28.4.23

Casal português está em risco de ficar sem casa e consequentemente sem os filhos: "Sinto-me impotente! Só quero garantir um teto e sossego"

in SIC




A família encontra-se a ser ameaçada pela senhoria e não consegue encontrar casa para arrendar na zona onde vive: Loulé. Fique a par de toda a situação

Mortalidade infantil aumentou no ano passado: morreram 217 bebés

Sónia Trigueirão, in Público online

Dados do INE revelam que no ano passado morreram 217 crianças com menos de um ano, mais 26 do que em 2021. O saldo natural melhorou.

A taxa de mortalidade infantil aumentou em 2022: no ano passado, morreram 217 crianças com menos de um ano, mais 26 do que em 2021, segundo os dados das Estatísticas Vitais do Instituto Nacional de Estatística (INE) publicadas esta sexta-feira.

Estes números reflectem-se num aumento da taxa de mortalidade infantil de 2,4 óbitos por mil nados-vivos em 2021 para 2,6 em 2022, segundo a nota explicativa do INE.

Os dados revelam que nasceram 83.671 crianças de mães residentes em Portugal, representando um acréscimo de 5,1% (mais 4089 nados-vivos) relativamente ao ano anterior. Do total de nados-vivos, 60,2% nasceram fora do casamento, isto é, eram filhos de pais não casados entre si.

Os dados revelam ainda que 42.925 das crianças eram do sexo masculino e 40.746 do sexo feminino, “representando uma relação de masculinidade de 105 (por cada 100 crianças do sexo feminino nasceram cerca de 105 do sexo masculino)” — esta proporção é considerada natural, já que nascem sempre mais bebés do sexo masculino.

Segundo o INE, à semelhança de anos anteriores, Setembro voltou a ser o mês com mais nascimentos. A variação homóloga, com excepção do mês de Abril (-1,3%), foi sempre positiva, tendo-se verificado a maior subida em Novembro (+11,2%).

Estes dados revelam também que a natalidade aumentou em todas as regiões do país, com excepção do Algarve (-1,3%). Nas regiões Norte (+6,2%), Centro (+5,5%) e Área Metropolitana de Lisboa (+6,0%), a subida foi superior ao valor nacional (+5,1%). A Região Autónoma da Madeira registou o menor acréscimo (+0,8%).
Saldo natural melhorou

No mesmo ano, registaram-se 124.311 óbitos de pessoas residentes em território nacional, menos 0,4% (menos 491) do que em 2021. Do total de óbitos, 62.615 foram de pessoas do sexo feminino e 61.696 do sexo masculino.

Em Janeiro e Fevereiro de 2022, houve um decréscimo da mortalidade em relação aos meses homólogos de 2021 (-40,4% e -16,6% óbitos, respectivamente), que em 2021 foram ainda marcados pela pandemia de covid-19. Entre Março e Dezembro de 2022, e com excepção do mês de Novembro, em todos os meses o número de óbitos foi superior ao observado em 2021. O mês de Dezembro foi o que registou maior mortalidade (12.269 óbitos).

A maioria dos óbitos ocorreu em idades avançadas: 86,6% dos óbitos corresponderam a pessoas com 65 e mais anos e mais de metade (60,7%) a óbitos de pessoas com 80 e mais anos.

“O aumento do número de nados-vivos e o decréscimo do número de óbitos determinaram o desagravamento do saldo natural, de -45.220 em 2021 para -40.640 em 2022”, lê-se na nota explicativa publicada pelo INE, que revela ainda que, em 2022, “foram celebrados 36.952 casamentos em Portugal (mais 27,2% do que em 2021)”.

A idade média do casamento foi de 39,9 anos para os homens e 37,4 anos para as mulheres; a idade média ao primeiro casamento foi de 35,1 anos para os homens e 33,7 anos para as mulheres.

Da análise dos dados ficamos ainda a saber que, dos casamentos celebrados, 36.151 realizaram-se entre pessoas de sexo oposto (28.508 em 2021) e 801 entre pessoas do mesmo sexo (549 em 2021), dos quais 413 casamentos entre homens e 388 casamentos entre mulheres (287 e 262, respectivamente, em 2021).

<_o3a_p>​Do total de casamentos entre pessoas de sexo oposto, 73,0% (27.175) foram realizados apenas na forma civil, 26,7% (9662) foram celebrados pelo rito católico e 0,3% (115) segundo outras formas religiosas.

Sublinha o INE que, em 68,5% dos casos, os noivos já moravam juntos.

Nesse ano, ocorreram também 49.230 dissoluções de casamento por morte do cônjuge, representando um decréscimo de 1,4% em relação a 2021 (49.908), das quais resultaram 14.385 viúvos e 34.845 viúvas.

Portugal liderou crescimento económico na Europa no primeiro trimestre

Sónia M Lourenço e Carlos Esteves, in Expresso



O Produto Interno Bruto (PIB) português avançou 2,5% em termos homólogos nos primeiros três meses deste ano, o terceiro melhor registo entre os países da União Europeia (UE) para os quais já há dados disponíveis, segundo o Eurostat. Já o crescimento em cadeia, de 1,6%, foi o mais alto da UE


O crescimento da economia portuguesa no primeiro trimestre deste ano surpreendeu pela positiva, superou a média da zona euro e da União Europeia (UE), e foi mesmo um dos mais elevados entre os países da UE para os quais já há dados disponíveis. Os números publicados esta sexta-feira pelo Eurostat mostram que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) português foi a terceira maior em termos homólogos, sendo mesmo a mais elevada em cadeia, ou seja, na comparação com os três meses anteriores.

Olhemos para os números. Nos primeiros três meses de 2023, o PIB português avançou 2,5% em termos homólogos, ou seja, por comparação com o mesmo período do ano passado, indica a estimativa rápida publicada esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e, também, pelo Eurostat.

Este valor é quase o dobro do crescimento homólogo de 1,3% estimado pelo Eurostat tanto para a zona euro como para o conjunto da UE.


A expansão do PIB português no primeiro trimestre deste ano, em termos homólogos, é a terceira maior entre os países da UE para os quais já há dados disponíveis.

À frente de Portugal ficam apenas a vizinha Espanha (3,8%) e a Irlanda (2,6%).

Nota ainda para a Alemanha, que, segundo o Eurostat, ficou no vermelho. Os dados publicados esta sexta-feira pela autoridade estatística da UE indicam que a maior economia europeia caiu 0,1% em termos homólogos nos primeiros três meses de 2023.

CRESCIMENTO EM CADEIA DA ECONOMIA PORTUGUESA FOI O MAIS ALTO DA UE

Numa análise em cadeia, ou seja, por comparação com o trimestre anterior, o desempenho da economia portuguesa nos primeiros três meses deste ano, fica ainda melhor colocado na UE.

O PIB português avançou 1,6%, o que compara com 0,3% no conjunto da UE, e apenas 0,1% na zona euro.


O crescimento em cadeia português foi mesmo o mais elevado entre os países para os quais já há dados disponíveis, segundo o Eurostat.

No extremo oposto ficaram Irlanda e Áustria, com contrações de 2,7% e de 0,3%, respetivamente.

Movimento Erradicar a Pobreza associa-se à manifestação do 1.º de Maio na Madeira

Andreia Dias Ferro, in DNotícias


O núcleo regional do Movimento Erradicar a Pobreza vai associar-se, no dia 1 de Maio, à concentração seguida de manifestação, organizada pela União dos Sindicatos da Madeira, no âmbito do Dia do Trabalhador. Este movimento "apela a todos os que se identifiquem com os nossos princípios que não baixem os braços".

"Continuamos a passar por tempos particularmente difíceis que afectam não só as classes mais desfavorecidas, mas também uma grande parte da classe média", indica o núcleo, acrescentando que "a realidade social na nossa região é dramática, apesar da propaganda oficial passar a mensagem de que vivemos todos bem. Os salários e as pensões não garantem condições de vida digna para fazer face ao brutal aumento do custo de vida, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é cada vez maior".


" As desigualdades acentuam-se cada vez mais e a habitação, direito constitucionalmente consagrado, está por conta dos agiotas e da especulação imobiliária com a conivência dos Governos. O crescimento da desigualdade ameaça deixar para trás de si um legado de pobreza e instabilidade social e económica devastadora", considera.

Deco recebeu sete mil pedidos de ajuda no primeiro trimestre

 in RTP



Só nos primeiros três meses deste ano, o Gabinete de Proteção Financeira da Deco já recebeu sete mil pedidos de ajuda. O número mais alto de sempre registado pelo Departamento de Defesa do Consumidor foi atingido no ano passado.


Em 2022, o aumento do custo de vida levou 31.500 famílias a pedir ajuda à DECO. A crise económica, a inflação elevada e a subida das taxas de juro foram a "tempestade perfeita" para este recorde.

Segurança Social vai distribuir 'tablets' a pessoas com apoio domiciliário

Por Lusa, in Expresso



O objetivo é garantir, através desta ligação, a autonomia de pessoas que estão em casa por motivo de doença ou outro tipo de dependência, explicou a ministra do Trabalho e Segurança Social.


A Segurança Social vai distribuir um tablet às pessoas que são acompanhadas pelo Serviço de Apoio Domiciliário para garantir, através desta ligação, a sua autonomia, anunciou a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

"Neste momento estamos a preparar avisos no âmbito do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para apoio domiciliário 4.0 para garantir que todas as pessoas que estão a ser acompanhadas no âmbito do setor social relativamente a apoio domiciliário, tenham um tablet para garantir que estão sempre ligadas, permitindo que se mantenham nas suas casas completamente autónomos, mas com a segurança de estarem sempre conectadas", disse Ana Mendes Godinho, à margem da cerimónia, em Loulé, distrito de Faro, da cerimónia de inauguração e apresentação do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo (CCEA).

