28.2.19

“Como se começa uma vida nova sem tecto?”

Mariana Correia Pinto (texto) e Paulo Pimenta (fotografia), in Público on-line

Emoção, revolta e palavras de ordem. Mais de 60 pessoas receberam Paula no bairro do Lagarteiro e pediram reversão de despejo “cruel”. Advogado impugnou decisão da Câmara do Porto e falou de ilegalidade no processo

Quando Paula Gonçalves leu pela primeira vez o texto da peça de teatro O Filho Pródigo, em 2017, estava longe de imaginar que na parábola encenada por Luísa Pinto estaria um dia uma amostra da sua biografia. Na narrativa - agora a ser transformada em filme e mais uma vez com Paula como actriz - conta-se a história de um pai a estender a mão ao filho arrependido. Fala-se de redenção e perdão. De tristeza e amargura. Mas também de esperança e amor.

Em tudo isso se transformou a vida de Paula Gonçalves nas últimas semanas. Ela cumpre uma pena desde 2012 e é a inquilina despejada pela Câmara do Porto a poucos meses de sair em liberdade condicional, num processo polémico do qual o executivo de Rui Moreira procura declinar responsabilidades. Este sábado, numa saída precária de seis dias e 12 horas, foi recebida no bairro do Lagarteiro, onde habitava. Moradores, vereadores, deputados e artistas mostraram emoção e revolta. E pediram a reversão da “cruel” decisão camarária, com promessas de resistência em nome da justiça.

O relógio ainda não descolara o ponteiro dos minutos, marcavam-se as oito da manhã nas horas, quando Paula Gonçalves abriu a porta lateral da Prisão de Santa Cruz do Bispo. Trazia uma mala e sacos cheios de papelada, cartas que por estes dias lhe chegaram de várias geografias do país: mostras de solidariedade, promessas, palavras bonitas. Até uma notificação da Presidência da República, a acusar a recepção da carta onde Paula roga atenção ao presidente dos afectos, Marcelo Rebelo de Sousa. Dois dos três filhos aproximam-se, enganam saudades com abraços, abafam lágrimas. E depois entram no carro e fazem caminho para o bairro onde já não têm casa mas que ainda sentem como deles.

Na entrada 27, bloco oito do Lagarteiro, Emília Pinto Gonçalves repetia a rotina dos sábados, na espera pela carrinha que a conduziria a um centro de dia, quando avistou a surpresa.
- Oh Paulinha, o que te estão a fazer…
A vizinha, bengala na mão, desata num pranto. Viu Paula nascer, crescer, passar as passas do inferno, ser mãe exemplar, falhar. “Já esteve presa, agora não havia de pagar mais”, comenta em tom de lamento. Na porta do bloco, afixou-se uma folha A4, convocatória aos moradores para um momento de solidariedade, pelas 10 horas: “Lagarteiro unido contra os despejos imorais.”
Desde 2017, pelo comportamento avaliado pelo estabelecimento prisional como exemplar, Paula Gonçalves ganhou direito a saídas precárias. “De dois em dois meses estava aqui”, comenta, “há muito que a casa não está vazia”. Pela primeira vez - depois de uma ordem de despejo assinada pelo vereador Fernando Paulo a 22 de Dezembro de 2018, por despacho de 3 de Junho desse mesmo ano -, não tem casa onde ficar com os filhos, dois deles menores.

Paula sobe as escadas até ao segundo piso de chave na mão. Quer confirmar para crer. A mudança de fechadura, os bens que lhe relatam terem sido arrastados prédio abaixo, alguns deles, como detergentes de roupa, produtos de higiene e alimentos, atirados para o lixo – tudo lhe parece ainda um pesadelo. E Paula Gonçalves já viu o suficiente para não se deixar impressionar com dores menores.

Mora no Lagarteiro desde os oito anos, na zona oriental da cidade desde sempre. Aos 13, saiu de casa. A mãe havia sido presa. “Era uma menina e tive de me fazer mulher”, contou ao PÚBLICO há dias, durante uma sessão de filmagens de O Filho Pródigo. Foi mãe aos 15, vítima de violência doméstica. Casou-se segunda vez, repetiu-se o fado. Já esteve numa casa abrigo. Já virou os dias do avesso e vestiu sorrisos a sufocar lágrimas que recusava mostrar aos filhos. Trabalhou na Câmara do Porto a fazer limpezas, no hospital militar, num café junto ao Coliseu. Num pronto-a-vestir. “Nunca pedi nada a ninguém.”

Nas últimas precárias, tem aproveitado para ir preparando a saída. Foi ao centro de emprego, já tem trabalho apalavrado, faz “uns serviços de limpeza e passa a ferro” quando pode. Mesmo reclusa, Paula Gonçalves nunca se afastou dos filhos. Contribui para as despesas deles, com o seu trabalho no departamento das artes na cadeia. Pagou a carta de condução ao mais velho, um tratamento dos dentes à menina. “Posso não lhes dar na hora, mas faço tudo pelos meus filhos.”

É por eles que cada hora rodeada de arame farpado custa. “Dói muito estar aqui”, diz baixinho a controlar a emoção. Magoa nunca ter levado a filha mais nova à escola, perceber o choro da filha ao telefone, ouvir os rapazes falar das saudades da roupa lavada e arrumada ao jeitinho da mãe. Ainda hoje, seis anos e meio passados do início da pena, Paula sai das visitas semanais num pranto. “Só lhes peço por favor para não passarem pelo que eu passei. Arrependi-me muito.”

O bairro vai despertando, os vizinhos aparecendo. Cristina Pinto Gonçalves, “nascida e criada no Lagarteiro”, aparece com a irmã de Paula, Elisabete Gonçalves, e jura à amiga controlar a irritação para evitar problemas. Mas a revolta é impossível de conter: “Sai-se da cadeia e querem que a pessoa fique bem sem uma casa? Se fosse comigo ficava louca. Esta câmara parece a judiciária”.

Discute-se as razões do despejo. Paula explica aquilo que os documentos demonstram: recebeu uma primeira notificação do vereador da Habitação, Fernando Paulo, em Janeiro, uma segunda em Junho. A câmara alegava que a habitação estava vazia há mais de dois anos. Ela mostrou não ser verdade. Foi obrigada a expulsar de casa o pai, saído da cadeia, doente, três vezes operado e a fazer quimioterapia. Por não estar inscrito no agregado familiar, não podia ocupar a habitação. “Tive de pôr o meu pai na rua”, relata emocionada: “Isto é humano?”.

Junto ao bloco oito, já perto das 10 horas, juntam-se mais de 60 pessoas. Há uma faixa de resistência “contra os despejos”, moradores exaltados, artistas, deputados, vereadores. José António Pinto, assistente social de Campanhã e do bairro, é o primeiro a discursar. Fala de uma “decisão política cruel” do actual vereador e dirige-se a Rui Moreira para o lembrar que “ainda tem condições de anular esta ordem de despejo”. O técnico - que ajudou Paula Gonçalves neste processo e usou envelopes da junta de Campanhã para enviar algumas das dezenas de cartas enviadas pela reclusa, um facto apontado como suspeito pela câmara por aquela ser a única freguesia dominada pelo PS – procurou desmontar a argumentação repetida à exaustão pela autarquia. Para José António Pinto, o presidente e o seu vereador “mentiram” quando disseram que Paula tinha rendas em atraso, quando recusaram ter recebido cartas da inquilina, quando rebateram não saber que ela estava prestes a sair.

Factos é matéria apreciada pelo advogado Albano Loureiro, presente na manifestação para revelar novidades: no Tribunal Administrativo foi “impugnado” o despacho de 3 de Junho, originário do despejo. “A câmara municipal cometeu uma ilegalidade e isso é inquestionável. A Paula oficialmente só foi notificada deste despacho no dia 8 de Fevereiro.” O problema? No dia 31 de Janeiro, a porta da inquilina já tinha sido arrombado e o despejo concretizado. Tal acontecimento tem como consequência a “suspensão da ordem”, algo que, acredita, poderá acontecer com alguma rapidez.
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“A casa de Paula está vazia e a Paula está na rua.” A evidência foi notada pelo deputado José Soeiro - um dos subscritores de uma petição que pede clemência a Rui Moreira -, para quem este processo está envolto numa “crueldade absurda”. Recordando a não existência de “penas perpétuas” em Portugal, lamentou que o executivo camarário faça de tribunal para aplicar uma “pena” a Paula depois de ela já ter sido condenada por um juiz. “É de uma total falta de sensibilidade para a questão de ressocialização”, lamentou o bloquista. Ao protesto juntou-se também Manuel Pizarro, acusado pela autarquia de estar envolvido neste processo e que chegou, em 2016, a iniciar um projecto de despejo de Paula, por rendas em atraso, sem nunca o ter concluído. Para o socialista “não pode haver política social sem humanismo” e se Moreira e a sua equipa estavam “mal informados” e não sabiam do percurso positivo de Paula e da sua saída para breve, podem agora admitir o erro e voltar atrás. “Se fosse vereador, revertia [a decisão] na segunda-feira de manhã”, garantiu, sublinhando que “dessa atitude não sairia ninguém prejudicado, porque a casa está vazia". Questionada pelo PÚBLICO sobre essa possibilidade, a autarquia não quis comentar.

Albina de Jesus Pinheiro seca as lágrimas a Paula e promete-lhe solidariedade a todo o custo: “Se for preciso acampo contigo em frente à câmara, não chores.” Haverá muitos dispostos a isso. “Paulinha” - como a equipa que roda o filme O Filho Pródigo carinhosamente lhe chama - jura que resistirá. Mas não sabe mais como “provar” que mudou e aprendeu na prisão. Medo do futuro não tem. Da falta de um tecto sim. Afinal, pergunta ciente da réplica impossível, “como se começa uma vida nova sem casa?”


Pobreza

Marisa Matias, in Esquerda.net

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior taxa de pobreza e de exclusão. Se não se começar a integrar a pobreza em todas as políticas, a pedra de Sísifo continuará a ser carregada nos discursos, mas rolará sempre até à base porque a prática não os acompanha.

“A essência da pobreza aniquila o futuro”, escrevia Orwell. Um quarto da população europeia vive numa situação de risco de pobreza. São 120 milhões de pessoas, doze “países” iguais a Portugal. Falamos de pessoas que vivem na região mais rica do mundo. Este facto não tem comovido as instituições europeias que, nos últimos trinta anos, recuaram, e muito, em relação ao que haviam traçado como estratégia. Aos defuntos Programas Europeus de Combate à Pobreza seguiu-se um objectivo de reduzir a pobreza até 2010. Ninguém lhe prestou atenção e esse objectivo não saiu do papel.

Os esforços de inclusão social, o reforço dos serviços públicos ou o aumento dos salários têm caído no altar onde se exibe o Tratado Orçamental ou o Pacto de Estabilidade e Crescimento. O investimento social ou o reforço da capacidade de protecção social são as primeiras vítimas. Não há compromisso que vingue perante as metas e as exigências da contenção. O problema é que falamos de uma contenção que é sempre para os mesmos.
Nas esferas de decisão, nos debates ou em qualquer canto de qualquer sociedade, é difícil encontrar pessoas contrárias ao combate à pobreza e, no entanto, ela aí está para nos mostrar como as políticas não têm sido eficazes ou não têm sequer tentado evitá-la ou reduzi-la.

Em Portugal, sentimos na pele a austeridade a cravar fundo e a pobreza a aumentar. E, mais uma vez, no discurso sempre houve um voluntarismo garantido de que um dia se acabaria com ela. E não se acaba. Porquê? Porque a pobreza não resulta de uma qualquer combinação astral e reduzir sistematicamente o investimento público nos serviços públicos não é compatível com uma política de inclusão social. Porque a ausência de uma política de habitação que garanta o direito à casa não é compatível com o apadrinhamento da especulação imobiliária. Porque o acesso à escolaridade de qualidade e igualitária não é compatível com o encerramento de estabelecimentos de ensino ou a inexistência de redes de transporte e de serviços de apoio. As contradições existentes a este respeito poderiam estender-se sem fim, mas o que é importante perceber é que a pobreza não é um problema retórico de se somos a favor ou contra ela. A pobreza é um problema político e todas as políticas essenciais têm falhado no essencial para o seu combate.

