Texto de Rui Tinoco, in Público on-line
A mundialização do turismo globaliza novas formas de exclusão social: o morador local vê-se despojado do seu território e é obrigado, pela subida de preços do metro quadrado, por modificações radicais do mercado de arrendamento, a ir viver para os subúrbios
Desde há muito se sabe que existe uma competição espacial no interior da cidade moderna. Os mecanismos imobiliários relativos à compra, venda e aluguer de propriedades, por exemplo, ditam zonas caras, zonas in, como está na moda dizer-se, e zonas mal-afamadas em que se acumulam as situações de pobreza e de problemáticas sociais. Assim, diversas variáveis como o nível sócio-económico têm uma distribuição espacial na cidade — distribuição essa que possui diversos paralelismos e invariâncias independentemente da urbe considerada.
Também dimensões psicológicas e de psicopatologia podem ler-se espacialmente, por mais inesperado que isso possa parecer… De facto, a fragilidade social traz consigo fragilidade psicológica e sofrimento de idêntico teor.
O modelo proposto por Robert Park e Ernest Burgess, na primeira metade do século XX, advoga a existência de um modelo concêntrico em termos de áreas urbanas. Em termos gerais existe o núcleo urbano, central, o mais procurado e considerado. As classes desfavorecidas dispõem-se em torno dele — por exemplo, o caso das estações centrais de comboio, como a célebre hoboémia de Chicago, descrita por Anderson. De seguida, distribuem-se as zonas de famílias trabalhadoras e a dos subúrbios.
O advento do turismo mundial, potenciado pela ligação das principais cidades portuguesas ao grande circuito de turismo mundial, possibilita a massificação destas disputas espaciais. Referimo-nos concretamente às low cost. Este novo fenómeno vem lançar um novo elemento na equação espacial que delineámos muito sucintamente.
Este Verão confrontámo-nos com diversas manifestações anti-turismo em Veneza e Barcelona. Um conjunto de pessoas, sempre em constante mutação, com grande poder de compra, é responsável por uma nova forma de permanência, por assim dizer: os turistas mudam mas os espaços e os locais que querem para si mantêm-se cativos. Encarem novamente os motores de busca de hotéis e todas as formas de alojamento como instrumentos que servem para manter esta nova forma de permanência que constantemente se renova. Assim constituídos como uma nova classe, de dimensão mundial, operam como um novo grupo humano à procura, numa procura competitiva, pelo seu lugar no espaço urbano. Os hotéis, hostels, alojamento local, entre uma série de muitas outras nuances aí estão para confirmar essa presença e essa intrusão.
Um turismo que pela aceleração, pela mudança constante, origina um novo género de permanência que pelo não estar, mas também pelo poder de compra e pela actividade económica que desencadeia, se torna num género de classe a competir pelo espaço da cidade. Já se sabe da subida de preço das casas nos centros de Lisboa e Porto e da mudança radical no mercado de arrendamento que passa a ser orientado para as pequenas estadias em vez do alojamento para a residência permanente (a oferta deste género de aluguer tem vindo a baixar e a aumentar o seu preço).
Estes movimentos de facto vêem destruir equilíbrios ecológicos na cidade. Rapidamente: a morador da grande cidade um pouco por todo o planeta, nesses nós urbanos ligados entre si pela massificação do turismo, é forçado a abdicar da sua localização na cidade para habitar zonas menos procuradas e mais acessíveis economicamente.
Daqui decorre um sem número de novos desafios. A mundialização do turismo globaliza também estas novas formas de exclusão social, em que o morador local se vê despojado do seu território e é obrigado, pela subida de preços do metro quadrado, por modificações radicais do mercado de arrendamento, a ir viver para os subúrbios.
A grande urbe passa então a situar-se numa grande teia planetária, estruturada em rede, em que os fenómenos da competição pelo espaço podem já ocorrer entre cidades, com os mesmos actores dominantes. Ilustração: o centro de Londres tece ligações e continuidades com o de Nova Iorque, inúmeros actores movem-se entre esses espaços.
Urge, pois, pensar a grande urbe, esta grande urbe globalizada que descrevemos sumariamente em termos de inclusão social. Pois os mecanismos imobiliários decorrentes da luta pelo espaço que temos vindo a descrever originam também tendências de exclusão social também elas globais. Como se a globalização também tecesse essa sombra nos actores que não se conseguem projectar no globo, mas que são reféns da sua dinâmica.