas lá pouco ou nada fazem por eles. Falo pelo meu neto e por outros jovens que lá estão.”

Não confirma as suspeitas de prostituição e supostos abusos e diz que o neto nunca falará do que se passou, por medo. Uma moradora do bairro não esquece o que viu numa tarde em que passou à frente do portão: um grupo de rapazes obrigava um miúdo de 11 ou 12 anos a beber um líquido, que ela não sabe se era álcool. Ele não queria e eles forçavam-no.

“Desconfiamos de outras coisas. Os miúdos saem da residência, andam vários dias desaparecidos e ninguém se importa. No fundo, os miúdos estão ao abandono, ao deus-dará”, continua a avó de Xavier.

A residência é conhecida entre muitos educadores pelas fugas e pelos perigos a que os jovens estão expostos. “Neste e noutros lares, tínhamos no passado jovens com comportamentos desviantes, alguns com processos tutelares educativos, mas tínhamos as famílias com quem podíamos fazer algum trabalho”, diz uma educadora. “Agora as famílias são muito mais desestruturadas, os problemas que estes miúdos trazem são muito mais graves. Havia famílias que eram carenciadas, mas os jovens recebiam afecto. As memórias deles nas famílias eram muito mais saudáveis do que agora. Não tínhamos tantos recursos, mas não sentíamos tantas necessidades.”

Escola de Cuidadores ajuda a tratar de idosos e pessoas dependentes

in RR

Seminário sobre a teoria e a prática do cuidar decorreu esta sexta-feira. Escola de Cuidadores tem por base uma experiência de décadas.

A Paróquia de São Romão de Carnaxide promoveu esta sexta-feira um debate com o tema “Cuidar: da teoria à prática”, no contexto do primeiro Seminário da Escola de Cuidadores.

A iniciativa pretendeu “fazer uma reflexão sobre o envelhecimento", "pensarmos a importância dos aspectos e das emoções no cuidar, partilharmos também os desafios para quem cuida e para quem é cuidado e percebermos a importância de adquirir competências específicas no cuidar”, sublinha a coordenadora desta escola, Joana Figueiredo.

O seminário destinou-se não só aos cuidadores, formais e informais, mas a todas as pessoas interessadas.

A Escola de Cuidadores é um projecto de inovação social que surgiu do trabalho desenvolvido há cerca de 22 anos por esta instituição em diversas áreas, nomeadamente junto da população idosa. Apresenta-se como uma aposta que pretende oferecer formação adequada aos cuidadores de pessoas dependentes, com especial ênfase para o caso das demências.

Joana Figueiredo explica que esta escola está empenhada “numa pedagogia do cuidar através do despertar da consciência da comunidade para o envelhecimento. Pretendemos, em primeiro lugar, informar e tornar mais acessível esta informação. Pretendemos também capacitar os diferentes intervenientes na prestação dos cuidados às pessoas dependentes”.

Esta escola “não terá apenas um registo formativo mais convencional, de formação em contexto de sala. Mas terá aqui outros canais de disseminação de conteúdos”. É que, “apesar de ter esta designação de escola, a ideia principal é que pretende ser aqui um espaço de partilha e de reflexão”, onde serão feitos “programas formativos à medida de quem deles necessita. Mas terá também aqui uma vertente de produção de conteúdos disponíveis para os cuidadores, numa lógica de maior acessibilidade”.

A Escola de Cuidadores é, enfim, uma ajuda para enfrentar os inúmeros desafios de cuidar de uma pessoa dependente. Porque cuidar é dar-se ao outro, é dedicar, dar amor, é viver dias sem tréguas, nem descanso.

"Há uma clara desvantagem para as mulheres"

Pedro Sousa Tavares, in Diário de Notícias

A demógrafa e diretora da Pordata diz que as expectativas sociais e as questões culturais continuam a fazer diferença no que cada pessoa, homem ou mulher, poderá vir a ser. E afirma que a escola ainda valoriza pouco o ensino para a liderança, a ambição e a coragem

As mulheres representam já 60% dos ingressos no ensino superior mas, quando se olha para a realidade do mercado de trabalho, ainda são menos de um terço nos cursos de Ciência, Tecnologia e Engenharia e Matemática [CTEM], que tendem a retribuir melhor. O afastamento destas áreas ainda tem que ver com questões culturais, mesmo ao nível das famílias, que associam as tecnologias mais ao sexo masculino?