Como podemos quebrar este ciclo vicioso? Desde logo, parando de fingir que algo está a ser feito e assumindo que só integrando uma avaliação dos impactos das políticas em termos de pobreza se pode efectivamente começar a combatê-la.

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior taxa de pobreza e de exclusão. Se não se começar a integrar a pobreza em todas as políticas, a pedra de Sísifo continuará a ser carregada nos discursos, mas rolará sempre até à base porque a prática não os acompanha. Em tempos em que tanto se debate a democracia é preciso não esquecer que a pobreza é a sua maior inimiga.
Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 23 de fevereiro de 2019

Quase metade dos desempregados não têm subsídio

Vera Novais, in o Observador

Em janeiro, havia 164 mil pessoas sem subsídio de desemprego. Entre estes desempregados havia 6.700 famílias em que ambos os elementos do casal estavam desempregados.

Quase metade (47%) dos desempregados inscritos nos centros de emprego do Instituto do Emprego e Formação Profissional não recebem subsídio de desemprego, noticia o Jornal de Notícias. Dos 350.772 desempregados inscritos em janeiro de 2019, 164.014 não recebia este tipo de apoio.

Este valor é, ainda assim, mais baixo do que em janeiro do ano passado quando 54% dos desempregados não recebiam subsídio, mas muito mais alto que em janeiro de 2009: 38,1%. Nos últimos anos, a proporção de desempregados sem subsídio tem diminuído e o número de desempregados inscritos também.

O número de desempregados inscritos no centro de emprego não é, no entanto, um retrato fiel do número de desempregados no país, porque as pessoas desempregadas que não estejam inscritas não entram nas estatísticas.
Em janeiro, havia mais de 6.700 famílias em que os dois elementos dos casal estavam desempregados, menos 23% (ou 2.071) do que no mesmo mês de 2018.

O que inquieta os portugueses? Os serviços de saúde e a Segurança Social

Abílio Ferreira, in Expresso

Segundo o último Eurobarómetro, o desemprego e a situação económica do país deixaram de figurar na lista de receios e preocupações

É o último Eurobarómetro que o diz. Os portugueses estão mais otimistas e menos preocupados em relação à situação económica e à ameaça do desemprego. Em contrapartida, crescem os receios ligados ao custo de vida e à eficácia dos serviços de saúde e Segurança Social.

O Eurobarómetro é o documento da Comissão Europeia que retrata periodicamente os 28 países da União Europeia (UE) a partir de uma série de pesquisas de opinião com uma grande variedade de questões. O último, o 90º da série resulta de trabalhos de campo realizados em novembro de 2018.

E que conclusões partir retirar face ao anterior? Os portugueses manifestam-se preocupados com os setores da saúde e segurança social (33%), seguindo-se o desconforto ligado à subida de preços e ao custo de vida.
O desemprego, que no outono de 2016 era apontado como principal preocupação por 58% dos portugueses, surge agora na terceira posição, com 27% de respostas. Ou seja, caiu para metade no universo dos inquiridos.
O Eurobarómetro nota que esta é uma realidade que distingue Portugal dos restantes países do sul da Europa. Em Espanha, Itália e Grécia, metade dos inquiridos coloca o desemprego no centro das suas preocupações imediatas, surgindo no primeiro lugar do ranking.

Situação económica do país não tira o sono
Quanto à situação económica do país, citada por um terço dos portugueses há dois anos, ela deixou de figurar na lista de inquietações. Só 15% dos inquiridos vivem atormentados com esse tema. É uma valor em linha com a média europeia.

Na União Euroeia, o terrorismo aflige 8% dos inquiridos. Em Portugal, é residual, não superando 1%. Temas como imigração, crime, ambiente ou clima também passam também ao lado dos portugueses.
Metade dos portugueses considera que a situação económica não sofrerá alterações relevantes nos próximos 12 meses. Mas, apenas 29% acreditam que a evolução da economia será positiva. Em relação ao anterior Eurobarómetro, a a comunidade de otimistas reduziu-se em 7 pontos.

Rendimento familiar preocupa 40%
Quanto à situação financeira do agregado familiar, três em cada cinco portugueses expressam uma avaliação positiva. É um resultado em linha com o anterior Eurobarómetro. Ou seja, há 40% que receiam pelas finanças domésticas.
A relação é 11% inferior à média europeia (72%) e permite definir os portugueses como o sexto povo menos otimista em relação ao tema do rendimento familiar. Grécia e Bulgária são os únicos países entre os 28 da UE em que a avaliação é inferior a 50% - ficam nos dois casos nos 39%.

A maioria dos portugueses manifesta otimismo para o futuro: 63% acredita que a evolução da situação financeira do agregado familiar não vai piorar nos próximos 12 meses. O resultado supera a média da UE (60%). E, neste tópico, apenas 8% dos portugueses revelam pessimismo.

A democracia funciona, a Europa satisfaz
Na frente política, a satisfação impera. Quase dois terços afirmam-se agradados com o funcionamento da democracia.
Neste indicador, Portugal está bem acima da média europeia (57%). Mas, o nível de satisfação está em queda: há um ano a aprovação era de 75%. (média de 71% na UE), altura em que atingiu um pico, recuperando de valores baixos no rescaldo da troika.

A quebra de confiança afeta por igual partidos políticos, governo e o parlamento. O registo atual compara com o recorde de aprovação na Dinamarca (91%) e o mínimo da Grécia (26%).
E, qual a visão face a Europa, a poucos meses das eleições para o Parlamento Europeu? O Eurobarómetro concluiu que o sentimento de cidadania europeia continua a prevalecer em Portugal.
A maioria dos portugueses confia na UE (55%), tem uma imagem é positiva da UE (53%) e rejeita a ideia de que o país poderia enfrentar melhor o futuro a pedalar isoladamente(69%). Portugal é o sexto país com a maior taxa de confiança na UE. Lituânia (65%), Dinamarca (60%) e Suécia (59%) lideram.

Televisão é mais confiável do que a imprensa escrita

O media preferido dos portugueses? A televisão. É o meio de eleição e a fonte a que mais recorrem para se informarem sobre política nacional e internacional. A rádio também é apreciada e bate ligeiramente a TV na confiança noticiosa.

Os dois meios superam a imprensa escrita (68% contra 61%). Os padrões identificados pelo Eurobarómetro colocam Portugal acima da média europeia para os três grandes meios tradicionais, que os portugueses consideram plurais e isentos. A diferença para a UE é mais acentuada (18%) no caso da televisão.

Um em cada quatro portugueses confia nas redes sociais. É um valor muito acima da média da UE (19%).

Violência contra idosos acontece tanto nas famílias como nas instituições

in o Açoriano Oriental

Os maus tratos e a violência contra pessoas idosas são fenómenos que vivem do silêncio e existem tanto nas famílias como nas instituições e sobre o quais surge agora um livro para melhor detetar, prevenir e combater estes casos.

O livro “Maus-Tratos a Pessoas Idosas”, que é apresentado na terça-feira, reúne trabalho de vários autores e inclui temas que vão desde a tipologia dos maus tratos, estratégias de prevenção, deteção e intervenção, violência em contexto familiar e institucional, envelhecimento das pessoas com deficiência até ao suicídio nos mais idosos.
Em declarações à agência Lusa, um dos coordenadores do livro apontou que a obra pretende ser não só um manual que consciencialize e sensibilize para este problema, mas também que ajude a sinalizar e a intervir nas mais variadas áreas.

De acordo com Mauro Paulino, os maus tratos contra os idosos são um fenómeno que vive do silêncio, “à semelhança do que acontece com outras manifestações de violência”.

“Há aquilo que nós chamamos de fenómeno icebergue. Muitos dos casos estão no silêncio, seja por receio da vítima, seja pelo silêncio das pessoas que sabem destas situações, mas não as denunciam”, apontou, sublinhando que os maus tratos não são uma realidade exclusiva nas famílias e destacou que “também há maus tratos em contexto institucional”.

“Os maus tratos em contexto institucional é um tema mais recente, porque na consciência social, se colocamos um idoso numa instituição, a ideia é que lá ele seja bem cuidado e bem tratado”, explicou, acrescentando que a sociedade está mais desperta para quando os maus tratos acontecem na família.

Mauro Paulino apontou que a violência institucional contra os idosos pode traduzir-se na precariedade da assistência, medicação excessiva para os idosos estarem menos ativos e darem menos trabalho, desnutrição, desidratação, falta de higiene ou mesmo situações de idosos amarrados a camas.

Por oposição, a violência familiar tem uma expressão mais individualizada, tanto da parte da vítima como do agressor.
Defendeu que a fiscalização é fundamental e sublinhou que há cada vez mais a noção das várias formas de violência e de como podem ser identificadas.

“Ficamos muito presos à ideia de que os maus tratos a pessoas idosas são apenas os maus tratos físicos ou então questões financeiras e de exploração material e nós chamamos a atenção também para os maus tratos psicológicos que muitas vezes são associados à componente física, mas também ao não respeito pela dignidade”, apontou, acrescentando que muitas vezes também há uma relação com situações de negligência e abandono.

Mauro Paulino salientou que os autores do livro sentiam duas grandes lacunas, entre material pouco atualizado e disperso, destacando que a obra traz “duas grandes vantagens”: capítulos devidamente atualizados em termos de referências e toda a matéria devidamente compilada.

Por outro lado, destacou que o livro inclui grelhas que tanto os profissionais como os familiares podem usar de modo a fazerem um diagnóstico e a perceber a diferença entre uma situação acidental ou um caso com dolo.
Dá como exemplo o capítulo referente ao enquadramento jurídico-penal, explicando que serve para ajudar os profissionais a perceber o que é que um tribunal precisa de entender sobre o que se está a passar e assim “conseguir mais condenações ou pelo menos mais elementos de prova para que a investigação criminal avance”.

“Este livro traz grelhas, traz tabelas, ferramentas, traz inventários de instrumentos e de metodologias que podem e devem ser utilizados por quem lida com estas problemáticas, com visão de reação, mas também de prevenção”, adiantou.

Destacou que o livro tem uma “visão completamente pragmática virada para a sensibilização e identificação, mas também para o tratamento deste tipo de violência, com modelos de intervenção, instrumentos de deteção e de avaliação que são fundamentais aos profissionais e cuidadores”.



“Temos vergonha de envelhecer. Não queremos mostrar aos outros que estamos a perder valor”

Ana Cristina Marques, in o Observador

Nunca vivemos até tão tarde. Ao mesmo tempo nunca tentámos disfarçar tanto e nunca tivemos tanto medo da velhice. A socióloga Maria José Núncio explica como lidar com o envelhecimento dos nossos pais.

O envelhecimento dos pais é o derradeiro corte com a infância. É inevitável e gradual, embora seja muitas vezes recebido num repente, quando uma queda violenta e/ou a perda de memória abalam uma família. Envelhecer faz parte do percurso natural da vida, mas este é um fenómeno vítima de um paradoxo curioso: nunca vivemos até tão tarde — e fazemos vários esforços nesse sentido — e nunca tememos tanto a velhice, que a sociedade atual, focada na juventude e na beleza, tende a tratar como uma doença.

Estas são algumas das ideias que surgem nesta entrevista a Maria José da Silveira Núncio, doutorada em Sociologia, professora universitária, mediadora familiar e coautora do livro recentemente lançado “Os meus pais estão a envelhecer” (Ideias de Ler, da Porto Editora). Num livro escrito essencialmente para um público feminino e dirigido às famílias, as novas e já formadas, Maria José Núncio procura “normalizar” algumas situações e encarar de frente o elefante na sala: ver as figuras de referência e de proteção enfraquecer nunca é fácil, mas também é algo que deva ser desvalorizado.