A responsável governamental acrescentou que o tablet "terá naturalmente outros serviços, nomeadamente de monitorização e acompanhamento, até outro tipo de atividade para estimular, mais uma vez, que o envelhecimento ativo e saudável, ainda que muitas vezes à distância, mantém as pessoas ligadas, conectadas a pertencerem a uma comunidade".


Em resposta a uma pergunta dos jornalistas sobre se a Segurança Social iria "distribuir um tablet com um programa específico" para essas pessoas, Ana Mendes Godinho disse que "vai ser isso mesmo".

O Serviço de Apoio Domiciliário presta serviços no domicílio dos utentes, quando estes, por motivo de doença ou outro tipo de dependência, sejam incapazes de assegurar temporária ou permanentemente a satisfação das suas necessidades básicas e/ou realizar as suas atividades diárias.

O serviço permite a prestação de um serviço de proximidade com cuidados individualizados e personalizados, possibilitando assim preservar a família e a casa que constituem para o idoso uma referência importante.

“Talvez, nos próximos anos, a nossa praia já não esteja lá”

Andréia Azevedo Soares (texto), Gabriela Gómez (infografia) e
Tiago Bernardo Lopes (fotografia)
, in Público




Cientistas defendem a adopção rápida de planos de adaptação à subida do mar e de sistemas de aviso precoce de inundações costeiras. O programa europeu Copérnico já está a testar um projecto-piloto.


Quando pensamos em cidades costeiras, desejamos um litoral estanque, uma linha firme, inalterada no tempo. A praia da infância com o mesmo areal, os bares de apoio no sítio do costume e todas construções seguras, anos a fio, apesar de debruçadas sobre o mar. É um sonho inalcançável, sobretudo agora, em tempos de alterações climáticas: o degelo dos glaciares e a expansão térmica do oceano já estão a contribuir para a subida do nível médio do mar. E, por inércia do sistema, assim continuarão. Daí precisarmos com urgência, garantem os cientistas, de planos de adaptação e sistemas de monitorização e aviso precoce.

Ao longo dos últimos dois anos, a investigadora italiana Clara Armaroli liderou um projecto europeu precisamente para criar um mecanismo de aviso precoce capaz de aumentar a resiliência costeira. Chama-se Sistema Europeu de Sensibilização para as Inundações do Copérnico (ECFAS, na sigla em inglês) e envolveu vários países, incluindo Portugal e Espanha. A iniciativa recorre a ferramentas e dados fornecidos pelos satélites europeus do Copérnico, o programa europeu de observação terrestre.


“Desenvolvemos um instrumento que pode ser um candidato a um sistema de aviso precoce costeiro europeu. Está concluído, mas agora precisa de passar por várias etapas antes de uma possível e futura implantação. Criámos várias ferramentas algorítmicas e produtos que vão ser entregues em breve, após esta fase final de revisão do projecto”, explica ao PÚBLICO Clara Armaroli, professora do Departamento de Geologia da Universidade de Bolonha, em Itália, especializada em Geomorfologia e Dinâmica da Costa. Quando começou a liderar o projecto europeu, a investigadora ainda trabalhava na Escola Universitária de Estudos Avançados de Pavia, Itália, que é a instituição responsável pela coordenação do ECFAS.

Os satélites do programa Copérnico já fornecem hoje dados sobre a iminência de eventos climáticos extremos, tais como episódios de seca hidrológica, incêndios florestais e até inundações fluviais. Contudo, o sistema europeu ainda não contempla a previsão de inundações costeiras. E é neste ponto que o trabalho coordenado por Clara Armaroli pode fazer a diferença.

“O sistema já está a funcionar, mas ainda não está aberto ao público. Acreditamos que este é um passo muito importante, é o primeiro sistema do género ao nível europeu. Existem sistemas de aviso precoce, mas tendem a focar-se apenas na parte marinha, ao passo em que o ECFAS vai um pouco mais longe: olhamos para a dimensão e o impacto da tempestade, a área propensa a ser inundada se ocorrer uma tempestade marinha e, por fim, o efeito da erosão”, explica Clara Armaroli numa videochamada.

O objectivo é que as pessoas que residam, ou trabalhem, numa determinada zona em risco possam ser avisadas da probabilidade de cheias com cinco dias de antecedência. O aviso permite uma evacuação planeada das áreas inundáveis, sem sobressaltos. Uma vez que os eventos climáticos extremos tendem a ficar mais intensos e frequentes, os sistemas de aviso precoce passam a ser um instrumento crucial para enfrentar os desafios da mudança do clima.

Calcula-se que cerca de 100 mil pessoas na União Europeia estejam anualmente expostas a inundações costeiras. Estes fenómenos podem significar, em média, custos anuais de 1,4 mil milhões de euros. Se nada fizermos no que toca a medidas de adaptação, os impactos até 2100 podem afectar mais de 1,6 milhões de pessoas e causar prejuízos superiores a 210 mil milhões de euros, indicam dados europeus.

“Os sistemas de aviso precoce têm estado no centro de acontecimentos importantes como a Cimeira do Clima [que decorreu no Egipto em 2022]. Quando estes instrumentos estão a funcionar, é possível prepararmo-nos para manter a população segura. As pessoas sabem que um desastre está prestes a ocorrer, podem mudar-se para outro sítio e [as autoridades] podem tomar medidas de protecção. Se trabalharmos na preparação, as pessoas saberão comportar-se perante de um desastre”, explica a investigadora italiana.

A ideia deste futuro sistema não é que este se sobreponha aos instrumentos de protecção civil locais, mas que forneça previsões para apoiar os sistemas regionais e nacionais que já existem nos países na União Europeia, a exemplo do que acontece com as demais previsões do serviço de gestão de emergências do programa Copérnico.

Estuários, o calcanhar de Aquiles

Da foz do rio Minho à do Guadiana, Portugal conta com cerca de 950 quilómetros de costa. Com a subida do nível do mar, o litoral enfrenta riscos acrescidos no que toca à erosão costeira, à perda de território e aumento das inundações. O investigador João Miguel Dias, professor catedrático da Universidade de Aveiro, acredita que o calcanhar de Aquiles português não será tanto as praias, mas as zonas estuarinas.


O cientista do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) recorda que, no cenário mais pessimista para 2100, a subida do nível médio do mar prevista pelo sexto ciclo de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) para a costa portuguesa é de 79 centímetros – o que equivaleria à altura de um bebé de 18 meses. E, no melhor dos cenários, 43 centímetros (ambas as estimativas têm como cenário-base 1995-2014).

“Isto não vai trazer uma grande perda de território em termos de praias, porque estas já estão a sofrer uma erosão a uma taxa muito superior. Não é uma situação de drama e horror. É preocupante, sim, mas que já existe sem as alterações

climáticas”, defende João Miguel Dias, especialista em Inundações Costeiras e Hidrodinâmica Estuarina.

Em Portugal, refere o cientista do CESAM, temos como zonas com maior risco o estuário da ria de Aveiro, da ria Formosa, do Mondego, do Tejo e do Sado. “Estes cinco estuários/lagunas estarão mais em risco porque estão rodeados por zonas topográficas com um relevo muito baixo, ou seja, zonas marginais planas. Aqueles tais 79 centímetros podem ser suficientes para alagar parte destas zonas”, afirma João Miguel Dias, referindo-se ao pior cenário do IPCC.

Um estudo do CESAM, publicado em 2022 na revista científica Scientific Reports (do grupo Nature), mostra que “inundações com período de retorno de 100 anos podem impactar directamente quase 23.000 e 35.000 moradores no horizonte de médio e longo prazos, respectivamente”, nos cinco estuários de maior risco. Dessa população, a maior parte (77%) mora nas regiões próximas à ria de Aveiro e Tejo (51% e 26%, respectivamente), ao passo que os restantes 23% vivem nas margens do Sado, da ria Formosa e do Mondego.

Nos cenários desenhados no estudo, grande parte do território inundável está hoje vocacionado para a agricultura. “Nos sistemas estuarinos das rias de Aveiro, do Tejo, Sado e Mondego, as cheias afectam maioritariamente as áreas agrícolas (63%, 65%, 73% e 85% da área total, respectivamente), ao passo que, na ria Formosa, a categoria áreas florestais e seminaturais é a mais afectada (68%)”, refere o estudo do qual João Miguel Dias é co-autor, sendo a cientista Carina Lopes a primeira autora.

A subida do nível médio do mar não é o único factor a ter em conta em possíveis cenários de inundação.


João Miguel Dias recorda que os sistemas estuarinos estão condicionados pela maré, por exemplo, e também pela descarga fluvial – que, como depende das operações nas barragens, traz uma componente de incerteza.

E é essa incógnita, garante o docente, que dificulta que se faça uma monitorização em tempo real da água.

“Temos de estar cientes disso: a maior parte dos estuários portugueses não tem qualquer sistema de monitorização, não tem estações permanentes de medição do nível da água, muitos não têm estações permanentes de medição em tempo real da descarga fluvial (que é um factor muito importante). Estes dados não estão disponíveis. Obviamente que, depois, se torna muito difícil ter qualquer modelo em cima do estuário, considerando que não há informação sobre um factor importante, que é a descarga”, afirma o professor catedrático da Universidade de Aveiro.

Carina Lopes sublinha ainda a importância de haver um sistema capaz de avisar a população. “O território artificializado [com construções urbanas] ameaçado não é muito extenso, mas acaba por ter mais valor, porque tem valor social. Nos estuários, não é [expectável] uma perda permanente [de território], mas poderá colocar pessoas em risco”, afirma a cientista, numa videochamada com o PÚBLICO.