Não é, ainda, claro para nós a importância de cada um dos vários fatores - sociais, culturais, biológicos ou outros - para a equação que explica a diferente presença de homens e mulheres nas formações superiores das áreas mais tecnológicas. Com efeito, no ensino superior, e de acordo com os dados publicados na Pordata, a percentagem de mulheres inscritas na área geral das "engenharias, indústrias transformadoras e construção" é reduzida (27,5% em 2017), expressão que, no caso da área geral das "ciências, matemática e informática" é significativamente superior (a percentagem de mulheres matriculadas nessa área foi de 44,2% em 2017), embora se observe, nos anos mais recentes, uma descida de representatividade feminina nos matriculados dessa área. No entanto, sabemos que a escola não é imune ao meio, à sociedade onde existe.

Os valores culturais dominantes que as famílias reproduzem, e que começam, por exemplo, nos primeiros brinquedos mais associados a rapazes ou a raparigas, uns que desenvolvem capacidades associadas às tecnologias e riscos - como os carros - e outros em que se exige um desempenho mais "protetor" - como as bonecas -, acabam, de certo modo, por ser reensaiados na escola, por exemplo através das formas de aprendizagem mais valorizadas. A liderança, a ambição e a coragem aliadas ao pensamento crítico (atributos mais elogiados no masculino) são menos estimulados pela escola do que a memorização, a qual está muito associada à obediência e à reprodução, atributos que continuam a ser, na nossa cultura, mais elogiados no feminino. Este fator pode, aliás, ser mais um elemento a ter em conta para compreendermos que desde o início da escolaridade obrigatória as raparigas tenham melhores resultados, reprovem menos ou que abandonem menos os estudos do que os rapazes.

O que, apesar de tudo, tem permitido às mulheres melhorarem a sua posição no mercado de trabalho...

As mulheres, pela sua forte aposta na escolaridade, estão muito mais habilitadas e são muito mais independentes do que no passado. Era inimaginável há umas décadas termos certas profissões maioritariamente preenchidas por mulheres, como a medicina ou a advocacia, ou ainda que as mulheres estejam em maioria no total de doutoramentos. Contudo, apesar dessa evolução, na esfera mais "privada" as alterações não são tão significativas.

Nomeadamente no trabalho doméstico e junto dos filhos, em que se continua a esperar muito mais das mulheres do que dos homens?

Os resultados do Inquérito à Fecundidade de 2013 - uma parceria entre o INE e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, no qual colaborei - foram reveladores a este propósito. As mulheres, mesmo as mais jovens, continuam a ser as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidar dos filhos. E são elas que predominantemente ficam em casa quando os filhos são mais pequenos ou quando adoecem. Nesse inquérito foi, aliás, muito interessante notar que a maioria, tanto de homens como de mulheres, entendia que a opção ideal para o pai é trabalhar a tempo inteiro fora de casa e para as mães esse mesmo ideal corresponde à situação de trabalhar a tempo parcial fora de casa ou de, no caso dos inquiridos menos jovens, pura e simplesmente a mãe não trabalhar. Assim sendo, pergunto como é possível que mulheres e homens estejam, quando se fala de cargos de muito elevada responsabilidade e que exigem uma atenção permanente, em iguais circunstâncias? Mas mesmo que o consigam ou se encontrem em iguais ou mesmo melhores circunstâncias, as expectativas sociais e as questões culturais continuam a fazer diferença no que cada pessoa - homem ou mulher - poderá vir a ser. E por isso o reconhecimento social de uma mulher, avaliado pelos rendimentos que aufere ou pelas funções que exerce numa organização, revelam uma clara desvantagem persistente para as mulheres.

Que indicadores permitem confirmar essa desvantagem persistente?