“É sempre doloroso quando percebemos que aqueles que eram os nossos referenciais de proteção e de segurança precisam, de repente, de ser protegidos. E temos de ser nós a dar-lhes essa segurança. Isto não é fácil de aceitar. O envelhecimento dos pais é uma realidade mais difícil de aceitar pelos filhos do que pelos pais. Os pais aceitam que estão a envelhecer, que há todo um percurso de vida, que isto é normal. Para os filhos… às vezes até caímos no erro de desvalorizar determinados sinais.”

O livro foi escrito por Maria José da Silveira Núncio e por Carla Rocha, enfermeira especialista de reabilitação, a concluir o Mestrado em Cuidados Paliativos. À venda por 15,50 euros.

Na introdução e ao longo do livro refere-se a uma leitora e não a um leitor. É propositado?
Foi uma decisão propositada e conjunta, minha e da editora, porque começámos a perceber que iríamos ter de pôr “leitor/leitora”, o que em termos de leitura não resultava tão bem. Depois, porque lidamos fundamentalmente com mulheres que assumem as responsabilidades de cuidar, tanto nos cuidados na infância como nos cuidados para com os mais velhos. Foi uma opção. Não tem a ver com o dever ser, mas com aquilo que de facto é. Acreditamos que o público deste livro é muito mais feminino do que masculino, o que não quer dizer que isto não envolva toda a família.

Há números que comprovam que o principal cuidador é, nesta fase em particular, a mulher?
Não sei de cor as estatísticas, evidentemente, mas todas elas provam que sim. Efetivamente, continua a haver uma maior responsabilidade feminina em Portugal em tudo o que diz respeito às tarefas familiares e domésticas, nas quis se incluem estas [cuidar dos pais envelhecidos]. Tendo em conta a construção de um percurso profissional, se este tiver de ser interrompido para prestação de cuidados, é interrompido pelas mulheres.

Mas a mensagem é para todos?
Este livro dirige-se a quem já está numa situação de cuidador informal de pais em processo de envelhecimento e a quem está na iminência disso. De facto assistimos a uma expressão já muito trabalhada, a “geração sanduíche”. Atualmente, estamos a viver uma combinação de fenómenos demográficos. Assistimos ao aumento da esperança média de vida, ou seja, hoje temos pessoas cada vez mais velhas — os nossos pais vão viver, felizmente, até mais tarde. Isso implica a perda progressiva de uma série de faculdades e de capacidades, bem como o acréscimo de dependência causada pela perda de autonomia. Ao mesmo tempo que precisamos de prestar cuidados a pais que vão viver cada vez mais tempo, por efeito de uma série de mudanças, começamos a ser pais cada vez mais tarde. Porquê falar em geração “sanduíche”? Porque nós realmente temos uma geração de adultos que tem de prestar cuidados nestes dois sentidos.

"Esta geração vai ter filhos no final da infância ou da adolescência ao mesmo tempo que terá pais a perder progressivamente a autonomia. Acredito que isto vai ser vivido com muito mais premência, de uma maneira muito aguda e muito forte. Passamos de ser responsáveis por nós próprios, para ter responsabilidades para com os nossos filhos e, ao mesmo tempo, para com os nossos pais."

Como acha que as gerações mais novas encaram a eventual responsabilidade de cuidar dos mais velhos, sobretudo tendo em conta o fenómeno da “adolescência tardia”?
A questão da “adolescência tardia” vai exatamente repercutir-se naquilo que estava a falar, ou seja, vemos que as pessoas saem cada vez mais tarde de casa dos pais e constroem projetos de vida, de conjugalidade, sejam formais ou informais, e de parentalidade, também cada vez mais tarde. Provavelmente, esta geração vai ter filhos no final da infância ou da adolescência ao mesmo tempo que terá pais a perder progressivamente a autonomia. Acredito que isto vai ser vivido com muito mais premência, de uma maneira muito aguda e muito forte. Passamos de ser responsáveis por nós próprios, para ter responsabilidades para com os nossos filhos e, ao mesmo tempo, para com os nossos pais. Isto é uma questão do ponto de vista social que se vai colocar, que é tanto mais grave se olharmos à volta e percebermos que, em Portugal, isto é um deserto do ponto de vista de respostas. Temos ainda outro fenómeno no qual é importante pensar: temos gerações mais velhas em que cada vez mais se encontram pessoas sós, porque quem fez o boom do divórcio encontra-se, neste momento, envelhecido e muitos não refizeram as suas vidas, não encontraram novos companheiros. Isso é um fator de preocupação acrescida.

A nível emocional, a “geração sanduíche” está perante uma rutura grande?
Está. Assumir o envelhecimento dos nossos pais implica o corte com a infância. E isso nunca é fácil. Habituámo-nos a pensar nos pais como as figuras que estão ali para nos proteger e custa-nos muito pensar que, eventualmente, estas figuras protetoras, estes quase super-heróis, vão enfraquecer. Há aqui uma espécie de dissonância. Ainda por cima se temos esta geração que chega à fase adulta cada vez mais tarde — ela está obviamente menos preparada para lidar com isto porque passou muito tempo sob a dependência dos pais, passou muito tempo a precisar dos seus cuidados. Vai ser extremamente doloroso. É sempre doloroso quando percebemos que aqueles que eram os nossos referenciais de proteção e de segurança precisam, de repente, de ser protegidos. E temos de ser nós a dar-lhes essa segurança. Isto não é fácil de aceitar. O que me fui apercebendo, aquando da construção do livro, é que o envelhecimento dos pais é uma realidade mais difícil de aceitar por parte dos filhos do que pelos pais. Os pais aceitam que estão a envelhecer, que há todo um percurso de vida, que isto é normal. Para os filhos… às vezes até caímos no erro de desvalorizar determinados sinais.

No livro escreve que esta necessidade de cuidar dos pais se instala gradualmente, mas muitas vezes é preciso um susto para nos apercebermos disso…
Há, de facto, sinais. Na maior parte dos casos isto é um processo gradual — aliás, o envelhecimento é um processo gradual, a partir do momento em que nascemos já estamos a envelhecer. Depois, torna-se mais rápido em determinadas fases da nossa vida e há sinais, pequenos sinais: quando as pessoas começam a ter problemas ao nível do equilíbrio, quando as quedas começam a ser mais frequentes e os esquecimentos mais comuns, ou quando as pessoas começam a ter comportamentos diferentes relativamente ao dinheiro (pessoas que eram muito contidas começam a gastar muito, sendo que o contrário também acontece). Muitas vezes somos capazes de perceber isto nos outros, mas custa-nos muito aceitar isto nos nossos pais, pelo que tendemos a desvalorizar. Vamos desvalorizando e arranjando pretextos, que não são para os nossos pais, mas sim para nós próprios.

Entramos numa espécie de fase de negação?
Exatamente, tem a ver com isso. Embora isto seja um processo gradual, se tivermos a capacidade de estar atentos e de discutir um conjunto de eventualidades em família, e com os nossos pais, tal evita que a necessidade de cuidar se instale de repente (porque a pessoa deu uma queda, ficou incapacitada ou porque teve um AVC). Caso contrário é difícil, porque aí somos apanhados totalmente de surpresa e não ponderámos o que é que podíamos fazer enquanto família. E não ponderámos uma coisa importantíssima, que é aquilo que os nossos pais gostariam que acontecesse perante uma situação de necessidade. Porque isto está rodeado de uma série de mitos: é a ideia de que jamais vamos pôr os nossos pais num lar ou que eles vão viver connosco, ou ainda que vão ter uma pessoa a acompanhá-los 24 horas por dia. E quantas vezes perguntámos aos nossos pais se é isto o que eles realmente querem?

"Assumir o envelhecimento dos nossos pais implica o corte com a infância. E isso nunca é fácil. Habituámo-nos a pensar nos pais como as figuras que estão ali para nos proteger e custa-nos muito pensar que, eventualmente, estas figuras protetoras, estes quase super-heróis, vão enfraquecer. (...) A geração que está agora a chegar à fase adulta está menos preparada para lidar com isto porque passou muito tempo sob a dependência dos pais. Vai ser extremamente doloroso."

O que está em causa é a aceitação, isto é, a geração dos filhos precisa de aceitar o envelhecimento dos pais para o bem-estar destes?
Exatamente, é isso mesmo, para o bem-estar atual e futuro dos próprios pais. Porquê? Porque se os nossos pais também perceberem que estamos em “negação”, eles próprios vão ter algum receio de tocar nesse assunto…

…porque não deixam de ser pais?
Sim, porque não deixam de ser pais e, no fundo, também nos querem proteger. Esta iniciativa tem sempre de partir dos filhos. Estamos rodeados de pessoas e há exemplos que podemos usar, além de que podemos tentar ver com os nossos pais o que eles preferem e, se calhar, até vamos ficar surpreendidos — se calhar até preferem ir para um lar à ideia de ficarem em casa dos filhos e de perderem a sua autonomia, porque aí perde-se mais autonomia do que numa situação de residência. As pessoas sabem o que querem para o seu futuro. Há uma série de mitos em torno do envelhecimento que se vão gerando e que podem, de facto, funcionar como obstáculos.

É quase como se o envelhecimento fosse o elefante na sala?
É, é o elefante na sala porque de facto está lá, é evidente. Nós vivemos em sociedades em que ninguém quer ser velho…
Gostava que comentasse a seguinte frase escrita no livro: “As emoções que vai viver serão contraditórias, fazendo-a oscilar entre o carinho profundo e o ressentimento, entre a abnegação e o egoísmo, entre a compreensão e a impaciência, entre o medo do fim e o desejo de que esse fim chegue depressa”.

Um dos objetivos deste livro é normalizar ou naturalizar uma série de coisas pelas quais muitas vezes as pessoas se sentem culpadas — quando digo normalizar não quero dizer banalizar, ou seja, não é tirar importância, porque basta que eu sinta para ser importante. Acho que este é um momento de grande ambivalência para nós. Por um lado, percebemos que os nossos pais estão a envelhecer e não queremos que isso aconteça, por outro, sabemos que queremos cuidar deles. Mas o querer cuidar vai ter impactos enormes na nossa vida, pelo que começamos a fazer uma série de contas de cabeça acerca desses impactos e, quando isso acontece, vem a culpa porque nos achamos egoístas. Depois, há a questão final da frase, que é muito dura do ponto de vista emocional e afetivo: o sofrimento do outro dói-nos sempre, sinal da nossa capacidade de empatia, o sofrimento daqueles que nos são queridos dói-nos duplamente e nós oscilamos permanentemente entre a vontade de que aquele sofrimento acabe e o medo da perda. Quando estamos a falar em envelhecimento, obviamente que o fim do sofrimento é a morte.
Há muitas outras coisas que são geradoras de culpa, das quais ninguém fala. Uma questão perfeitamente tabu é a ideia de que cuidar em determinadas circunstâncias pode causar-nos repulsa e ninguém quer assumir uma coisa dessas porque sentimo-nos as piores pessoas do mundo. É ter de cuidar da mãe e, ao mesmo tempo, sentir repulsa. Isto é comum e a ideia é naturalizar isto. É um pudor enorme partilhar isto com alguém, as pessoas fecham-se em si próprias. Há outra dimensão da qual nos esquecemos, que também é muito importante: no sofrimento do outro e na morte do outro, eu antevejo o meu próprio envelhecimento, sofrimento e morte. Quando os nossos pais começam a envelhecer, nó sentimos que somos os próximos, isto mexe connosco. Não só porque são os nossos pais, mas porque a pessoa começa a ter consciência da sua própria finitude. É o fim da infância, literalmente.
"Há outra dimensão da qual nos esquecemos, que também é muito importante: no sofrimento do outro e na morte do outro, eu antevejo o meu próprio envelhecimento, sofrimento e morte. Quando os nossos pais começam a envelhecer, nós sentimos que somos os próximos, isto mexe connosco. Não só porque são os nossos pais, mas porque a pessoa começa a ter consciência da sua própria finitude."