A intrusão salina

Além da importância da instalação de estações de monitorização de sistemas – uma “cruzada” que João Miguel Dias diz travar “há quase 20 anos” –, a equipa da Universidade de Aveiro mostra-se preocupada com um aspecto “negligenciado” quando o assunto é a subida do nível médio do mar: a intrusão salina.

Os estuários são o lugar onde os rios se encontram com o mar ou, por outras palavras, zonas de mistura de água doce e água salgada. Se no futuro vai subir o nível médio do mar – e as previsões científicas são categóricas sobre isso –, tudo indica que passe a entrar mais água salgada nos estuários, que tende a avançar mais em direcção ao interior. Havendo alagamento de zonas marginais, os solos afectados tendem a ficar salinizados e inférteis.

A intrusão salina também tem impacto na biodiversidade. Se vamos ter no futuro uma alteração no gradiente de salinidade, as zonas estuarinas que tipicamente são banhadas por água salobra passarão a receber água mais salgada. Ou seja, as zonas de água doce e salobra passarão a ser muito exíguas nesses estuários, o que constitui uma péssima notícia para as espécies estuarinas. Os animais com menor tolerância à salinidade “estarão claramente em risco e ficarão confinados a zonas muito restritas”, sublinha João Miguel Dias.

Ao contrário das populações e das actividades económicas, que podem beneficiar de sistemas de aviso precoces e medidas de protecção, as diferentes espécies que habitam os estuários não têm para onde fugir. Acabam por ser, de algum modo, o elo mais fraco da subida do nível médio do mar.

“No caso da intrusão salina, não vejo nada que impeça que ela aumente no futuro. Podemos proteger campos agrícolas, mas em termos de ecologia de estuários não vejo forma de haver protecção [contra a subida do nível médio do mar]”, lamenta o professor da Universidade de Aveiro.

Mas a erosão não é natural?

A subida do nível do mar está longe de ser a causa principal da erosão costeira, embora a aceleração deste fenómeno seja mais uma das consequências da mudança do clima. “O problema principal da erosão costeira em Portugal não são as alterações climáticas. As alterações climáticas poderão acelerar ligeiramente – e aqui estou a falar de 5 a 10% – a erosão costeira. Mas apenas ligeiramente. A perda de território acontece na nossa costa Oeste devido ao défice sedimentar provocado pelas barragens e pela artificialização de todo o rio”, explica João Miguel Dias.

A erosão é um fenómeno natural – o mar avança e recua e causa um desgaste natural. Até aí, não há grande novidade. O oceano sempre foi este “ser antigo e violento” que “rói os pilares da terra”, como escreveu, nos anos 60, o escritor argentino Jorge Luís Borges.


Contudo, com a ocupação humana maciça – da habitação à agricultura, passando por infra-estruturas turísticas, industriais e portuárias –, surgiram desequilíbrios que agravaram a erosão da costa. Quando construímos uma barragem, quando varremos o fundo de um rio à procura de areia, quando desviamos cursos de água, quando erguemos um equipamento portuário, estamos a alterar a movimentação de sedimentos em direcção à costa.

As barragens, como o próprio nome sugere, constituem grandes obstáculos não só à vida aquática, mas também ao transporte de inertes. Areias que são filtradas pelas barragens são, na prática, materiais que deixaram de ser depositados no litoral. Se tivermos em mente que Portugal possui cerca de 260 barragens ao longo dos cursos fluviais, não é muito difícil imaginar a montanha de areia que deixa de chegar ao litoral.

O problema da erosão costeira não se resume às barragens, claro está. É um fenómeno complexo e que envolve vários factores. Há também, por exemplo, dragagem de areias em estuários e zonas junto à foz de rios próximos de portos com grande actividade. O objectivo é garantir navegabilidade e segurança das operações portuárias. Os inertes “roubados” à foz dos rios seguem, na maioria das vezes, para o sector da construção, contribuindo ainda mais para o “empobrecimento” da costa.

Alimentar as praias

Quando a erosão chega a um ponto preocupante, é possível avançar com a reposição artificial de inertes. Foi precisamente o que aconteceu, em 2008, na Costa da Caparica, onde foi despejado um milhão de metros cúbicos de areias dragadas na Foz do Tejo. Ou na Figueira da Foz, mais recentemente. Estas soluções não são definitivas. Com o tempo, o areal vai voltar a emagrecer e é necessário realimentar as praias.

Entre 1950 e 2017, houve 134 intervenções de alimentação de praias, a maioria com o objectivo de “melhorar a estabilidade do litoral, como medida de mitigação da erosão costeira, e para aumentar a largura da praia para uso recreativo”, refere um estudo que tem como primeiro autor o geólogo costeiro Celso Aleixo Pinto.

O problema desta medida de mitigação é que, de algum modo, despejar areia numa praia hoje equivale a uma tarefa de Sísifo: é um esforço contínuo. As alterações climáticas só vêm acrescentar mais uma camada de complexidade ao problema: com a subida do nível médio do mar, que deve acelerar nas próximas décadas, o areal tende a desaparecer mais rapidamente. Podemos ganhar tempo, mas é irrealista querer fixar o areal.

“Precisamos de pensar na areia como um recurso não-renovável. Encontrar areia para nutrir as praias não é uma tarefa fácil, o reservatório não é finito e podemos ter muita dificuldade em encontrar a areia certa a um preço que possamos pagar. Não se pode usar qualquer tipo de areia para todas as costas – umas são compatíveis e outras não. Os governos devem considerar investir cada vez mais na alimentação das praias, pois as tempestades intensas estão a tornar-se mais frequentes devido às alterações climáticas. Não é apenas uma questão de magnitude, é de frequência também”, avisa Clara Armaroli.


Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), concorda que esta medida tenderá a ficar cada vez mais cara e escassa. E sublinha que, em Portugal, continua a ser uma das mais apreciadas entre os decisores políticos porque não exige decisões impopulares como a relocalização de edifícios.

“Resolver o problema da praia é fácil. Actualmente, estamos a usar areia que é extraída da dragagem do rio Tejo, mas vai começar a haver cada vez menos disponibilidade. Quando não for suficiente, vamos ter de ir offshore buscar areia ao fundo do mar, o que vai ser ainda mais custoso. Mas ainda temos alguma solução para a zona costeira, a parte difícil será a das zonas de águas interiores”, acredita o professor do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia da FCUL, que liderou o projecto SNM Portugal.

O docente destaca o problema de lidar com áreas inundáveis onde há uma malha urbana densa, incluindo casas de primeira habitação e prédios de propriedade horizontal, o que pode envolver múltiplos proprietários, contratos de longa duração e empréstimos a algumas décadas. “Demolir um edifício e deslocar aquelas pessoas dali é extremamente complicado, até do ponto de vista jurídico. Deslocar alguns pescadores, como se fez em Esmoriz, é fácil, são habitações unifamiliares de baixo custo”, afirma Carlos Antunes.

O cientista da FCUL defende que, “face a ameaças incertas, a melhor estratégia é a acção imediata.” São “urgentes”, portanto, planos de adaptação para as zonas baixas e rasas que estão muito expostas. Por exposição, os cientistas querem dizer locais que estejam simultaneamente vulneráveis e densamente ocupados (seja por pessoas, seja por património edificado).

Ciclos políticos curtos não travam as águas


Carlos Antunes dá como exemplo o centro histórico de Olhão, no Algarve, uma zona que necessita “urgentemente” de medidas de mitigação que, segundo o cientista, “não têm sido equacionadas nos últimos anos, visto que estas zonas sofreram grandes obras de requalificação sem considerarem esta perigosidade”. Os ciclos políticos de quatro anos, contudo, condicionam a tomada de decisões impopulares ou onerosas.

“A subida das águas não vai parar em 2100, nem nos próximos séculos. Precisamos muito de planos de adaptação a longo prazo, mas temos o problema de ciclos políticos curtos. Nenhum político quer colocar restrições de novas construções no Plano Director Municipal tendo em mente um evento que só vai acontecer daqui a 50, 100 anos”, afirma ao PÚBLICO numa videochamada.


Depois de produzir uma cartografia de vulnerabilidade costeira, que permite visualizar os pontos frágeis da costa, a equipa de Carlos Antunes quer agora compreender melhor como as populações podem ser afectadas pela subida do nível do mar. No mapa interactivo do projecto SNM Portugal, concluído há seis anos, estimava-se que cerca de 225.000 pessoas viveriam em áreas costeiras vulneráveis à subida do nível médio do mar, em Portugal continental, num cenário probabilístico para 2100. Mas este valor pode ser bem maior, uma vez que os cálculos se basearam em dados oriundos dos censos de 2011.

“Estamos a pegar em todos os dados do INE [Instituto Nacional de Estatística] e a fazer projecções demográficas para o futuro, já com base nos censos de 2021. Nós sabemos que as populações estão a migrar do interior para o litoral. E, portanto, nós vamos ter muito mais edifícios, existindo uma pressão muito maior nestas zonas que já estão sobrecarregadas de malha urbana, e que nós já identificámos como susceptíveis de inundação”, explica Carlos Antunes, especialista em avaliação da vulnerabilidade e do risco costeiro.

Se olharmos para o mapa de Portugal, à luz dos cálculos da equipa de Carlos Antunes, conseguimos identificar rapidamente onde estão as áreas mais vulneráveis: os distritos de Lisboa, Aveiro e Faro lideram a lista de risco de inundação. O cientista argumenta que estes dados científicos já deviam estar a apoiar tomadas de decisão nas autarquias, a exemplo do trabalho que já está a ser feito em Lisboa, Loulé e, agora, Almada.