Por exemplo, segundo os dados disponíveis na Pordata, para qualquer que seja o nível de qualificação dos trabalhadores por conta de outrem a remuneração base média mensal das mulheres é inferior à dos homens. Contudo, estas diferenças assumem valores particularmente mais elevados no caso dos "quadros superiores" e menos elevados no caso dos "praticantes e aprendizes". Ou seja, a desvantagem remuneratória das mulheres acentua-se no topo das qualificações, assimetrias que o tempo não tem resolvido de forma significativa. Em 2015, por cada cem euros que um homem ganhava, as mulheres auferiam 95 se fossem aprendizes, mas apenas 74 se fossem quadros superiores. Também, embora o número de trabalhadores mulheres seja quase idêntico ao número de homens, elas representam uma clara minoria dos empregadores: em 2016, 31%.

Economia social vai ter uma confederação

in RR

O compromisso surgiu durante o Congresso Nacional da Economia Nacional, encerrado pelo presidente da Assembleia da República. Ferro Rodrigues mostrou -se satisfeito por ver o sector unido.

Oito entidades assinaram, na terça-feira, o compromisso para a criação da Confederação da Economia Social Portuguesa até 31 de Março.

Um dos objectivos é vir a integrar a Comissão Permanente de Concertação Social, onde já têm assentos sindicatos e confederações patronais.

As organizações do chamado “terceiro sector” são responsáveis por cerca de 6% do emprego gerado no país – qualquer coisa como 250 mil postos de trabalho – e 2,8% da riqueza criada.

Durante o Congresso Nacional da Economia Nacional, o padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS) indicou quanto gera cada euro investido.

Por exemplo, “um euro investido nas IPSS gera, no mínimo, 2,46 euros de benefícios sociais”, afirmou.

O “terceiro sector” quer, por isso, participar na Concertação Social, mas primeiro é preciso que a Confederação da Economia Social seja criada e que seja aumentado o número de lugares da Comissão Permanente de Concertação Social, já que é garantido que nenhuma das confederações empresariais vai abdicar dos dois lugares que detêm.

As oito entidades que hoje assumiram o compromisso de criar a confederação – União das Misericórdias, das Mutualidades, das Instituições de Solidariedade Social, Confagri, CONFECOOP, Confederação das Colectividades de Cultura e Recreio, ANIMAR e Conselho Português das Fundações – mostraram-se assim, unidas, mas sem perderem a sua própria identidade.

Na opinião de Luís Alberto Silva, presidente das Mutualidades Portuguesas, o rejuvenescimento do sector é imperativo.

No final do encontro, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, mostrou-se satisfeito por ver o sector, finalmente, unido e com uma só voz.

António Costa hoje na Suécia para “Cimeira Social” de líderes da União Europeia

in Sapo24

O primeiro-ministro, António Costa, participa hoje, em Gotemburgo, Suécia, na primeira “Cimeira Social” ao nível de chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE) a ter lugar nos últimos 20 anos.

Desde uma cimeira sobre Emprego realizada no Luxemburgo em 1997, esta é a primeira reunião ao mais alto nível no plano europeu dedicada a questões sociais, sendo centrada na “Equidade no Emprego e no Crescimento”, e servirá também para os líderes europeus assinarem a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, acordado entre as instituições da UE há algumas semanas.

António Costa, que se faz acompanhar pelo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva, intervirá num dos três painéis interativos que decorrerão à margem da sessão plenária, intitulado “Entre empregos: apoiar a transição”, que contará também com a participação do Presidente francês, Emmanuel Macron, entre outros chefes de Estado e de Governo da UE.

Coorganizada pela Comissão Europeia e Governo sueco, a “Cimeira Social sobre equidade no emprego e no crescimento” visa constituir uma oportunidade de as principais partes interessadas debaterem as prioridades e iniciativas políticas à escala europeia e estudarem de que modo a União Europeia, os Estados-Membros e os parceiros sociais a todos os níveis podem concretizar as prioridades económicas e sociais que partilham”.