Escreve também que nunca vivemos até tão tarde — fazemos vários esforços para que isso aconteça — e nunca tememos tanto a velhice. Porque é que acha que este contrassenso existe? A sociedade trata a velhice como se fosse uma doença?
Estamos a assistir a um aumento enorme da longevidade que previsivelmente vai continuar. Há fenómenos que aparentemente não têm marcha atrás e este é um deles. Isto é paradoxal com o quê? Nós queremos viver mais, mas queremos viver mais sendo jovens. E porque é que queremos ser jovens? Se repararmos, tudo à nossa volta faz esse apelo. Tudo aquilo que nos é transmitido e difundido como valendo a pena é algo que tem a ver com juventude, com beleza e estética. Vivemos em sociedades em que toda a gente tem de ser jovem, magro e bonito. Isto gera uma pressão muito grande. Nunca se assistiu a um recurso tão grande a tudo o que sejam tratamentos de estética.

Isto deve-se a outra coisa: vivemos em sociedades consumistas, é sempre para a frente, consumimos e descartamos para consumir outra vez. Vivemos em sociedades consumistas, hedonistas, claramente a procura do prazer é o que nos move. Todas as características das sociedades atuais, no fundo, funcionam contra o envelhecimento, o que é paradoxal no momento em que temos mais velhos do que nunca. O querer generalizar a imagem do velho como alguém que está arrumado a um canto, que já é incapaz de acompanhar seja o que for, que está quase à espera da morte, é completamente errado. Mas o querer assimilar, como agora muitas vezes se vê… Tenho assistido nas campanhas publicitárias a algum enaltecer do envelhecimento, mas não é o envelhecimento “natural”, aquilo é o querer assimilar o envelhecimento a uma espécie de nova juventude fora do tempo. Isto é um absurdo porque coloca as pessoas novamente sob pressão.

Mas isso não terá a ver com o fenómeno da inclusão, que está muito na moda?
Mas nós temos de incluir com as características que cada um tem, respeitando as diferenças. Incluir não é assimilar. Nós precisamos das pessoas mais velhas, precisamos de envelhecer. Faz parte do nosso ciclo de vida, é uma coisa perfeitamente normal e há de facto um capital de experiência e de sabedoria que se vai ganhando com a idade, que é extraordinariamente útil e que tem de ser percebido como um referencial.
"Nós queremos viver mais, mas queremos viver mais sendo jovens. E porque é que queremos ser jovens? Se repararmos, tudo à nossa volta faz esse apelo. Tudo aquilo que nos é transmitido e difundido como valendo a pena é algo que tem a ver com juventude, com beleza e estética."

Quais são as grandes vantagens de envelhecer?
Acho que a grande vantagem de envelhecer tem a ver com aquilo que vamos adquirindo em termos de sabedoria e de experiência de vida. Não é por acaso que, em algumas sociedades mais remotas, o mais velho era o grande referencial do ponto de vista dos conselhos e da arbitragem dos conflitos, porque era a pessoa cuja experiência de vida lhe permitia ter maior capacidade de discernimento acerca das coisas. A idade vai-nos dando uma certa capacidade de distanciamento e nós vamo-nos apercebendo disto, não é preciso chegarmos a velhos. À medida que os anos vão passando vamos percebendo que modificamos a nossa atitude. Há outra coisa fundamental: nós não existimos sem história. Até em termos familiares. Os mais velhos, os avós, são o grande património, o grande repositório da história da família, tal como são o grande repositório da história da sociedade. Os avós são um privilégio, estimular a relação entre os avós e os netos é fundamental — isto é, ao nível micro da família, transmitir uma identidade. Em sociedades que mudam tão rapidamente é preciso mantermos esta noção.

Noção que não estamos a manter?
Penso que não estamos ou estamos a manter com muita dificuldade. Estamos a esquecer o nosso passado. E nem digo o passado mais longínquo, mas o mais próximo, quase imediato. Estamos a esquecermo-nos de como viviam os nossos avós. Estamos a perder essa noção, que é ótima para nos manter no lugar, para dar rumos à nossa vida. O recurso a todo este capital de experiência, de história e de sabedoria não pode ser desvalorizado. São lições de resiliência. Atualmente, nós consumimos tudo — isto até se alastrou do ponto de vista das relações, nós facilmente nos descartamos das pessoas, facilmente nos descartamos das relações. Ensinaram-nos que devemos ter objetivos na vida, só que a grande questão é que quando atingimos um objetivo não o gozamos porque já estamos a pensar no próximo. Perdeu-se uma coisa que é importantísssima, isto é, a capacidade de parar e pensar, de fazer balanços. As gerações que vão surgindo e crescendo fazem-no nesta lógica de imediatismo. Estamos também a perder a capacidade de sonhar, sonhar no sentido de ter um objetivo a longo prazo, porque nos habituamos a ter tudo no momento.

"Os mais velhos, os avós, são o grande património, o grande repositório da história da família, tal como são o grande repositório da história da sociedade. Os avós são um privilégio, estimular a relação entre os avós e os netos é fundamental — isto é, ao nível micro da família, transmitir uma identidade."

Enquanto sociedade, acha que valorizamos a terceira idade?
Não valorizamos, digo-lhe já categoricamente que não, pelas razões de que já falámos. Se valorizássemos os mais velhos, assumiríamos o envelhecimento como uma condição natural da nossa vida. As pessoas quase que correm o risco de se tornarem clones, pelo menos por fora, umas das outras só para não envelhecerem.

Temos medo ou vergonha de envelhecer?
Acho que são as duas coisas juntas. O medo de envelhecer é o medo do sofrimento e da morte que faz parte da nossa estrutura. Foi sempre o grande medo da humanidade e é transversal a todas as épocas. Neste momento temos a vergonha de envelhecer. Temos vergonha porque sentimos que o envelhecimento não é valorizado, pelo que não queremos mostrar aos outros que estamos a perder valor. É por isso que as pessoas tentam esconder ao máximo que estão a envelhecer e recorrem a tudo o que seja artifício para isso. Mas há um momento em que não há mais artifícios, há um momento em que ou cede o corpo ou cede a mente. Nestas alturas, se não estivermos preparados para isso, a vergonha pode converter-se em algo muito pior. Assistimos cada vez mais a situações de depressão entre a população mais velha que, em muitos casos, têm a ver com isto. Tem a ver com uma dificuldade em aceitar a passagem do tempo e em aceitar a vergonha de ser velho, juntando isto a outros fenómenos que podem acontecer nesta idade, como o isolamento. Mas, afinal, onde é que o idoso cabe? A juntar ao medo que sempre existiu, nós neste momento temos de facto a vergonha de envelhecer.

Também escreve que a preservação da autonomia e da independência dos pais deve ser uma prioridade. Porquê? E como é que se conjuga isso com o cuidar deles?
Nós devemos agir na justa medida em que a nossa ação é necessária. Basicamente é isto. Não devemos sobrepor-nos aos outros sempre que os outros têm capacidade para ou decidir ou realizar alguma tarefa, porque isso é retirar à pessoa parte da sua dignidade. A questão da condução é muito evidente. Devemos ajustar a nossa ação e a nossa presença e cuidado àquilo que é o instalar progressivo de necessidades. À medida que as necessidades se vão instalando nós vamos encontrando respostas. É preferível a nossa intranquilidade ao sentimento de perda de identidade ou de perda de lugar no mundo por parte dos nossos pais — é um daqueles momentos em que temos de apelar mais à abnegação do que ao egoísmo.

Não há inversão de papéis?
Não há. Nós não nos tornamos pais dos nossos pais, embora a tentação seja muito grande.

E os idosos não são crianças?
Não são. Nós, quer em família, quer em termos institucionais, começamos a utilizar muitas vezes com os mais velhos o mesmo tipo de linguagem que usamos com os mais novos, o mesmo tipo de referências. A nossa vida não é um círculo. A infantilização da linguagem… Se nunca falámos com os nossos pais num determinado tom, a linguagem paternalista e autoritária não faz sentido. Isto vindo dos filhos é extraordinariamente doloroso e sentido como um desrespeito muito grande.

"Neste momento temos a vergonha de envelhecer. Temos vergonha porque sentimos que o envelhecimento não é valorizado, pelo que não queremos mostrar aos outros que estamos a perder valor. É por isso que as pessoas tentam esconder ao máximo que estão a envelhecer e recorrem a tudo o que seja artifício. Mas há um momento em que não há mais artifícios, há um momento em que ou cede o corpo ou cede a mente."

Que conselhos mais práticos dá a quem está agora a começar a cuidar dos pais?
O primeiro conselho é exatamente sentar-se a falar sobre o assunto. É bom começar a adotar certas medidas em casa dos pais, vivam eles sozinhos ou em casal, desde a organização à adaptação da casa. Assim estamos a trabalhar a prevenção, porque sabemos que isso vai suceder no futuro. Outra questão fundamental é perceber qual é a vontade dos nossos pais em termos de respostas e cuidados. Temos de mostrar que somos pessoas confiáveis, que já não somos crianças e que, sem nos sobrepormos, estamos disponíveis para ajudar. Numa situação em que haja vários irmãos, todos eles vão ser chamados a assumir um papel, que não tem necessariamente de ser igual. É conveniente falarmos todos em família. Perante o envelhecimento dos nossos pais algumas dinâmicas familiares que já estavam esquecidas, e que não têm de ser necessariamente positivas, vêm de novo ao de cima — antagonismos entre irmãos, dificuldades de relacionamento com um dos pais… Isto tudo, que durante a fase adulta fica ali em latência, pode vir ao de cima nesta situações, o que do ponto de vista emocional nos coloca sob maior pressão.

Também fala numa altura para fortalecer laços e criar memórias positivas para o futuro…
Isso tem a ver com o facto de assistirmos ao envelhecimento e ao fim do outro. Isso leva-nos a que as memórias que ficam gravadas na nossa cabeça sejam só as mais recentes, as do fim, mas há todo um outro capital de memórias que pode ser recuperado. Não é por uma pessoa estar debilitada que deixou de gostar de comer um gelado numa tarde de sol. Estamos tão preocupados em cuidar — a medicação, as consultas, etc. — que nos esquecemos que todos temos de ter vida para além disso e que não é pelo facto de envelhecermos que deixamos de ter sonhos. E poder contribuir para isso é fundamental, tal como apelar às memórias familiares — à partida, são um fator de união.

"Devemos ajustar a nossa ação e a nossa presença e cuidado àquilo que é o instalar progressivo de necessidades. À medida que as necessidades se vão instalando nós vamos encontrando respostas. É preferível a nossa intranquilidade ao sentimento de perda de identidade ou de perda de lugar no mundo por parte dos nossos pais — é um daqueles momentos em que temos de apelar mais à abnegação do que ao egoísmo."

E como estão os serviços para a terceira idade?
Não se recomendam. Existe obviamente uma grande carência do ponto de vista de unidades de cuidado, nomeadamente de cuidados paliativos e de cuidados continuados. Em termos de unidades residenciais, os chamados lares, a taxa de cobertura não é de todo aquela que seria adequada para a população portuguesa —existem soluções que não são, de facto, adequadas àquilo que é o rendimento médio da população mais velha, sabendo nós que Portugal é um país de reformas muito baixas. Nunca investimos de facto num Estado providência a este nível porque sempre acreditámos que tínhamos as famílias providência — absoluto mito.