“Lisboa já proibiu a construção de edifícios junto à zona ribeirinha que tenham a cota soleira abaixo dos 3,80 metros. O próprio terreno do Hospital da CUF já foi elevado, mas há outros edifícios. Mas, se mudar a cor da câmara, já não sei o que os outros vão fazer no futuro. Precisamos de um pacto político nacional, com todas as forças políticas e a sociedade, primeiro para nos comprometermos a não aumentar a ocupação das zonas já identificadas como vulneráveis e, depois, para ter planos para adaptar sobre o que lá está”, defende o cientista da Universidade de Lisboa.

Perante a informação facultada pelos cientistas, os decisores políticos têm de fazer contas e escolhas. Investe-se em custos de realojamento? Compensa-se o encerramento de uma actividade económica da qual dependem muitas famílias? Aposta-se na protecção através de obras de engenharia (o que acarreta perda de património natural)? “No fim de contas, é sempre uma decisão política”, conclui Carlos Antunes.

Entre as medidas de adaptação disponíveis estão as de recuo ou relocalização das infra-estruturas – a menos adoptada –, ou então medidas de protecção que podem ser tanto ligeiras como pesadas. A ligeira consiste na alimentação artificial da praia ou de cordões dunares, enquanto a outra forma de protecção passa pela construção de paredões, enrocamentos, esporões ou molhes portuários.

Soluções inspiradas na natureza

Existem ainda soluções baseadas na natureza, que são aquelas que permitem que a vegetação ou mecanismos naturais sejam, eles próprios, uma barreira ou estrutura de protecção. Através da restauração de sistemas naturais junto à costa, como lagoas ou outros ecossistemas que funcionem como um “escudo” entre a linha de mar e a zona construída, é possível lidar com a subida do nível médio do mar com maior flexibilidade.

“Estas estruturas baseadas na natureza são muito importantes no combate às alterações climáticas. Além de aumentar a resiliência das zonas costeiras, são um sumidouro de carbono, conseguem armazenar por metro quadrado mais do que as florestas tropicais. Ao contribuir para a protecção dos sapais, por exemplo, estamos a proteger as nossas áreas marginais e a reter carbono que, de outro modo, iria para a atmosfera. Na ria de Aveiro, isto é muito importante porque os sapais têm sido degradados. Estas plantas têm sido cada vez mais danificadas e têm desaparecido”, explica ao PÚBLICO a investigadora Carina Lopes.

Clara Armaroli também faz o elogio das soluções inspiradas na natureza. “Enquanto cientista costeira, a minha opinião é: o que é possível deslocar-se para outro sítio, deve ser deslocado, para que a natureza se desenvolva livremente e para evitar a construção de infra-estruturas ao longo da costa”, refere a investigadora italiana, avisando, contudo, que “a natureza precisa de tempo”.

Se queremos ter uma duna, temos de dar tempo à natureza para agir. Os sistemas naturais como medidas de protecção têm de ser planeados, e isso exige que diferentes gerações de decisores políticos abracem estas soluções. E que saibam esperar. “Esta é a única maneira de de agir perante a subida do nível do mar e as mudanças climáticas. Claro que a alimentação das praias é sempre uma opção melhor do que erguer um paredão, mas a areia não é eterna. E a boa areia não estará disponível para sempre”, recorda Clara Armaroli.

A areia não dura para sempre, do mesmo modo que nenhuma paisagem é perpétua. O mar não vai parar de subir; a praia a que nos habituamos vai mudar. Para Clara Armaroli, esta é uma aprendizagem que todos nós precisamos de reter.

“As pessoas vão à praia como se o areal nunca fosse mudar. Todos os anos, no Verão, esperam encontrar as mesmas pessoas, a mesma praia e as mesmas actividades de lazer. Essa perspectiva tem de mudar. Talvez, nos próximos anos, a nossa praia já não esteja lá. As pessoas precisam entender que o nosso relacionamento com a costa se está a transformar. Há décadas que o homem vem afectando as áreas costeiras de diferentes formas – e, aqui, falo do ponto de vista geomorfológico. Não vamos poder segurar a linha de costa para sempre”, remata a cientista.

Trabalhar dentro do prazo de longevidade

in Expresso



Emprego: começar um negócio depois dos 50 anos não é tarefa fácil. Há poucos incentivos no sector público, mas no privado existem associações que dão apoio ao empreendedorismo sénior. Para quem arrisca, a idade da reforma é apenas um número


Depois de 30 anos a trabalhar na filial portuguesa de uma empresa internacional, a colombiana Blanca Silva foi despedida juntamente com 24 colegas, todos altos quadros, bem remunerados. Aos 53 anos aconteceu o impensável: estava inscrita no IEFP, a receber subsídio de desemprego. Desassossegada por natureza, foi através de uma formação para criação do próprio emprego que arriscou tudo: solicitou o valor antecipado dos três anos das prestações de desemprego para abrir a empresa com que sonhava desde miúda. Oriunda de uma família de empreendedores, apostou tudo no café. “Visitei quintas que conhecia desde criança na Colômbia e decidi trazer o negócio para Portugal.”

Iniciar um negócio quando se está perto da reforma implica, entre várias coisas, disponibilidade mental, física e capital. O chamado trabalho sénior é um problema diagnosticado em Portugal. Ainda recentemente, há três anos, o Governo decidiu implementar um programa de pré-reforma, para “refrescar” os seus quadros. E quando o exemplo vem de cima, poucas são as empresas capazes de reter o talento dos seus funcionários que não querem passar à reforma, “tornando-se socialmente inúteis de um dia para o outro”, como diz Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento. Existem, no entanto, exceções, pessoas que decidem recomeçar quando o tempo lhes parece fugir. É assim que conseguem fintar os problemas normalmente associados ao envelhecimento, como a degeneração cognitiva, o isolamento e as dificuldades financeiras.

Foi isso que Blanca fez: meteu-se num avião para a Colômbia já com a ideia de criar uma marca de café que não existia em Portugal. “Não queria apenas ganhar dinheiro. Quis montar um negócio que fosse bom para os agricultores colombianos. Percebi que uma chávena de café na Europa, faz uma família na Colômbia”, conta a fundadora dos Nena Selected Coffee, assim batizado por ser o nome que lhe chamavam desde criança.

“Capital de experiência não está valorizado”

É destes casos que Portugal poderá vir a contrariar uma estatística demográfica que parece irredutível: atualmente existem 2,1 milhões de portugueses com mais de 65 anos, com uma população ativa, entre os 20 e os 64 anos, de pouco mais de 6 milhões. Problema: com a transição demográfica e o envelhecimento galopante, estima-se uma redução de um terço das pessoas que trabalham, dentro de 40 anos.

“Uma das áreas que estamos agora a pensar é de como podemos promover uma transição mais suave do mercado de trabalho para a vida inativa. Como sabemos, isso é gerador de grandes problemas. Temos refletido e queremos trabalhar como modelo das organizações, do ponto de vista do empregador. Porque o capital de experiência não está valorizado”, disse ao Expresso o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes. “Prevemos uma diminuição do tempo trabalhado e uma alteração do perfil das próprias funções. É um trabalho de estudo que estamos a iniciar. Há aqui um conjunto de pessoas, com quem todos temos a ganhar, se puderem fazer a transição de uma forma menos abrupta, valorizando a experiência e o capital humano. Não é porque uma pessoa passou à reforma que se torna socialmente inútil. Há um conjunto de atividades — e aqui não se inclui o voluntariado — que podem ter algum enquadramento profissional. Mas isso é tudo novo, a lei é muito rígida, ou tem rendimentos de trabalho ou da pensão de reforma. É isto que temos em cima da mesa, equacionar uma política que favoreça o envelhecimento ativo.”

Sonhos sem prazo

Blanca associou-se a um empresário francês para vender o seu café no Delikaffe, um espaço situado na Avenida de Roma, em Lisboa. É dali que sai o seu arábica, com pouca torra ou verde, para clientes e empresas de cafetaria. “Estou lá há três meses. Antes de chegar, vendia-se apenas cafés comerciais. Abri também um site para vender kombucha, uma bebida feita a partir de chá preto ou verde, com polpa de fruta e que não precisa de açúcar”, conta. Mas o processo não foi simples: recebeu o adiantamento de €25 mil do IEFP “com a sensação de ter uma guilhotina na cabeça”. “Não posso considerar um apoio, mas um empurrão. O valor é um sopro para o primeiro trimestre. Se corresse mal, azar”, diz a colombiana a viver em Portugal desde 1989. A idade teve peso na ideia de negócio? “No meu país de origem a idade não significa nada: se surge uma oportunidade, nem se pergunta.”

Esta é também a filosofia da Fundação AEP, que esta semana organizou uma conferência precisamente sobre o empreendedorismo sénior. “A transição demográfica deve fazer-nos pensar em formas de aproveitar a experiência de pessoas que já têm muitos anos de trabalho e que podem dar das suas capacidades. Hoje as pessoas vivem mais anos e com mais qualidade de vida, chegam aos 60 com uma vitalidade que não existia”, afirmou o presidente da fundação, Luís Miguel Ribeiro. O objetivo do evento era sobretudo a partilha de experiências entre empreendedores jovens e seniores. “É uma resposta aos desafios colocados pela transição demográfica e um desafio aos decisores políticos para olharem para esta questão do trabalho sénior.”