O objetivo, segundo os organizadores, é “reunir os chefes de Estado e de Governo, os parceiros sociais e outros intervenientes importantes para que possam trabalhar em conjunto para promover a equidade no emprego e no crescimento”, mas vários analistas antecipam que a declaração final a ser adotada deverá ser demasiado vaga e totalmente não vinculativa.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, acredita todavia que a cimeira de Gotemburgo ajudará a UE a “imprimir a dinâmica necessária e a colocar as prioridades sociais onde devem figurar, no topo da agenda da Europa”, lembrando que desde o início do seu mandato que tornou claro que o seu objetivo “era uma Europa mais social”.

A cimeira de hoje constituirá também uma oportunidade para importantes contactos entre os chefes de Estado e de Governo da UE quando se avizinham duas “eleições” importantes, ainda muito em aberto: a recolocação das agências que vão deixar o Reino Unido devido ao ‘Brexit’ – sendo o Porto uma das cidades candidatas a acolher a Agência Europeia do Medicamento (EMA) -, que será decidida a 20 de novembro; e a eleição do futuro presidente do Eurogrupo, quando se aproxima o prazo para a apresentação de candidaturas (na próxima semana), continuando o ministro Mário Centeno a ser apontado como um dos possíveis sucessores de Jeroen Dijsselbloem à frente do fórum de ministros das Finanças da zona euro.

Cimeira de Gotemburgo defende que todos os países da UE devem ter salário mínimo

in Dinheiro Vivo

Na cimeira de Gotemburgo, vai ser assinada a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

A proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, hoje assinada em Gotemburgo, na Suécia, reconhece “explicitamente” que todos os países da União Europeia devem ter um sistema de salário mínimo, disse à Lusa o ministro Vieira da Silva. O texto, que assenta em 20 princípios chave, defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho e proteção social.

Em declarações à Agência Lusa, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, que estará na cimeira com o primeiro-ministro, António Costa, considerou que “este é o momento de confirmação de uma nova fase em que a dimensão social é revalorizada” entre os países da UE. Como exemplo “fortemente emblemático” da “mudança de página” na UE, o ministro destacou que o texto da proclamação “reconhece explicitamente a necessidade de todos os estados membros disporem de um sistema de salário mínimo”. “Tanto quanto me recordo, é a primeira vez que um texto com esta amplitude afirma que todos os estados membros devem ter sistemas de salários mínimos”, sublinhou Vieira da Silva.

Para o ministro, “a afirmação de que deve existir [um sistema de salários mínimos na UE] como instrumento eficaz no combate às desigualdades e promoção do bem-estar e na valorização do trabalho tem relevância por si só”. “É reconhecido de forma mais ou menos unânime que a Europa tem dedicado menos atenção à sua dimensão social do que a outras áreas da nossa vida coletiva e pretende-se, de alguma forma, produzir uma mudança de página”, afirmou o governante. O ministro destacou ainda uma outra “dimensão inovadora” que sairá desta cimeira, que é o princípio de que “não deve existir qualquer tipo de trabalho sem proteção social” e que todos os países “devem ter sistemas eficazes de proteção no desemprego. No caso de Portugal, Vieira da Silva reconheceu que ainda há passos a dar nesse sentido, afirmando que “nem sempre é garantido em pleno” que a todo o tipo de trabalho está associado um sistema de proteção social. E deu como exemplos as formas atípicas de trabalho ou os falsos recibos verdes ou outras formas que “têm níveis de declaração de rendimentos inferiores aos reais”.

“Os passos que estão a ser dados são muito importantes, mas não é de um momento para o outro, com um clique, que afastamos esses problemas”, defendeu o ministro. A Cimeira Social para o Emprego Justo e o Crescimento, que reúne chefes de Estado ou de Governo da UE, parceiros sociais e outras organizações, conta com a presença dos presidentes da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, do Conselho Europeu, Donald Tusk e do Parlamento Europeu, Antonio Tajani. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais é uma iniciativa da Comissão Europeia, anunciada em 09 de setembro de 2015, pelo Presidente Juncker no seu discurso sobre o Estado da União, no qual apresentou a Europa Social como uma prioridade.