Projeto Casa Com Vida da Cruz Vermelha apoia homens em exclusão social

in Notícias da Trofa

A Delegação da Cruz Vermelha da Trofa foi apoiada pelo BPI e pela Fundação La Caixa no âmbito da 3.ª edição do Prémio BPI Solidário, para a criação de um alojamento para promover a melhoria da qualidade de vida de pessoas que se encontrem em situação de pobreza e exclusão social.

Qual é o salário mínimo nos países da UE? Portugal está a meio da tabela

in o Idealista

Dinamarca, Itália, Chipre, Áustria, Finlândia e Suécia são os seis países da União Europeia (UE) que não têm, por lei, um salário mínimo estipulado. Portugal é um dos 22 Estados-membros que tem, encontrando-se, de resto, a meio da tabela, com um rendimento mínimo mensal de 700 euros, segundo o Eurostat.

De acordo com dados do gabinete de estatísticas da UE, relativos a janeiro de 2019, o salário mínimo mais baixo verifica-se na Bulgária (286 euros) e o mais alto em Luxemburgo (2.071 euros), que é quase três vezes superior ao português.

De referir que Portugal tem na verdade um salário mínimo nacional de 600 euros mensais. Mas como é um dos três países analisados (a par de Espanha e da Grécia) onde se pagam o 13º e o 14º mês, o Eurostat pega no valor total do salário mínimo anual (8.400 euros) e divide-o por 12 meses para tratamento estatístico. Daí a diferença entre os 700 euros tidos em conta pelo Eurostat para os 600 euros do salário mínimo nacional real.

Maria João Rodrigues: "Tenho um trabalho de longo curso sobre a Europa"

in TSF

A eurodeputada Maria João Rodrigues desta o relatório sobre os direitos sociais como uma das marcas do seu mandato.

A falar em Bruxelas, em entrevista à TSF, a eurodeputada socialista, considera que "no último ano e meio" foi possível a "avançar de forma muito prática", em matéria de direitos sociais, desde que os líderes das instituições europeias proclamaram, em novembro de 2017, em Gotemburgo, o chamado "pilar social". Desde então, considera que tem sido registadas "consequências positivas, para a população europeia e para a população portuguesa".

A eurodeputada afirma que nesta fazer já está a ser possível "transformar a essa proclamação, em leis europeias", nomeadamente uma que "vai melhorar as condições de trabalho para qualquer tipo de emprego" e dará a "garantia que as pessoas têm direito a contrato de trabalho com condições decentes".

A proposta foi votada há duas semanas e cabe agora aos Estados-Membros fazerem a respetiva transposição para as leis nacionais. Mas a deputada nota já "uma mudança", relativamente a 2014, dizendo que "quando aqui chegámos não se podia falar de direitos sociais" e, nesse sentido regista "uma transformação".

Maria João Rodrigues afirma que no Parlamento gerou-se a "compreensão de que hoje estamos a fazer face a novos tipos de emprego no mercado de trabalho" mais precisamente em relação às "plataformas online", para as quais "há muitos jovens a trabalhar, que não têm nem contrato, nem acesso à proteção social".
Brexit
Nesta entrevista à TSF, a deputada considera ainda que a respeito do brexit "estamos a chegar ao momento da verdade", pois acredita que "um brexit sem acordo é perigosíssimo para o Reino Unido - e também para a Europa -, porque as consequências seriam catastróficas, sobre a economia britânicas e sobre a população britânica".

"Uma parte da crescente da população foi levada para uma situação bloqueada e cada vez mais a população britânica percebe isso. É muito significativo que a população jovem, no Reino Unido, em maioria quer continuar na União Europeia", afirmou a deputada, admitindo que um novo referendo venha de facto a realizar-se.

Maria João Rodrigues afirma a sua "profunda convicção" de que "o PS vai conseguir ter uma maioria expressiva". A eurodeputada escusou-se, porém, a concretizar por quantos deputados consideraria "expressiva" a margem de vitória.

Questionada sobre se ainda estaria disponível para um novo mandato no Parlamento Europeu, Maria João Rodrigues afirma-se "disponível porque tenho um trabalho de longo curso sobre a Europa".
"E, este mandato foi novamente uma oportunidade de transformar isto em algo prático", afirma Maria João Rodrigues, esclarecido que é por essa razão de gostaria de "continuar".
Várias fontes garantem, porém, que a vice-presidente da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, não será incluída nas listas. A decisão definitiva será conhecida amanhã, na reunião da Comissão Política do Partido Socialista.

Investigação
Maria João Rodrigues responde ainda às questões sobre o processo que decorre no Parlamento Europeu, durante o qual foi investigada por alegada perseguição laboral, dizendo que espera que "fique esclarecido muito em breve", e que poderá conseguir que seja resolvido "a bem e com verdadeiro diálogo"

Auditoria. Segurança Social pagou pensões a beneficiários mortos durante mais de 10 anos

Ana Suspiro, in o Observador

Auditoria detetou cerca de 200 casos de pensões pagas após a morte dos beneficiários. Alguns pagamentos indevidos duraram mais de 10 anos. Tribunal de Contas aponta para 4 milhões pagos a mais.

A Segurança Social fez pagamentos de pensões no valor de cerca de quatro milhões de euros a beneficiários que tinham morrido. Os pagamentos indevidos foram efetuados em 2016 e 2017, de acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas sobre as prestações de morte no sistema previdencial.

Em causa estão “pagamentos indevidos” de pensões de sobrevivência, no valor de 3,7 milhões de euros, efetuados mais de um ano após o óbito dos beneficiários. O relatório da auditoria identifica cerca de 200 casos da amostra analisa em que a suspensão do pagamento das pensões ocorreu em período muito posterior ao do óbito e, neste grupo, foram identificados 40 casos em que a pensão foi paga indevidamente durante mais de 10 anos. Em mais de metade dos casos, a interrupção do pagamento demorou até cinco anos a ser efetuada.

Foram ainda detetadas pensões de direito próprio pagas indevidamente. No caso das pensões de sobrevivência, em mais de metade do valor, o equivalente a 1,9 milhões de euros, o Tribunal diz que não detetou procedimentos adotados com o objetivo de recuperar os montantes. Esta situação, acrescenta, é “suscetível de gerar responsabilidade financeira punível com multa para os membros do conselho diretivo do Instituto da Segurança Social e para o diretor do Centro Nacional de Pensões”.

Em relação a 1,8 milhões de euros houve o registo de dívida quando terminou o direito à pensão e foram recuperados 614 mil euros, o que representa apenas 17% da dívida. Para o arquivamento das dívidas contribui também a incapacidade para detetar o devedor que é responsável por devolver os valores pagos indevidamente, o que leva a um elevado número de arquivamentos.

O tribunal reconhece que os serviços da Segurança Social dependem muito da informação prestada pelos beneficiários ou terceiros, no que diz respeito a factos ou mudanças que determinam o fim do pagamento de uma pensões, como é o caso das mortes, mas também de divórcios ou casamentos, situação que “expõe o sistema ao risco de fraude”. A situação é especialmente vulnerável no caso de pensionistas que residem no estrangeiro cuja comunicação do óbito depende muito dos familiares. E destaca a importância das comunicações recebidas por agências funerárias.

A auditoria detetou situações em que após ter sido registada morte do pensionista e apesar de ter cessada a pensão de direito próprio, manteve-se em pagamento a pensão de sobrevivência que o cidadão também recebia por vários anos. Nos casos auditados a suspensão da pensão demorou em média seis anos após a data do óbito do beneficiário.

A situação reportada nesta auditoria não é nova, mas as situações persistem, com o TdC a alertar para as falhas no sistema de controlo do Instituto da Segurança Social e para a insuficiência no cruzamento de dados do Ministério das Justiça e do Ministério das Finanças e dentro das próprias bases da Segurança Social. Por exemplo, num universo de 740.631 pensões de sobrevivência que se encontravam em pagamento no ano de 2017, 9.047 foram pagas sem o número de identificação fiscal associado, incluindo cidadãos que por data de nascimento teriam de ter um cartão de cidadão. Foram também pagas reformas a beneficiários que já estavam registados como tendo falecido na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, os casos identificados na amostra representam um valor relativamente modesto do total pago com prestações de morte que em 2017 totalizou cerca de dois mil milhões de euros, dos quais 1,9 mil milhões de euros representa a despesa com pensões de sobrevivência. Estamos a falar de uma percentagem de 0,2% do valor total, mas as irregularidades encontradas referem-se apenas a uma amostra analisada pelo Tribunal de Contas e não a um exame exaustivo a todos os casos.

Uma das recomendações vai no sentido de se equacionar a realização de uma auditoria ao sistema de informação de pensões que avalie a fiabilidade dos relatórios sobre níveis de serviço e os procedimentos de recuperação de dívidas para identificar e corrigir falhas detetadas num período mais alargado de tempo, entre 2013 e 2018. O TdC também pede que seja feito o levantamento de todas as situações de pagamentos indevidos de pensões, tendo por referência a metodologia usada nesta auditoria, ou outra adequada, por forma a confirmar se existem, ou não, outros casos para os quais não foram desencadeados procedimentos de recuperação da dívida.

Em 2017, estavam em pagamento 740.631 pensões de sobrevivência, cerca de 25,3% do universo de pensões (2.929.834). Nesse mesmo ano, foram atribuídos 39.144 subsídios por morte e realizados 48.430 reembolsos de despesas de funeral, tendo-se verificado um aumento de 616 subsídios por morte e 2.313 reembolsos de despesas de funeral, face a 2016. No mesmo ano, a despesa com o subsídio por morte e o reembolso de despesas de funeral totalizou 102 milhões de euros.

Desemprego atingiu novo mínimo de 2002 no final do ano. Subiu para 6,7% em janeiro

Isabel Patrício, in EcOnline

De acordo com a estimativa provisória do INE, a taxa de desemprego situou-se em 6,7%, no primeiro mês deste ano. Fechou 2018 em mínimos de 2002.

A taxa de desemprego subiu para 6,7%, no primeiro mês do ano, mantendo-se ainda assim em mínimos de 2002. Isto de acordo com a estimativa provisória publicada, esta quinta-feira, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). A taxa de dezembro foi revista em baixa nos 6,6%.

Os dados publicados esta manhã pelo INE mostram uma subida da taxa de desemprego de 0,1 pontos percentuais (p.p) em janeiro face ao mês anterior, fixando-se nos 6,7%. Em dezembro, a taxa situou-se nos 6,6%, valor que foi revisto em baixa em 0,1 p.p. face à estimativa provisória que tinha sido divulgada anteriormente.

Estes 6,6% representam, por sua vez, uma descida de 0,1 p.p. em relação à taxa registada em novembro de 2018 e de 1,3 p.p. face ao mesmo mês do ano anterior. No último mês de 2018, 344,3 mil pessoas estavam desempregadas, o que equivale a um recuo de 0,4% face a novembro e de 15,9% em termos homólogos.

Em janeiro, o INE estima que 347,9 mil pessoas tenham estado desempregadas, o que reflete uma subida de 1% face a dezembro e de 1,4% relativamente aos três meses anteriores. Face ao mesmo mês de 2018, registou-se, contudo, uma redução de 14%.

Já a taxa de desemprego dos jovens recuou, em janeiro, 0,3 p.p. para 17,8%, o valor mais baixo desde de 2003.

“Em dezembro de 2018, a população empregada foi estimada em 4.841,8 mil pessoas, tendo aumentado 0,4% (18,4 mil) em relação ao mês anterior (novembro de 2018), 0,5% (24,2 mil) em relação a três meses antes (setembro de 2018) e 1,5% (71,7 mil) em comparação com o mesmo mês de 2017“, sublinha, por outro lado, o INE, no destaque publicado esta quinta-feira.

O instituto estima que, em janeiro, o número de pessoas empregadas tenha subido para 4.849,3 mil pessoas, o que representa uma subida de 0,2% em relação a dezembro, 0,5% em relação aos três meses anteriores e 1,5% em termos homólogos.