Conceição Pinto, ex-professora primária, já era uma sénior quando decidiu abandonar o ensino para seguir uma vocação de família. Filha de um alfaiate, dedicou mais de 30 anos à escola primária, até que decidiu abrir uma loja de roupa, muito ao estilo dos velhinhos pronto a vestir. “Tinha 55 anos quando decidi mudar radicalmente de vida. Não foi uma mera questão financeira, foi mesmo a concretização de um sonho. Costumo dizer ao meu marido que os sonhos não têm prazo de validade. Sem vaidade, acho que sou a prova disso.”.

P&R
Existem incentivos públicos ou privados ao empreendedorismo sénior?

Sim. No sector público estes incentivos estão disponíveis no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), numa lógica de criação do próprio emprego, apenas para quem se encontra inscrito ou beneficie de subsídio de desemprego. Entidades privadas, como a Fundação AEP, também dão apoio ao empreendedorismo sénior.
Quais os financiamentos disponíveis para a criação de uma empresa depois dos 50?

O financiamento bancário é sempre uma possibilidade, embora a idade seja um fator negativo a ter em conta para quem quer ser um empreendedor sénior. No sector público, o IEFP disponibiliza o Programa Nacional de Microcrédito, para financiar projetos com investimento e financiamento de pequeno montante, mas é dada prioridade aos beneficiários com idades entre os 16 e os 34 anos.


O Centro de Competências para o Envelhecimento Ativo e Saudável contribuirá para mais empreendedorismo sénior?



Embora não esteja limitado a uma idade em particular, o projeto do Governo pretende recrutar sobretudo profissionais ligados à área da saúde — como cuidadores informais ou auxiliares — para reverter o desemprego e voltarem à vida ativa.
BEST OF DOS TEXTOS DE LONGEVIDADE NO SITE

É preciso investir na literacia dos médicos para uso da tecnologia. Portugal tem uma taxa de fertilidade insuficiente para renovar gerações. E já existem receitas de ginástica e dança

Inovação Hoje existe tecnologia para prever as doenças que vamos ter ao longo da vida. A comunidade científica internacional tem feito uma enorme aposta nas áreas da biotecnologia e biomedicina. O problema é fazer chegar a inovação aos hospitais e médicos.

Fertilidade Apesar do aumento da esperança de vida, Portugal é dos países com menor taxa de fertilidade. Segundo dados da ONU, o valor de 1,4 é insuficiente para substituir gerações. 23% dos portugueses têm mais de 65 anos e 38% estão na faixa etária entre os zero e os 24 anos.

Ginástica é um dos fatores que melhora a saúde. A prescrição social chegou a Portugal em 2018 para aumentar a qualidade de vida e o bem-estar. Como? Através de receitas para dançar e fazer ginástica.

Veja tudo AQUI.

Longevidade

É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante o ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.

Textos originalmente publicados no Expresso de 28 de abril de 2023

Estudar fora do país? Só um número muito baixo de estudantes carenciados consegue fazê-lo

Clara Viana, in Público online

Relatório da rede Eurydice informa que Portugal se comprometeu a que, dos seus estudantes em mobilidade em 2022/2023, 2% seriam de meios desfavorecidos.

A concessão de apoios a estudantes de meios desfavorecidos para que estudem fora do país, durante um certo tempo, é o indicador com pior desempenho dos seis definidos pela Comissão Europeia para avaliar a mobilidade internacional entre os alunos do ensino superior. Portugal não constitui excepção, mostra um relatório da rede europeia Eurydice divulgado nesta quinta-feira.

“O indicador relativo aos apoios à participação dos estudantes de meios desfavorecidos é o que revela uma maior necessidade de progresso. Neste critério, a larga maioria dos sistemas de educação europeus está nas categorias laranja e vermelha [as últimas do código de cores utilizado nesta avaliação] e apenas quatro conseguem chegar às duas primeiras”, descreve-se no relatório Mobility Scoreboard: Higher education background report – 2022/2023.

Portugal é um dos 14 países europeus alinhados na categoria amarela, a terceira deste código de cores, o que significa que tem em prática duas das quatro medidas seleccionadas para avaliar este indicador. No caso, a concessão de apoios financeiros aos estudantes de meios desfavorecidos para que possam, também eles, ter experiência de mobilidade internacional e a existência de recomendações às instituições do ensino superior para desenvolverem medidas neste âmbito.

Em concreto, Portugal definiu como meta que dos estudantes em mobilidade internacional em 2022/2023, 2% teriam de ser oriundos de meios desfavorecidos, aponta-se no relatório. Outros países que também estabelecerem metas anuais apontaram mais alto. Por exemplo, a Grécia pôs a fasquia nos 20%. Quanto às recomendações no sentido de as instituições do ensino superior promoverem a mobilidade internacional dos estudantes carenciados, refira-se que surgiram apenas em 2021 no âmbito do programa Erasmus+ e da Estratégia Nacional para a Inclusão de Pessoas com Deficiência.

As outras duas medidas seleccionadas para avaliar a participação de estudantes de meios desfavorecidos em programas de mobilidade são a definição de objectivos a longo prazo e uma monitorização rigorosa das taxas de participação naqueles programas. Segundo se aponta nesta avaliação, ambas são inexistentes em Portugal.

Aliás, a fixação de objectivos a longo prazo neste âmbito é uma “raridade” nos países europeus: actualmente só existe na Áustria. Já quanto à segunda medida, apenas sete têm sistemas de monitorização rigorosos que permitem traçar um retrato da real participação dos estudantes carenciados nos maiores programas de mobilidade internacional.

No conjunto, a avaliação deste indicador mostra que, “apesar de a maioria dos sistemas educativos europeus providenciar apoio financeiro, não tem como objectivo estratégico aumentar a participação dos estudantes carenciados nos programas de mobilidade”, destaca-se no relatório da rede Eurydice.

Este relatório de avaliação é o terceiro a ser publicado e será o último no âmbito da recomendação Juventude em Movimento, aprovada em 2011 pelo Conselho Europeu.

Apoios seguem os alunos?

A avaliação mostra que os sistemas educativos europeus “saem-se relativamente bem nos indicadores relativos à aprendizagem de línguas estrangeiras e ao reconhecimento dos estudos realizado no estrangeiro através dos ECTS, os créditos instituídos pela reforma de Bolonha. São dois dos quatro “amarelos” reportados a Portugal. Os outros dois dizem respeito aos indicadores relativos aos apoios aos estudantes carenciados e ao reconhecimento automático de qualificações obtidas no estrangeiro.

Portugal é ultrapassado, neste último indicador, pela maioria dos outros países que se encontram alinhados na categoria verde escuro, onde se agrupam os sistemas que cumprem todos os critérios tidos em conta para a avaliação. O mesmo acontece no que respeita ao indicador relativo à “portabilidade dos apoios concedidos” aos alunos no seu país de origem, ou seja, ao facto destes acompanharem os estudantes durante a experiência de mobilidade internacional. Esta é uma das duas áreas em que Portugal tem pior desempenho, ficando assim arrumado na cor laranja já que são poucos os critérios de avaliação aqui aplicados.

No relatório justifica-se esta classificação pelo facto de Portugal impor “restrições” à portabilidade dos apoios, limitando nomeadamente a sua aplicação aos programas de intercâmbio como o Erasmus+.

A outra área laranja para Portugal é a que respeita à informação e aconselhamento sobre os programas de mobilidade e as características dos outros sistemas de ensino europeus, considerados vitais para uma experiência bem-sucedida. Dos quatro critérios abrangidos por este indicador, entre os quais figuram o de haver estratégias nacionais de informação ou portais de informação centralizados, Portugal apenas cumpre um: o do envolvimento de pessoas que passaram por programas de mobilidade internacional em iniciativas dedicadas a esta temática.

Patrões vão poder verificar veracidade de baixas de curta duração no portal do SNS 24

Alexandra Campos, in Público online

Autodeclaração de doença até três dias será pedida no SNS 24. Trabalhadores recebem um código através de SMS ou e-mail que facultam à entidade patronal para que esta verifique veracidade.

É uma medida que vai facilitar a vida aos cidadãos e evitar milhares de consultas médicas. A partir da próxima segunda-feira, os trabalhadores deixam de ter que ir ao médico pedir uma baixa por doença de curta duração (até três dias), bastando uma autodeclaração sob compromisso de honra para justificar a sua ausência, que passam a poder pedir no portal do SNS 24.

Mas há limites — apenas será possível fazer isto duas vezes por ano — e a entidade patronal vai poder verificar "a veracidade" da autodeclaração de doença do trabalhador no SNS 24, explicou ao PÚBLICO os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), que desenvolveu os serviços necessários para a entrada em vigor desta medida, que abrange “qualquer trabalhador com idade igual ou superior a 16 anos já a partir do próximo dia 1 de Maio”.

A autodeclaração de doença — que resulta de uma alteração ao artigo 254.º do Código do Trabalho e é uma das medidas incluídas no pacote da Agenda para o Trabalho Digno aprovado na Assembleia da República — permite justificar a ausência e substituir o certificado de incapacidade temporária emitido por um médico nos primeiros três dias de doença.

A medida permitirá aliviar a carga de trabalho burocrático dos médicos, uma vez que se estima que, por ano, são agendadas cerca de 600 mil consultas para emissão da incapacidade temporária para o trabalho no período até três dias.

A baixa pode ser de apenas um dia ou dois e não implica custos para o Estado nem para a entidade patronal, dado que o trabalhador não recebe salário nem subsídio por doença neste caso, servindo o atestado médico passado nos centros de saúde apenas para evitar faltas injustificadas.