Número de beneficiários do RSI está a aumentar desde outubro de 2018

in JN

Número de beneficiários do RSI está a aumentar desde outubro de 2018

Mais de 219 mil pessoas receberam o Rendimento Social de Inserção (RSI) em janeiro, o valor mais elevado dos últimos três meses, confirmando a tendência de crescimento em relação ao mês de dezembro, mas também do último ano.

De acordo com os dados mais recentes do Instituto de Segurança Social (ISS), no final do mês de janeiro havia 219.194 pessoas a receber esta prestação social, mais 195 do que em dezembro do ano passado, e mais 776 do que em janeiro de 2018.

Este é o valor mais elevado dos últimos três meses, depois de em outubro haver registo de 218.683 beneficiários, número que aumentou para 218.498 em novembro e chegou aos 218.999 em dezembro.

Entre as famílias, no entanto, a evolução foi diferente, já que o mês de janeiro terminou com 100.553 agregados, o que significou menos 362 do que em dezembro, ainda que mais 218 do que em janeiro de 2018.

De acordo com os dados do ISS, a maior parte dos beneficiários residem no Porto (62.735), Lisboa (40.288) e Setúbal (20.633), à semelhança das famílias, que também estão sobretudo concentradas no Porto (30.216), Lisboa (18.339) e Setúbal (9.137).

Em janeiro, o valor médio por beneficiário foi de 117,64 euros, enquanto nas famílias chegou aos 263,25 euros.

19.2.19

Salário já não é tudo para segurar jovens talentos no mercado de trabalho

Sónia Santos Pereira, in DN

As empresas debatem-se com escassez de recursos humanos e estão a ter dificuldade em reter as novas gerações. Os jovens mais qualificados criaram um novo paradigma no mercado de trabalho: já não é só o salário que conta para aceitar um emprego.

As empresas estão em ebulição com as alterações do mercado de trabalho. Precisam de recrutar jovens talentos e reter esses recursos, mas as novas gerações estão pouco dispostas a fazer carreira. "Há mais oferta de emprego e esses jovens estão muito disponíveis para mudar, têm mais vontade em colecionar experiências do que em ter uma carreira estável, com uma progressão natural", sublinha Diogo Alarcão, CEO da Mercer Portugal, subsidiária do grupo internacional de consultoria de recursos humanos. "São pouco carreiristas" e o valor do salário per si já não é fator de atração.

Esta tendência reflete-se de forma expressiva na rotação dos jovens qualificados dentro das empresas. "É um problema. No setor dos serviços há áreas em que a taxa de rotação está nos 18%", quando o "normal e saudável é um máximo de 8%", alerta. Com base nesta realidade, Diogo Alarcão não tem dúvidas em afirmar: "Há um problema de atração e retenção de talento em Portugal." Para o responsável, já passou o tempo dos salários de 800/900 euros, agora já se aproximam dos 1200 euros.

Banca, seguros, auditoria, consultoria, farmacêutica e tecnologia são as áreas mais ativas na procura de talentos. "Há uma pressão das empresas para dar resposta aos planos de crescimento e investimento", que esbarra na pouca oferta de recursos qualificados. Por isso, "cada vez mais as empresas vão às universidades logo nos primeiros anos dos cursos", mas ainda assim há todo um paradigma para mudar. Diogo Alarcão frisa que é essencial as empresas "investirem muito mais no recrutamento e na gestão dos recursos humanos", até porque cada vez que sai um colaborador a entidade empregadora está a desperdiçar valor.

Mas o que querem estes jovens? Segundo Diogo Alarcão, as novas gerações valorizam matérias como o bem-estar, integração da vida profissional e pessoal, mobilidade nas funções, comunicação digital, flexibilidade de horário e bolsa de benefícios. Por exemplo, para a maioria dos jovens, a saúde e o bem-estar são requisitos mais importantes do que a carreira, mas grande parte dos empregadores continua a não responder adequadamente a esses propósitos. "Há empresas que veem o seguro de saúde como ameaça de doença do colaborador, quando é exatamente o contrário, é a prevenção da doença."
Estar atento às preocupações e paixões dessa geração é essencial, assim como saber o que faz estes jovens felizes - um discurso pouco comum, mas que a Mercer antecipa como uma tendência relevante no processo de recrutamento.

Diogo Alarcão não tem dúvidas de que também os espaços de trabalho no setor dos serviços terão de se alterar. Os jovens querem praticar exercício físico, ter serviços para apoiar o seu dia-a-dia, participar em eventos de networking, auferir de uma boa rede de transportes públicos nas proximidades e querem que lhes falem na linguagem com que nasceram - a digital.

A vida aos saltos

Paula Cosme Pinto, in Expresso

“Matei-a por tédio”, confessou ele

A frase faz parte da justificação dada por um jovem que matou a namorada. Durante muito tempo, estas palavras agoniaram o fotógrafo João Francisco Vilhena, que começou uma pesquisa sobre a violência doméstica em Portugal. O resultado desse trabalho é “O amor Mata”, uma exposição que não serve apenas de incentivo à reflexão sobre a dimensão e banalização deste crime, como é também uma homenagem às dezenas de mulheres que continuam a morrer em Portugal todos os anos às mãos de quem as dizia amar.

A primeira vez que “O amor Mata” foi apresentado ao público foi em 2015, na Galeria das Salgadeiras, com curadoria de Ana Matos. Um tema arriscado numa altura em que a violência de género e na intimidade encontrava, inclusive, alguma resistência por parte da imprensa. É difícil dizer-vos quantas vezes ao longo dos meus dez anos em redações ouvi a frase “isso já não é notícia”. No que diz respeito a esta exposição, o silêncio era a maior reação entre os que a visitavam na altura. Um silêncio de respeito, de mágoa, de indignação, de dor, de pesar, de impotência, de desconforto. Agora, numa altura em que a violência de género está na ordem do dia, a exposição está de volta, desta vez no Centro Cultural de Lagos, e numa versão alargada.

Quem entra é recebido por dípticos a preto e branco identificados com o nome de mulheres: “Alice foi queimada, Leonor brutalmente agredida e abandonada numa poça de sangue, Rosa envenenada, Teresa suicidou-se depois de anos de agressão física e psicológica, Fátima, depois de uma forte pancada, o seu crânio quebrou-se, Ana, as mãos que amam são as mãos que matam, Margarida, um tiro levou a sua vida, Maria, a sua carne foi esfaqueada”. Todos eles casos reais, ocorridos em Portugal. Há depois uma sala negra, um espaço de silêncio para percorrer depois do inicial soco no estômago. Já numa parede branca, suspensos sobre um fundo vermelho, a cor do amor e do sangue, há uma série de objetos iluminados como pedras preciosas numa loja de jóias. Um martelo, uma pedra, uma faca, todos eles objetos comuns, mas que foram utilizados para matar. Na última moldura do corredor, um espelho onde cada visitante se pode ver refletido. Desafia João Francisco Vilhena: “Como nos vemos no fim deste percurso? Um assassino tem rosto? Uma vítima escondida? Qual é a dimensão da fronteira que separa o amor do ódio? Do tédio? Da falta de humanidade? De respeito pelo outro?”.

A cada hora que passa 6 mulheres são mortas em contexto de intimidade
Porque é que é tão essencial que surjam trabalhos como este? Talvez os números nos ajudem a perceber: das 87 mil mulheres assassinadas em 2017, cerca de 60% foram mortas por parceiros amorosos ou familiares, revelava a ONU em novembro passado num relatório sobre a violência de género no mundo. Foram mais de 50 mil as vítimas mortais de casos de violência doméstica. Isto significa que todos os dias, leiam isto bem, todos os dias 137 mulheres são assassinadas por alguém com quem têm uma relação de intimidade, maioritariamente namorados e maridos. Pessoas da sua confiança que se revelam carrascos. Pessoas que, mais do que ninguém, as deveriam respeitar, amar, proteger. Importa também relembrar que a maioria destes crimes acontece dentro de casa, ou seja, o próprio lar continua a ser o sítio mais inseguro para as meninas e mulheres.

Em Portugal os números são alarmantes. Só em 2017 foram registadas mais de 25 mil ocorrências de violência doméstica. E de acordo com o Observatório das Mulheres Assassinadas registaram-se 25 femicídios e 16 tentativas. Seguindo a tendência mundial, o grupo que surge com maior expressividade é o das mulheres que mantêm ou mantiveram uma relação de intimidade com os femicidas, correspondendo a 70%. De salientar que estes assassinatos e atentados à vida destas mulheres ocorreram, na sua esmagadora maioria, em contextos de violência doméstica prévia e contínua, em alguns casos situações já reportadas às autoridades, e em grande parte de conhecimento geral (vizinhos/as, amigos/as, familiares), sem que isso tenha sido potenciador ou suficiente para evitar os crimes contra elas praticados.

João Francisco Vilhena
Tal como já escrevi por aqui várias vezes, a naturalização da violência contras as mulheres é uma realidade em Portugal e é urgente que se entenda que estes são crimes que resultam de violência de género, de um exercício macabro de poder.

Precisamos de uma justiça e de forças de segurança que lidem com ela de forma diferenciada e devidamente enquadrada, dadas as suas especificidades concretas. É necessária uma justiça penal eficaz que tenha como prioridade a segurança das vítimas. Tal como é urgente a educação como forma de prevenção, implicando os rapazes e os homens neste caminho de mudança de mentalidades.

A arte é um veículo poderosíssimo de comunicação, com o condão eficaz de nos levar a um confronto individual através de diferentes estímulos. De nos convidar a parar para pensar nisto e percebermos que todos nós fazemos não só parte do problema, mas também da solução. É por isso que vos convido a espreitarem esta exposição (patente até 13 de abril), cujo título é por si só uma provocação perfeita para a reflexão. Será o amor que mata? Ou será o ódio, o desrespeito, o sentimento de posse, o exercício do poder, a desumanidade e o desprezo pelo próximo enquanto ser único e individual?

Fundação “la Caixa” apoia projectos com crianças em situação de pobreza

Margarida David Cardoso, in Público on-line

Vão ser distribuídos 3,75 milhões de euros por instituições privadas sem fins lucrativos em cinco grandes áreas. As candidaturas aos projectos de apoio na infância arrancam esta sexta-feira.

Os prémios BPI “la Caixa”, destinados a apoiar financeiramente instituições particulares sem fins lucrativos, vão este ano abarcar projectos em duas novas áreas: o apoio a crianças em situação de pobreza e o desenvolvimento de territórios rurais. Mantém-se, além disso, as vertentes “Capacitar”, para projectos que melhoram as condições de vida de vida de pessoas com deficiência, “Seniores”, para aqueles que apoiam pessoas com mais de 65 anos, e “Solidário”, que se destinam às pessoas em risco de exclusão social. Há 3,75 milhões de euros para distribuir (750 mil euros em cada área).


Os prémios "Infância" são os primeiros a arrancar. Nesta quinta-feira é lançado o site onde se podem candidatar as instituições privadas sem fins lucrativos, com sede em Portugal, que queiram desenvolver projectos que promovam o bem-estar, saúde e educação de crianças e jovens e as competências parentais. As candidaturas começam na sexta-feira e decorrem até 4 de Março. Vários estudos "demonstram que as carências na infância, principalmente até aos seis anos, têm o potencial de se reflectir em toda a sua vida”, salienta Artur Santos Silva, curador da fundação e presidente honorário do BPI. O apoio nesta altura, vinca, pode ser decisivo para sua formação e inclusão social, especialmente em crianças que vivem em contextos socioeconómicos desfavorecidos.