Haverá três formas alternativas de solicitar a autodeclaração de doença: o trabalhador pode pedi-la na área pessoal do Portal do SNS 24, na App SNS 24, ou ainda, na impossibilidade de emissão digital, através da Linha SNS 24 (808 24 24 24).

Caberá depois ao trabalhador comunicar à entidade patronal a ausência por doença, facultando-lhe o código de acesso que recebeu através de SMS ou e-mail na sequência da emissão da autodeclaração, especifica a SPMS.

Se a entidade patronal quiser "confirmar a veracidade da autodeclaração", poderá aceder ao portal do SNS 24 "e confirmar se é válida", preenchendo os respectivos dados, acrescenta.
Baixas passadas por médicos privados

Aprovada na Assembleia da República em Fevereiro passado com os votos favoráveis do PS e do Bloco de Esquerda, esta medida resulta da transposição para o Código do Trabalho de uma prática iniciada durante a pandemia, altura em que a linha SNS 24 passou a emitir as baixas por doença relacionada com a covid-19 ou as justificações por isolamento profiláctico sem necessidade de as pessoas irem ao médico.

Na sequência das críticas do ex-bastonário da Ordem dos Médicos, o PS alterou a proposta inicial — ficou definido que a autodeclaração tem que ser feita sob compromisso de honra do trabalhador e apenas pode ser emitida quando a doença não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.

O novo mecanismo foi sugerido pelo director executivo do SNS, Fernando Araújo, que, em entrevista à SIC no início de Janeiro, adiantou que estava a ser ponderado, enfatizando que se tratava de uma alteração “solicitada há mais de 20 anos”.​

Mas Fernando Araújo quer ir ainda mais longe para facilitar a vida aos cidadãos. Na semana passada, na apresentação do Índice de Saúde Sustentável, revelou que o Ministério da Saúde está a trabalhar com a Segurança Social para que os certificados de incapacidade temporária (de maior duração) possam ser passados nas urgências dos hospitais e também pelos médicos privados, além dos médicos de família nos centros de saúde. “Não faz sentido que o doente, depois de ir às urgências, tenha de se deslocar ao seu centro de saúde para pedir o certificado de incapacidade temporária”, justificou.

Adiantou ainda que outra medida que está a ser preparada é o alargamento dos prazos dos atestados médicos. “Há doentes que, por exemplo, tiveram um AVC e que já sabem que vão ficar mais tempo sem poder trabalhar. Não faz sentido, também, obrigá-los a ir todos os meses ao centro de saúde”.

Conselho de Ministros aprova pagamento de meia pensão aos bancários

Por Lusa, in Público online

Reformados bancários dos fundos de pensões privados da banca vão receber um valor equivalente a meia pensão, numa medida que abrange mais de 50 mil pensionistas.

O decreto-lei que vai permitir o pagamento da meia pensão aos pensionistas do sector bancário foi aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros, segundo um comunicado publicado no portal do Governo.

“Foi aprovado o decreto-lei que cria o complemento excepcional para pensionistas do sector bancário”, refere o comunicado emitido após a reunião, que decorreu em Algés.

“Por razões justiça e de equidade, concretiza-se uma solução jurídica que alarga aos pensionistas do sector bancário o complemento excepcional a pensionistas atribuído em Outubro de 2022 no âmbito das medidas de apoio às famílias para mitigação dos efeitos da inflação”, acrescentou o executivo no documento.

O diploma foi aprovado cerca de dois meses depois da assinatura de um memorando de entendimento entre sindicatos e ministro das Finanças.

Assim, os reformados bancários dos fundos de pensões privados da banca vão receber um valor equivalente a meia pensão, numa medida que abrange mais de 50 mil pensionistas, disse em Fevereiro o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, após a assinatura do acordo entre Governo, banca e sindicatos bancários da UGT.

Na ocasião, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, afirmou que a medida deverá ter um custo para o Estado próximo dos 40 milhões de euros.

Em Outubro passado, no âmbito do pacote de apoios às famílias para responder à inflação, o Governo pagou um complemento excepcional aos pensionistas (reformados da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações) equivalente a cerca de meia pensão. Contudo, o pagamento não incluiu os bancários que recebem exclusivamente pensões de reforma pagas pelos fundos de pensões dos bancos, o que levou à contestação dos sindicatos.

No passado dia 24 de Fevereiro, Governo, Associação Portuguesa de Bancos (APB) e os sindicatos bancários da UGT assinaram o memorando de entendimento, que estabelecia que o dinheiro seria adiantado pelos fundos de pensões dos bancos e depois pago a estes pelo Estado.

Na ocasião, Santos Félix explicou que o complemento seria financiado pelo Orçamento Geral do Estado. “A diferença aqui é que o pagamento é feito pelos fundos de pensões porque são estes que têm uma relação financeira, directa, com estes pensionistas", afirmou, então, Santos Félix.

Como aconteceu no ano passado, o apoio extra equivalente a 50% da pensão é atribuído a pensionistas com pensões de valor inferior a 12 Indexantes de Apoios Sociais (IAS), cerca de 5300 euros. O valor é tributado em IRS de forma autónoma da pensão mensal.

No caso destes pensionistas que receberam o apoio de 125 euros (atribuído pelo Governo também em Outubro para trabalhadores com rendimento até 2700 euros mensais brutos), esse valor será descontado na meia pensão, disse o secretário de Estado.



Preços continuam a subir, mas inflação dá sinais de abrandamento em Abril

Sérgio Aníbal, in Público online

Preços subiram mais 0,6% entre Março e Abril. Nos bens energéticos e alimentares já houve, no entanto, recuos, num mês em que a inflação homóloga, por causa dos efeitos base, caiu de 7,4% para 5,7%.

Os preços suportados pelos portugueses continuaram, em média, a agravar-se durante o mês de Abril, com uma subida de 0,6%. Ainda assim, há sinais de abrandamento das pressões inflacionistas, principalmente na energia e nos alimentos, com a variação homóloga a recuar para o valor mais baixo desde Março do ano passado.

Tal como já era largamente antecipado, a taxa de inflação homóloga durante o mês de Abril registou um recuo significativo em Portugal. Este indicador, que compara o nível dos preços dos bens e serviços no presente mês com o do mesmo mês do ano anterior, passou de 7,4% em Março para 5,7% em Abril, de acordo com a primeira estimativa para a inflação publicada esta sexta-feira.

A razão principal para este recuo, contudo, está, não tanto na forma como estão a evoluir os preços agora, mas no facto de, em Abril do ano passado, se ter registado, principalmente nos bens energéticos, uma forte subida de preços. É o chamado efeito base, que faz com que, no cálculo da taxa de inflação homóloga, a comparação se faça agora com níveis de preços já mais elevados, o que conduz a um recuo na taxa de variação.

Como assinala o INE na nota publicada esta sexta-feira, “esta desaceleração [da taxa de inflação homóloga] é em parte explicada pelo efeito de base resultante do aumento de preços da electricidade, do gás e dos produtos alimentares verificado em Abril de 2022”.

Na verdade, os preços continuaram, neste mês de Abril, a subir em média, como revela o facto de a taxa de inflação mensal (que compara os preços de Abril com os preços de Março) ter sido de 0,6%.

Há no entanto, na forma como evoluíram os preços neste mês de Abril, alguns sinais de que as pressões inflacionistas se acalmaram ligeiramente.

Em primeiro lugar, em Abril os preços cresceram menos do que tinham crescido em Março. A inflação mensal de 0,6% representa um abrandamento face à variação de 1,7% que se tinha registado em Março.

Depois, nos bens onde as pressões inflacionistas têm sido mais notórias, assistiu-se mesmo a uma redução ligeira dos preços. Os preços dos bens dos produtos energéticos, que já vinham numa trajectória descendente nos meses anteriores, diminuíram mais 3,1% em Abril, sendo que a variação face ao mesmo mês do ano passado para a ser de -12,7%.

Nos bens alimentares não transformados interrompeu-se finalmente a sequência de mais de um ano e meio de subidas mensais de preços, com uma variação entre Março e Abril de -0,3%. De notar que, como assinala o INE, esta descida ainda não está relacionada com a descida do IVA implementada num conjunto de bens alimentares essenciais. “A grande maioria dos preços considerados no apuramento do Índice de Preços no Consumidor (IPC) de Abril foi recolhida antes da entrada em vigor da isenção de IVA num conjunto de bens alimentares essenciais, pelo que os eventuais efeitos desta medida só terão efectivamente impacto no IPC em Maio”, explica a autoridade estatística.

Em comparação com o mesmo mês do ano anterior, os preços dos alimentos não transformados continuam, contudo, a ser 14,1% mais caros.

Nos total dos produtos excluindo os bens alimentares e os bens energéticos, a variação mensal dos preços foi positiva, de 1,1%, colocando a variação face ao mesmo mês do ano passado (a taxa de inflação homóloga subjacente), nos 6,6%, menos 0,4 pontos percentuais que os 7% de Março.

O INE não publica ainda, nesta primeira estimativa para a inflação de Abril, os dados da evolução de preços mais desagregado por produtos.


Noam Chomsky: “Esta inteligência artificial é o ataque mais radical ao pensamento crítico”

Ivo Neto e Karla Pequenino, in Público online

Um dos maiores intelectuais do nosso tempo, Noam Chomsky, alerta para os problemas de sistemas como o ChatGPT. Uma entrevista em que também fala de redes sociais, luta de classes e neofascismo.

Há um mês, o reputado filósofo e linguista Noam Chomsky co-assinou um artigo no New York Times em que condena a “falsa promessa do ChatGPT”, criticando o rumo que o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) levou. Ao Ípsilon, numa videochamada, o especialista do MIT reforçou o desassossego com a forma como a tecnologia está a evoluir, com algoritmos que nos dão conteúdo à nossa medida e chatbots que simulam a comunicação humana e contribuem para a inércia analítica e criativa.

“Este é o ataque mais radical ao pensamento crítico, à inteligência crítica e particularmente à ciência que eu alguma vez vi”, diz o pensador, com 94 anos, apontando a forma como as ferramentas assumem cada vez mais uma dimensão “corporativa”. “A ideia de que podemos aprender alguma coisa com este tipo de IA é um erro”, atira.

Questionado sobre o que fazer com esta mudança tecnológica, que aconteceu de forma tão brusca, destaca o papel da educação. “É impossível travar os sistemas”, avisa Chomsky, que não assinou a carta em que especialistas de todo o mundo pediram uma moratória no desenvolvimento de IA. Explica porquê: “A única maneira [de controlar a evolução tecnológica] é educar as pessoas para a autodefesa. Levar as pessoas a compreender o que isto é e o que não é.” Atribui um significado político a ferramentas como o ChatGPT: “É basicamente como qualquer outra ideologia ou doutrina. Como é que se defende alguém contra a doutrina neofascista? Educando as pessoas.”

O especialista, que tem várias obras traduzidas em Portugal, como As Consequências do Capitalismo, Requiem para um Sonho Americano e Quem Governa o Mundo?, diz que o cenário actual representa “a longa luta de classes”. “É outro caso em que se tenta subordinar, marginalizar as pessoas, ao levá-las a olhar para o Instagram, ou falar com um chatbot sem pensar no que está a acontecer no mundo”, defende.

Quando nos confirmou a disponibilidade para esta entrevista, fomos ao ChatGPT, que se tornou uma das ferramentas mais associadas à IA, e perguntámos que questões colocar a Noam Chomsky. Vamos, então, começar com uma dessas perguntas. Seria possível criar uma inteligência artificial capaz de compreender e utilizar a linguagem humana da mesma forma que os seres humanos o fazem?
Há um campo de estudo que se liga a essas questões: é a ciência cognitiva. A IA não lida com isso, centra-se noutros aspectos. Actualmente é um dos elementos do movimento anticiência. Preocupa-se, sobretudo, com simulação e não com o entendimento. O ChatGPT é, assim, um exercício inteligente de simulação. Percorre quantidades astronómicas de dados, através de programas inteligentes, para produzir resultados semelhantes à informação que encontra. Não diz nada sobre linguagem, aprendizagem, inteligência. E isso é muito fácil de provar.

Como é que se mostra que o ChatGPT é só um simulador?
Estes sistemas, se olharmos para eles, funcionam para linguagens impossíveis. Funcionam com linguagens que as crianças não conseguem aprender, assim como as linguagens existentes. Seria o mesmo que um físico chegasse e dissesse: está aqui um conjunto de possibilidades que podem acontecer e outras que não podem acontecer e não identifico qualquer diferença entre elas. Isto não é ciência.

O que vê então como inteligência artificial?
Se olharmos para o que Alan Turing [1912-1954] disse, há já muito tempo, a IA é descrita como a capacidade para utilizar computadores e programação para ver se conseguimos alguma compreensão sobre o que é a inteligência humana. Isso é ciência pura. Só que a IA, tal como é entendida actualmente, é um projecto corporativo que visa reunir conteúdos para serem usados por sistemas de simulação em grande escala. A ideia de que podemos aprender alguma coisa com este tipo de IA é um erro. Elas [as tecnologias de IA] criam uma atmosfera onde a explicação e a compreensão não têm qualquer valor. O que se faz é tentar simular um ataque profundo à natureza não só da ciência, mas também da investigação racional no seu conjunto.

Como é que os especialistas deveriam estar a tratar de questões relacionadas com a IA?
Não há nada de errado no que estão a fazer, se o interesse for a simulação. Pode ser positivo. Eu uso [programas de inteligência artificial] nas legendas durante as entrevistas porque já tenho dificuldades auditivas. Mas a investigação de IA acontece, por exemplo, nos estudos sobre a forma como os bebés pensam. O livro What Babies Know, de Elizabeth Spelke, inclui uma análise detalhada sobre a forma como os bebés adquirem a linguagem e a compreensão do ambiente que os rodeia durante o primeiro ano de vida. Isto é feito usando experimentação científica e outros métodos, como análises estatísticas dos exemplos disponíveis para as crianças [aprenderem]. Estes métodos de investigação convergem para se descobrir como é que os humanos desenvolveram as capacidades intelectuais. É como estudar uma colónia de formigas para perceber como operam. Para isso, é preciso ciência, não simulação.

O desenvolvimento das plataformas de IA generativa, como o ChatGPT ou o Dall-E, tem suscitado receios devido à desinformação. Há umas semanas, uma imagem, em que o Papa aparecia vestido com roupa diferente da que habitualmente usa, foi partilhada por muitos como se fosse verdadeira. A mente humana está preparada para lidar com o que é falso ou verdadeiro?
Vamos pegar num caso concreto e possível, com o qual estamos bastante familiarizados há centenas de anos: um hábil estudante de Arte vai ao museu e cria uma cópia muito sofisticada do auto-retrato de Rembrandt. É preciso um historiador de arte sofisticado para dizer a diferença entre o original e a cópia. Hoje em dia, os historiadores de arte utilizam alta tecnologia para tentar distinguir as cópias das obras originais. E é muito difícil.

Isso é a natureza da simulação. Pode ser tão sofisticada que uma pessoa que não esteja tão bem preparada não nota a diferença. É o caso da imagem do Papa. Isso abre portas a outras questões.

Como roubo de identidade ou difamação.
Exactamente. Estes novos sistemas são uma ferramenta fantástica para a difamação e serão certamente utilizados para isso. O exemplo [do Papa] que mencionou é uma espécie de piada e pretendia, certamente, ser uma piada. Mas muito em breve, podem ter a certeza, haverá uma utilização maciça da simulação de vozes, de rostos, de elementos, que, combinados, pretenderão atribuir algo a uma pessoa que, na verdade, não tem responsabilidade nisso. Podem ser criados conteúdos, atribuídos a pessoas credíveis, dando credibilidade aos maiores disparates imagináveis.
Os desenvolvimentos na inteligência artificial são “o mais radical ataque ao pensamento crítico, à inteligência crítica e à ciência que alguma vez" Chomsky viu

Mas há outro tipo de riscos. Como as pessoas que olham para estes programas como reais. E fazem perguntas como: devo deixar a minha mulher? As pessoas são extremamente ingénuas. Já há casos [em que foram feitas perguntas como estas] com sistemas como a Alexa ou a Siri… As pessoas desenvolvem relações [com as máquinas] e até se podem apaixonar. Isto é muito perigoso. Há casos de suicídio em que as pessoas seguiram os conselhos dos dispositivos de simulação.

A capacidade de danos é extraordinária. Há algumas semanas, um grande número de especialistas de todo o espectro pediu uma moratória no desenvolvimento desta tecnologia, devido aos enormes danos que podem ser causados.

Há forma de travar o desenvolvimento de uma tecnologia deste tipo?
[A desinformação] já acontecia com a Internet. Há artigos publicados online em que eu apareço como autor principal e não foram escritos por mim. E depois de chegarem à Internet, é impossível parar a sua propagação. E, depois, há outra pergunta: o que resulta desse esforço tecnológico é tão útil, como acontece com as legendas desta entrevista? Isso não é assim tão óbvio.

Então concorda com as pessoas que assinaram a petição pedindo calma na evolução da tecnologia de IA?

Pois. De facto, estávamos à espera de ver lá o seu nome.
Não assinei por duas razões. Primeiro, porque exagerou muito o que os sistemas de facto estão a fazer e são capazes de fazer – e, portanto, contribui para estas ilusões e mal-entendidos. A outra razão é que é impossível travar os sistemas. Não se pode impedir os actores maliciosos de inundar a Internet com todo o tipo de lixo.

A única maneira de ajudar é educar as pessoas para a autodefesa. Podemos levar as pessoas a compreender o que IA é e o que não é. Acabar com a euforia e olhar para a realidade como ela é. É basicamente como qualquer outra ideologia ou doutrina. Como é que se defende alguém contra a doutrina neofascista? Educando as pessoas. Não há maneira de a impedir, não vai acabar nem desaparecer. Pode educar-se a população para compreender como realmente são as coisas.

E como é que se deve educar? Pode dar exemplos mais concretos?
Pegue num demagogo como Trump. É um actor muito hábil. Ele sabe como carregar nos botões certos. Sabe falar para as pessoas com um cartão numa mão a dizer “amo-te” enquanto as apunhala nas costas com a outra.

Não podemos dizer às pessoas: "Olha, ele não te ama." É preciso dizer: "Olha, estão a apunhalar-te pelas costas." Deve-se apontar para o programa legislativo [destes políticos] e mostrar o que realmente é – um serviço abjecto à riqueza privada e ao poder empresarial. Mas a verborreia [de Trump] não fala disso. Pelo contrário, diz que é do partido das pessoas, das pessoas que trabalham. E safa-se. Basta olhar para as sondagens. Falta educação, e essa educação, essa protecção, era o que se fazia quando se tinham organizações que representavam as pessoas.

Os movimentos sindicais.
Ronald Reagan e Margaret Thatcher, quando inauguraram o assalto neoliberal, tiveram, eles ou os assessores, uma primeira ideia-chave: acabar com os sindicatos. Porque é o meio de defesa que as pessoas têm para se reunir, deliberar, e trabalhar em conjunto. Portanto, o primeiro passo das administrações de Reagan e Thatcher foi destruir os sindicatos e abrir a porta para que o sector empresarial avançasse com todo o tipo de meios, na sua maioria ilegais, de trabalho.