É também a pensar na desigualdade que marca o país territorialmente que haverá um prémio para projectos que promovam o desenvolvimento de comunidades e economias rurais. “Cerca de 80 a 90% das exportações, do investimento privado, do desenvolvimento industrial concentra-se numa faixa litoral que vai do Minho ao Guadiana. No resto do país fecham-se bancos, correios, repartições judiciais, serviços de saúde”, torna o curador. Procuram-se, por isso, instituições de solidariedade social com projectos que se dediquem à promoção do acesso à saúde, integração no mercado de trabalho, coesão social dos territórios carenciados.

O financiamento vem da Fundação “la Caixa”, dona do espanhol CaixaBank e do BPI. Podem candidatar-se as instituições que queiram desenvolver projectos que se inseriam no âmbito de um destes cinco prémios. As iniciativas podem ser apoiadas até 90% do seu orçamento (num máximo 120 mil euros), mediante a duração do projecto (um ou dois anos) e se resulta ou não de uma parceria.

As candidaturas a cada prémio decorrem num site autónomo e assim que termina uma, inicia-se outra. Após o “Prémio Infância”, abrem as candidaturas para o “Solidário” (6 de Março a 1 de Abril), “Seniores” (2 de Abril e 29 de Abril), “Capacitar” (30 de Abril a 27 de Maio) e, por último, para o “Prémio Rural” (28 de Maio a 25 de Junho).
Todas as candidaturas serão avaliadas por um consultor externo, explica ainda Artur Santos Silva. Este faz a primeira selecção, entre as “200 a 400” que habitualmente recebem, e submete-as ao crivo de uma “equipa de voluntários do banco com experiência em avaliação de projectos de empresas”, que ordenam os projectos e propõem valores de financiamento. A decisão final cabe a um júri, presidido por António Barreto.

Fundação La Caixa vai apoiar zonas fronteiriças

Portugal nunca teve tão poucos pobres. Mas não entre os idosos
Pela primeira vez, os projectos serão avaliados de “uma forma mais estrutura”, diz Santos Silva, no âmbito de uma parceria entre a fundação e a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
A vertente mais antiga destes prémios, a “Capacitar”, criada em 2010, apoiou “perto de 400 entidades” e “mais de 100 mil pessoas”, diz Santos Silva. “Desde então todos os pontos do país, têm instituições premiadas, em maior número nos distritos do Porto, Lisboa e Aveiro.”

A Casa dos Escravos

in Sic


Clique para ver a reportagem

Uma Grande Reportagem SIC sobre tráfico humano que pode ver aqui na íntegra.

Tráfico de pessoas, um crime comparável ao tráfico de droga e de armas mas que continua difícil de imaginar.

São escravos em pleno século XXI e em Portugal. Quando se fala em tráfico de pessoas, pensamos em mulheres e crianças mas, por cá, a maioria das vítimas sinalizadas são homens.
Pela primeira vez, a SIC mostra-lhe como vivem numa casa-abrigo, a única para homens.

A Grande Reportagem "A Casa dos Escravos" é da autoria da jornalista Ana Sofia Fonseca, com imagem de Paulo Cepa e Rogério Esteves, edição de imagem de Ricardo Tenreiro, grafismo de Rui Aranha e produção de Diana Matias.

Programa de apoio leva cabazes de alimentos a mais de 80 mil portugueses

in o Observador

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, foram entregues "mais de 13.500 toneladas de bens desde novembro de 2017" a cerca de 80 mil pessoas, entre mais de 30 mil agregados familiares.

Segundo o Ministério, 74% das pessoas que receberam um cabaz disseram que este programa "é melhor do que os anteriores"

Cerca de 80 mil pessoas receberam cabazes de alimentos através do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (PO APMC), o que permitiu a muitas delas pagar despesas como água, luz ou medicamentos.
Esta segunda-feira, em Santarém, decorre o primeiro Encontro FEAC — Fundo Europeu de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, onde vai ser feito um balanço e uma reflexão do PO APMC e a sua respetiva execução.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, através do PO APMC foi possível entregar cabazes mensais de alimentos a cerca de 80 mil pessoas, entre mais de 30 mil agregados familiares.
“Foram distribuídas mais de 13.500 toneladas de bens desde novembro de 2017 (data da entrega dos primeiros cabazes alimentares)”, refere o Ministério.

Estes cabazes foram concebidos pela Direção-Geral de Saúde que definiu não só os alimentos a incluir, mas também as respetivas quantidades, “de forma a assegurar a oferta de cabazes alimentares nutricionalmente adequados e que permitam assegurar 50% das necessidades energéticas e nutricionais mensais dos beneficiários do programa”.
Antes da programação do próximo concurso de aquisição de alimentos, foi feito um questionário de satisfação aos beneficiários do programa, ao qual responderam mais de 90% das pessoas.
Segundo o Ministério, 74% das pessoas que receberam um cabaz disseram que este programa “é melhor do que os anteriores”, por comparação com outros em que participaram para receber apoio alimentar.
Por outro lado, disseram que esta distribuição mensal de alimentos permitiu diminuir os níveis de privação dos agregados familiares, sendo que em 72% dos casos permitiu fazer face atempadamente a despesas como a água ou a luz.

Cinquenta e três por cento dos beneficiários referem que graças ao cabaz conseguiram “pagar atempadamente a renda de casa ou o empréstimo da casa”, enquanto em 43% dos casos a distribuição mensal de alimentos permitiu comprar medicamentos.

O Ministério refere que os resultados do inquérito serviram de base à conceção do novo cabaz de alimentos, que “não só vai ao encontro dos hábitos de consumo e preferências alimentares dos beneficiários do programa, como também aumenta substancialmente a diversidade dos alimentos incluídos”.

O PO APMC tem como objetivo o combate à pobreza e às situações de exclusão, através do financiamento de aquisição, transporte, armazenamento e distribuição de alimentos e medidas de acompanhamento.
O processo é assegurado por organizações públicas ou privadas sem fins lucrativos, através de uma parceria com 135 entidades coordenadoras, responsáveis pela receção dos alimentos, e 600 entidades mediadoras, que, em parceria com as entidades coordenadoras, fazem a distribuição aos beneficiários finais.

A viver em rulotes ou barracas. Ciganos de Bragança sonham com uma casa

Olímpia Mairos, in RR

Bragança é o concelho com mais comunidades ciganas em barracas e acampamentos. E, por isso, recebeu a visita da Subcomissão Parlamentar para a Igualdade e não Discriminação.

É às portas da cidade de Bragança, no bairro dos Formarigos, que vive uma das maiores comunidades ciganas do concelho. As famílias vivem em barracas e rulotes, em condições degradantes, no meio de escombros, montes de lixo e lama, ferro velho, cartões, brinquedos e amontoados de roupas espalhados pelo chão.
“É muito difícil viver aqui, principalmente quando vem a chover. Temos que andar aqui de galochas, e temos que levar os meninos ali, para aquele lado, para não irem todos atolados para a escola. Não há condições nenhumas, não temos casa de banho, não temos nada”, conta à Renascença Dolores Sofia que vive numa das quatro rulotes, instaladas em terreno da autarquia.

A cigana de 34 anos tem dois filhos e um terceiro está a caminho. Já viveu numa casa, ali ao lado, que ardeu há quase dois anos e só deseja que a habitação, que é da Câmara Municipal, possa ser recuperada ou, então, que lhe deem outra, nem que seja longe dali. “É esse o meu sonho. Ter uma casa, nem que seja longe daqui, para que os meus filhos possam crescer com condições”, afirma.

A mãe, Maria Alzira dos Santos, manifesta o mesmo desejo, lamentando tudo o que perdeu no incêndio e a ‘sorte’ de agora viver com o marido doente, numa roulotte sem condições.

“Tenho tanta pena de ter perdido tudo que me custou a arranjar”, desabafa, à medida que mostra a velha casa sem teto e ainda com toda a louça e roupas espalhadas pelos compartimentos. Alzira conta que continua a “pagar a renda à autarquia” e garante que tem a “conta da luz em dia”.

O marido é doente e já está reformado com uma pensão de 300 euros. As refeições, recebe-as diariamente de instituições da Igreja. “É a grande ajuda que temos. E a minha filha, agora, também já está a receber”, diz, acrescentando que a Cáritas diocesana também “ajuda e muito com roupas para as crianças”.

E importante, realça, é também o apoio e a presença constante do Serviço Diocesano das Migrações e Minorias Étnicas da Diocese de Bragança-Miranda, na pessoa da sua diretora. “Essa foi a nossa mãe, a mãe dos ciganos todos, porque é ela quem ‘bota’ a mão a tudo, porque tem bom coração. E nós temos que gabar quem tem bom coração”, conclui.

No bairro em frente, num terreno privado, está Ana dos Anjos. Tem 80 anos, veste de preto e vive numa barraca. Está sentada ao sol, na rua, em frente a uma fogueira feita de lixo, em frente à porta da barraca, onde dorme entre lenha e inúmeros objetos. Ao redor da barraca sobra lixo e mais lixo.

Ana é diabética, cardíaca e vive “em condições inqualificáveis”, conta Fátima Castanheira, do Serviço Diocesano, que vai vê-la frequentemente para “ver se toma os medicamentos e dar-lhe algum carinho”.
“Vem cá sempre ver-me. Pode estar onde estiver, mas vem sempre cá. Chega e beija-me, ao contrário das minhas filhas que não falam comigo. E quando preciso de alguma coisa é ela que me faz”, conta à Renascença. Ana vive de “pedir esmola e da reforma”. Tem onze filhos, mas lamenta que nenhum quer saber dela.

Um pouco mais à frente está Arlindo dos Santos, de 39 anos e Diana Carvalho, de 21. Têm dois filhos, o mais novo tem um mês e o mais velho 16 meses. Nenhum dos dois trabalha, contam com a ajuda dos vizinhos e referem que “não é fácil viver” nas condições em que vivem. Por entre alguns sorrisos e encolher de ombros vão dizendo que “o maior sonho era mesmo ter uma casa”.


“Somos ciganos, mas de carne e osso como os outros”

Sonho idêntico manifestam também os ciganos instalados na antiga lixeira de Bragança, no cruzamento de Donai. Nesta comunidade vivem em barracas cerca de quatro a cinco famílias. Mesmo à entrada, um grande charco de água deixa antever as condições precárias em que vivem adultos e crianças.

Patrícia dos Anjos, tem 28 anos e dois filhos, um com dois anos, outro com seis. Diz que é complicado viver como vive e só anseia “sair daqui e dar um pulo para a frente”. “É complicado vivermos aqui e agora temos muito medo de ficar sem luz porque temos meninos pequeninos e no caminho mal se pode andar”, conta à Renascença.

A família é dependente do Rendimento Social de Inserção. Ninguém trabalha, não que não queiram, mas porque “ninguém dá trabalho aos ciganos”. “Há muito racismo aqui, em Bragança, e quando nos vamos oferecer para trabalhar, mesmo precisando, ao verem que somos ciganos não nos querem”, lamenta Patrícia.

“Nós já nos estamos a entregar à sociedade, também que nos deem mais um empurrãozinho porque, às vezes, as coisas não acontecem mais porque não se chegam a nós a pedir uma ajuda. Parece que nos têm medo”, acrescenta Eduarda Clarisse, de 51 anos.

“Somos ciganos, mas de carne e osso como os outros”, reclama, sentindo-se injustiçada por ser discriminada. “É verdade que nós vivemos do RSI, mas também vamos aos cursos e já temos os nossos filhos a estudar com os outros meninos. Também não precisam de nos discriminar quando vamos pedir trabalho”.

Igreja próxima dos ciganos
A diretora do Serviço Diocesano das Migrações e Minorias Étnicas, Fátima Castanheira, conhece os ciganos pelo nome e diz que há situações dramáticas, destacando o bairro dos Formarigos como a “situação que mais choca, nomeadamente algumas famílias que, de todo, nós não podemos aceitar nem podem viver com esta realidade”.

O Serviço Diocesano não tem fundos. Apoia no encaminhamento das situações, nomeadamente para o Rendimento Social de Inserção (RSI) e para a formação profissional. A missão do serviço diocesano, sublinha a responsável, “passa, também, por despertar a sociedade para estas situações e trabalhar e promover o bem de todos, porque, nós sabemos que, se estas realidades não existirem, é bem para eles e é bem para toda a sociedade”. “Estar com os mais pobres e os mais desfavorecidos é a missão que abraçamos e o nosso objetivo é ajudar”, realça.

E são várias as instituições da Igreja de Bragança-Miranda comprometidas no apoio às comunidades ciganas. Há centros sociais e paroquiais que disponibilizam refeições, por exemplo, e a Cáritas “ajuda com vestuário e géneros alimentícios”, conta Cristina Figueiredo. “Nós fazemos aquilo que podemos. Temos sempre muitas famílias de comunidades ciganas que nos pedem ajuda e vamos tentando responder àquilo que nós é possível”, realça.
No entender da técnica “só a vontade política pode solucionar” o problema dos ciganos em que “estão postos em causa os direitos humanos, os direitos das crianças, uma vez que sem condições de higiene”.

Da parte da comunidade cigana, a responsável pelo Serviço Diocesano das Migrações e Minorias Étnicas assinala “uma certa mudança, com mais elementos a passarem pela formação profissional e uma grande evolução em termos das crianças e da escola e da ligação da própria etnia à escola”.

“Neste momento todos os meninos estão na escola mesmo os do pré-escolar e a transformação está a fazer-se precisamente aí”, observa a responsável, sublinhando que em termos de aceitação no mercado de trabalho “ainda persiste o estigma”.

Deputadas visitam bairros ciganos. “É uma situação imoral”
Deputadas da Subcomissão Parlamentar para a Igualdade e não Discriminação deslocaram-se a Bragança para “ver in loco” a realidade das comunidades ciganas. A Subcomissão vai elaborar, até julho, um relatório sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial e em Bragança, a deputada relatora, Catarina Marcelino, mostrou-se surpreendida com o que encontrou.
“É inaceitável que em Portugal e no século XXI haja pessoa a viver nestas condições. Cabe-nos a nós, enquanto parlamentares, verificar e chamar a atenção de quem tem responsabilidades políticas e públicas sobre esta matéria para que a situação se altere”, afirma.

Segundo Catarina Marcelino, “há um estudo do Instituto de Habitação (IRU) que diz que Bragança é o local do país onde vivem mais comunidades ciganas em habitação não clássica, ou seja, em barracas e em acampamentos”. Ao lado, Helena Roseta, deputada da comissão, acrescenta que o que se vê é imoral.

“É uma situação imoral! Há pouco, um dos senhores destas casas disse-me: mas, então, é preciso virem de Lisboa para verem o que se passa em Bragança? Ele tinha razão na crítica que estava a fazer, mas nós, deputados, temos obrigação de ir a qualquer parte do país. Penso que precisamos de mais, de um olhar transversal. As soluções têm que ser locais, mas têm que ter financiamento nacional. Os municípios não têm capacidade, sozinhos, para dar conta destas situações”, refere a deputada.

Helena Roseta dá conta que um levantamento das carências habitacionais, feito a pedido do parlamento, dava conta que “no país existem à volta de 26 mil famílias” nestas condições, mas alerta que “os números podem ser bastante maiores”.


A parlamentar informa ainda que o mais recente programa que está à disposição das autarquias para estes casos “é o programa Primeiro Direito que financia realojamentos, seja qual for a razão da má condição habitacional ou a ausência da habitação”. “Para já, só há 40 milhões disponíveis, mas os municípios, para terem acesso ao financiamento, têm que apresentar uma estratégia de habitação”, realça.

O presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, revela que a autarquia fez um levantamento das famílias de etnia cigana, distribuídas pela cidade e duas ou três aldeias, com pelo menos uma centena de elementos.
A autarquia tem vindo a realojar algumas famílias em habitação social e na zona histórica, mas o autarca afirma que “esta é uma situação que o município não consegue resolver por si só e nós aguardamos que a nível da Assembleia da República algo seja feito para que haja verbas, haja programas específicos que possam ajudar a resolver este tipo de questões”.

O autarca assinala ainda que está a decorrer “um programa de integração onde todas as crianças do pré-escolar e do primeiro ciclo estão devidamente integradas nas escolas para que possam trabalhar e possam desenvolver o seu processo de integração mais norma

Estas estórias de Lisboa não vêm nos livros. Estão nas memórias que eles agora partilham

Patrícia Guimarães, in Público on-line

Histórias que revisitam o passado e nos dão a conhecer uma Lisboa já distante é a ideia deste projecto, que se concentra nas vivências pessoais de alguns idosos lisboetas que experienciaram mudanças urbanísticas, sociais e económicas ao longo do século XX.

Entre largos sorrisos e um olhar expressivo de algum saudosismo, Orlando Vaz, antigo operário na capital, narra as vivências da infância de um século já passado. “Não havia televisão, não havia nada disso, então as nossas brincadeiras eram na rua”. Diversidade não faltava: havia a época de brincar ao peão, de jogar à apanhada, de brincar aos cowboys e, “o engraçado, é que não havia bullying porque, se levássemos uma estalada, tínhamos que dar um pontapé. E se fosse para casa a chorar porque o Manel me tinha batido, a minha mãe ainda me batia também”.

Desenvolvido no âmbito do Orçamento Participativo, “Vidas e Memórias de Bairro: oficinas comunitárias da memória” é um projecto das Bibliotecas de Lisboa. Iniciado em 2015 na Biblioteca da Penha de França, ainda como projecto-piloto, foi replicado na biblioteca de Marvila em 2017 e está previsto um alargamento a outras bibliotecas da capital. Esta semana foi apresentado o vídeo com estórias que Lisboa não quer esquecer.

Para a câmara, Orlando conta entre gargalhadas que de cada vez que sangrava por lhe esfolarem as canelas a jogar à bola, recorria à ‘terromicina’”, isto é, ao uso de terra e água como forma de curativo. A única preocupação na altura era a polícia, pois “era proibido jogar à bola na rua”. A multa era de 96 escudos. Ora, se o seu pai “ganhava 60, a única alternativa para não ser preso era andar a fugir”.
Nos dias mais quentes, as docas eram o sítio predilecto para Orlando e os camaradas se banharem “todos nus”. Tinham apenas que “ter cuidado com o guarda-fiscal” para que não lhes apanhasse as roupas.

“Eram outros tempos”. José Fonseca, contabilista de profissão, confirma a originalidade das brincadeiras. Nos pátios, os arames dos estendais da roupa serviam de rede para que se jogasse voleibol. “Jogar à bola era com uma meia com trapos dentro, e depois atava-se a ponta”, conta. “O guia para o término das brincadeiras eram as sirenes das fábricas” que soavam às 17h00 em ponto, hora a que os pais saíam do trabalho e altura em que os mais novos tinham de abandonar a diversão na rua.

Entre várias memórias de uma vida, há uma que José mantém muito presente. No dia 25 de Novembro, “faltavam dez para as duas da tarde quando se deu uma grande explosão na fábrica de material de guerra”, no Beato, motivada por um trabalhador que transportava uma caixa de explosivos. Morreram 12 pessoas e 200 ficaram feridas. José, na altura com 11 anos, almoçava “carneiro guisado com massa” quando os vidros lhe bateram nas costas. “Espavorido”, fugiu a correr até chegar à fábrica nacional, local onde trabalhava a mãe. “Passados todos estes anos ainda me lembro da minha mãe a sair do portão com uma alegria tremenda quando me viu”, recorda emocionado.

As recordações de outros tempos e de uma outra Lisboa, estão vividamente nítidas nas memórias destes idosos. Relembram-se das mudanças que a cidade sofreu, e dos dias em que os transportes eram quase inexistentes. “Era tudo a pé. Subir a Alameda, descer a Alameda”. As quintas e terras, que entretanto deram lugar a diversos prédios, eram abundantes e local onde “as pessoas que tinham um bocadinho de terreno semeavam favas, couves, algo a que estavam habituadas a ter na província de onde vinham”, refere Maria Fernanda Gonçalves, antiga administrativa.

A realidade habitacional era bastante distinta da que hoje conhecemos. “A maioria das casas era feita em madeira. A Câmara não deixava fazer obras no Beato, e havia polícia a patrulhar durante todo o dia. Mas à noite, quando a polícia não actuava, a rapaziada começou a revestir o interior das suas casas de madeira, com tijolo. Quando estava pronto, tirava-se a madeira”, confessa Manuel Antunes, antigo operário especializado. E assim começaram a surgir a maior parte das casas. “Lisboa era um autêntico mar de barracas”. Tomar banho então, era um luxo. “Não havia instalações sanitárias, havia um poço no pátio de onde tirávamos a água e depois aquecíamo-la. Lavava-me uma vez por semana, não se tomava banho todos os dias.”

Também o vestuário era um privilégio e a sua aquisição, pouco recorrente. Os armazéns da Morais Soares, agora inexistentes, enchem de brilho os olhos de Albertina Guedelha que, talvez por ser uma antiga costureira, relata com entusiasmo as lojas que na altura lhe enchiam as medidas. “Tinham tudo, tudo, tudo. Era toalhas, era lençóis, era cobertores, era roupas de vestir...”, conta. “A Britania também tinha tudo quanto era bom, roupas muito boas. Era lá que comprava os vestidos”.

A propósito de indumentárias, Albertina evoca um episódio “muito engraçado”. A mãe nunca a permitia sair com ninguém, e um dia uma colega da costura desafiou-a a ir a um baile em São Vicente. Como a madrasta da colega era amiga da sua mãe, houve consentimento. “Conheci lá o meu marido. Na noite de S. João. Lá andou atrás de mim, lá me pediu em namoro, mas não andávamos de braço dado nem nada”, revive. “Namorávamos há dois meses, e ele vai e dá-me um beijo na testa. Fiquei fula! E estive muito tempo sem lhe falar”, recorda sorrindo. “E foi assim, o meu primeiro beijo foi aqui na minha testa”, com aquele que viria a ser companheiro de vida durante 57 anos.
“Não havia hipótese nenhuma de fazer avarias”, visto a austeridade parental ser uma constante. “As mães e velhas avós não deixavam as raparigas irem ao cinema à vontade, tinham de levar sempre o pau-de-cabeleira. Onde se namorava mais um bocadinho era nos bares, aí as coisas eram mais avantajadas porque dava para nos agarrarmos”, conta José entusiasmado.

As tabernas faziam igualmente parte dos passatempos de juventude. Orlando recorda os dias em que “os homens iam de casa para o trabalho e do trabalho para a tasca”, onde bebiam e se juntavam a conversar. Alice Marques, taberneira, admite que “numa taberna é preciso ter muito bom feitio. Nós gostamos de vender o vinho, mas depois também temos que os aturar”. Refere que, por vezes, chegou a ter que enfrentar as esposas que a acusavam de só querer vender o vinho aos maridos que, à noite, de lá saíam “todos bêbedos”. Alice confessa que “não os queria aviar, mas que eles bebiam os copos que eram para as outras pessoas”.

Poderiam ser descritas muitas mais vivências pois estas histórias não se esgotam. E ao serem divulgadas, acabam por se "tornar num jogo de memórias praticado entre várias gerações”, afirma Susana Silvestre, Chefe de Divisão da Rede de Bibliotecas de Lisboa da CML, que esteve quinta-feira presente na apresentação pública deste projecto, na Biblioteca de Marvila.

A partilha de estórias que fazem parte da história, mas que não figuram nem nos manuais escolares, nem nos livros históricos, são o mote para este projecto que visa recuperar, preservar e difundir as memórias e vivências dos habitantes mais velhos da cidade, contando com narrativas na primeira pessoa, o que torna os seus testemunhos imprescindíveis para o conhecimento da história e do património de Lisboa.
Texto editado por Ana Fernandes