Os chamados libertários, como Milton Friedman, odiavam os sindicatos. O próprio Mussolini foi elogiado por ter destruído os sindicatos em Itália porque interferiram com a economia. Este é o cerne da ideologia. Se está a servir grandes riquezas ou poder, assegure-se de que não há oposição.

Acredita que as novas ferramentas de IA também podem contribuir para uma realidade ainda mais polarizada?
Vão certamente ser usadas com esse propósito, basta olharmos para o mundo em que vivemos. Estes movimentos anticiência começaram há várias gerações. A indústria do tabaco, há 70 anos, foi uma das propulsoras, com um amplo programa de desinformação. Quando se descobriu que o tabaco era letal, a indústria do tabaco não se limitou a negar esses factos: tentou denegrir as provas científicas, explicando que a ciência não é definitiva. Mais recentemente, temos a indústria dos combustíveis fósseis. A estratégia é influenciar o público a ponto de negar a objectividade da ciência, ao semear dúvidas, ao dizer que a ciência não é fiável, ao alertar para o desemprego.
Todos estão sozinhos, a perseguir as suas próprias fantasias. É o sistema ideal para controlar as pessoas. A longa luta de classes está sempre em curso. O cenário actual, com a tecnologia e a IA, é outro caso em que se tenta subordinar, marginalizar as pessoas, ao levá-las a olhar para o Instagram ou a falar com um chatbot sem pensar no que está a acontecer no mundoNoam Chomsky

E penso que a chamada inteligência artificial enquadra-se muito bem nisto. [As ferramentas de IA] estão a induzir no público uma sensibilidade que nega fundamentalmente o objectivo da ciência. De que vale compreender o que quer que seja quando se pode analisar um sem fim de dados e prever o que vai acontecer? Este é o mais radical ataque ao pensamento crítico, à inteligência crítica e particularmente à ciência que eu alguma vez vi.

A azáfama em torno da IA faz com que as pessoas também comecem a estar dessensibilizadas em relação aos riscos. Como é que se luta contra isto?
Pensemos nos direitos das mulheres. Se perguntassem à minha avó, quando ela estava na cozinha a tomar conta da família, “Estás privada dos teus direitos?”, ela não saberia do que estavam a falar. As mentalidades começaram a mudar por causa de mulheres jovens em movimentos activistas que começaram a questionar-se: “Porque é que temos de fazer isso? Porque é que temos de estar subordinadas?” Essas dúvidas propagaram-se e conduziram àquele que é provavelmente o principal movimento da história moderna em termos de consequências e resultados.

Não há forma de parar estas coisas, excepto pela forma como foi feito ao longo da História por pessoas que se organizam e lutam por direitos, conquistando-os ao longo dos anos.

Alguns países começaram a avançar com legislação nesta área. Concorda com este modus operandi?
A legislação não ajuda. Não podemos proibir o Mein Kampf [livro de Adolf Hitler]. O que se tem de fazer é encorajar as pessoas a lê-lo e a descobrir o que é. Quer viver neste tipo de mundo? Isso é o que se faz.

Não nos podemos esquecer de uma coisa: há imenso capital investido nestas tecnologias. Há instituições e organizações poderosas que se vão envolver nestas tecnologias e encontrarão inúmeras formas de contornar a legislação. Especialmente se as pessoas realmente quiserem isto [IA], criando uma lógica de procura e oferta. Aí as grandes organizações vão, certamente, encontrar uma forma de contornar a lei.

E há alguma forma de mitigar essa procura? Vivemos numa sociedade inteiramente digital. Já não deve faltar muito tempo para termos os nativos digitais em órgãos de decisão.
A verdadeira forma de controlar o processo é acabar com a procura. Fazer com que as pessoas compreendam que há mais coisas no mundo além das fantasias na Internet. Há situações cada vez mais preocupantes. Recentemente foi publicado um estudo, aqui nos EUA, sobre a Geração Z, crianças que nasceram depois de 1997, e a forma como encontram informação sobre o mundo. Quase ninguém lê jornais ou vê televisão. Muito poucos vão ao Facebook, porque já é antiquado. Imaginem o que é ter uma geração inteira a criar a sua visão do mundo através do que se vê no TikTok? Estamos a falar da possibilidade de perdermos uma geração. E a legislação aqui não vai ter grande poder. Não se pode banir o Instagram ou o TikTok.

Gostávamos de voltar atrás, ao facto de as pessoas confiarem e procurarem respostas em tecnologias de IA, como os chatbots, mesmo não se tratando de humanos, o chamado “efeito Eliza”. Porque é que as pessoas confiam nas máquinas?
Porque é que uma criança de três anos fala para os seus brinquedos? Há algo nestas tecnologias que lembra a nossa infância e todos podemos ser apanhados nisso.

A confiança que damos à IA vem de uma necessidade de continuarmos a ter amigos imaginários?
Há uma possibilidade de desenvolvermos o nosso próprio mundo, como se fossemos avatares. Pode ser um acto de criatividade. Outro exemplo é a literatura. Se passar grande parte do tempo a ler romances, vai conhecer melhor as pessoas desses romances do que as pessoas que realmente conhece. Porque sabe aquilo em que acreditam. Não temos esse tipo de informação sobre os nossos melhores amigos. Não há nada de errado [com a criatividade], é uma das mais importantes conquistas da inteligência do ser humano. Mas se alguém se apaixona verdadeiramente por uma personagem de um romance, então isso é um problema.

Esse é um dos problemas da IA? A ideia de que nos pode dar a verdade que queremos?
Pode dar algo tranquilizante, confortável, alguma coisa de que o utilizador gosta e encaminhá-lo para este tipo de mundo. Dar essa ilusão. E isto vai ser utilizado por actores maliciosos.

Se continuarmos a desenvolver estes simuladores, corremos o risco de estar presos em visões distintas do mundo com máquinas que repetem aquilo que queremos ouvir?
É como doutrina e ideologia. Pensemos em Itália: durante o período fascista, as pessoas aceitavam, acreditavam e apoiavam ideologia fascista. Não vale a pena fingir que não o fizeram. Mussolini era muito popular e, na Alemanha, Hitler era ainda mais popular. As pessoas acreditavam neles e queriam-nos.

O que se faz, nestes casos, é criar meios de autodefesa. E, como disse, algo que Mussolini, Hitler e também Thatcher compreendiam todos muito bem é que se tem de destruir a principal forma de as pessoas se defenderem – é preciso eliminar os sindicatos, impedir as pessoas de falarem umas com as outras. É preciso deixá-las separadas. Isto é o mercado ideal. Todos estão sozinhos, a perseguir as suas próprias fantasias, sejam elas quais forem. É o sistema ideal para controlar as pessoas. A longa luta de classes está sempre em curso. O cenário actual, com a tecnologia e a IA, é outro caso em que se tenta subordinar, marginalizar as pessoas, ao levá-las a olhar para o Instagram ou a falar com um chatbot sem pensar no que está a acontecer no mundo.

Já vimos alguns comentadores e políticos de direita a dizer que a IA generativa é enviesada e privilegia opiniões de esquerda e que precisam de criar a “sua” versão das ferramentas. É o começo de um novo tipo de guerra cultural?
Bom, a direita adora falar sobre como é vitimizada. São donos de tudo, gerem tudo, mas argumentam que são vítimas. Lembra a teoria da Grande Substituição. É a ideia de que a raça branca, que tem todas as vantagens, é a vítima porque sente que está a ser substituída. Que o dono dos escravos é a vítima se o escravo não consegue fazer o seu trabalho. E, provavelmente, o dono dos escravos acredita mesmo nisso.

Muitos economistas dizem que não vai demorar muito tempo para que estas máquinas substituam os trabalhadores humanos em algumas actividades.
Actualmente há uma grande preocupação quanto a escritores, arquitectos e engenheiros perderem os seus empregos. Isso é bastante interessante. A classe operária tem vindo a perder os postos de trabalho há muito tempo devido à automação. Quem se preocupa com isso? Mas se os trabalhos de colarinho branco, detidos por homens, estiverem em risco, então é uma catástrofe... Desde o século XVII que a automatização eliminou empregos, com o fim dos tecelões na Índia.

Acredita que as máquinas vão mesmo substituir as pessoas no trabalho?
Não creio que seja provável que muitas destas pessoas percam o emprego. Mas, se o fizerem, bem, isso tem sido o curso da História durante muito tempo. Agora está apenas a atingir algumas pessoas privilegiadas, em vez das vítimas habituais.

E será que as grandes empresas tecnológicas como o Google e a Meta terão mais poder político porque estão por detrás da tecnologia que as pessoas começam a precisar de usar?
As grandes empresas têm poder político por uma razão muito simples: dinheiro, capital. Podem comprar congressistas, podem comprar senadores, podem comprar eleições. Chama-se a isso poder. Não é nada de novo.

Suponha que é eleito para o Congresso nos Estados Unidos. A primeira coisa que faz é telefonar aos financiadores para se certificar de que eles o ajudarão nas próximas eleições. Quando o congressista desliga o telefonema, vai ao seu escritório e assina a nova legislação sobre aquilo que precisam. Estou a fazer uma caricatura, mas é basicamente assim que o sistema legislativo funciona. Com isto, cerca de 70% da população dos Estados Unidos não é representada. Não há uma correlação entre as suas atitudes e preferências e a legislação que é aprovada pelo seu representante no Congresso. Ou seja, eles não estão representados. São os poderosos que escrevem a legislação. Isto é um problema que existe nas sociedades capitalistas.