Várias dezenas de produtos alimentares básicos chegaram esta terça-feira alguns cêntimos mais baratos às prateleiras dos supermercados. Não houve corrida às compras e o dia foi tranquilo, de norte a sul, com alguns consumidores indiferentes às alterações impostas pelo Governo. Nos cerca de 100 casos observados pelo Expresso, houve seis onde os preços não mexeram e outros seis cuja redução ficou aquém do que seria esperado com a isenção do IVA
O Expresso foi às compras de norte a sul do país e confirmou que, na maioria esmagadora dos casos, as alterações foram feitas. Ou seja, a maior parte das superfícies comerciais adotaram o IVA 0% nos 46 produtos indicados pelo Governo.
O Expresso recolheu os preços de quase 100 produtos de IVA zero em supermercados e mercearias de vários pontos do país e conclui que a grande maioria desceu os preços na proporção da isenção fiscal. Mesmo assim houve seis casos onde os preços não mexeram e outros seis cuja redução ficou aquém do que seria esperado com a isenção do IVA.
No entanto, ainda há confusão e dúvidas por esclarecer e também alguma falta de agilidade de processos, nomeadamente em pequenas mercearias, para conseguir acompanhar a mudança de preços nas prateleiras e nas caixas registadoras em tempo útil.
Desde logo, há alguma desinformação por parte dos consumidores que não sabem o que tem IVA zero ou sequer que o IVA zero entrou hoje em vigor. Os próprios funcionários dos supermercados, por vezes, mostraram-se alheios à mudança.
Outra dificuldade sentida, em vários pontos da reportagem feita pelo Expresso, tem a ver com a comparação de preços, devido aos programas de descontos em vigor em algumas superfícies comerciais.
DIA TRANQUILO NOS SUPERMERCADOS
Apesar de tudo foi um dia aparentemente tranquilo nos supermercados. Um dia de compras normal sem aumento da procura nem carrinhos cheios.
Algumas cadeias de distribuição aproveitaram a oportunidade para incentivar as compras. O Continente enviou mensagens aos seus clientes referindo que “a partir de hoje, no Continente, mais de 6000 produtos com IVA zero. Nas lojas foram colocadas referências nas etiquetas dos preços ao facto de aquele ser um produto sem este imposto.
No Pingo Doce os produtos com 'IVA Zero' apresentam uma nova etiqueta, onde se pode ver o preço sem IVA e o preço com IVA. E no Auchan de Cascais foi colocada uma faixa na zona das bebidas vegetais a chamar a atenção para o facto de o IVA daqueles produtos ter passado a ser de 0%.
Mas apesar do cumprimento generalizado verificado pelo Expresso de norte a sul, o cabaz de 97 produtos analisados pelo Expresso em que deveria estar o IVA a 0% não esteve isento de falhas. Um exemplo é a loja Meu Super, de Cascais, que mantinha o preço de um litro de leite UHT Magro Matinal a 0,98 euros, o mesmo preço que com IVA a 6%, apesar de na fatura estar referido que o produto está isento de IVA. As lojas Meu Super têm uma parceria com o Continente.
ALGUNS PROBLEMAS TÉCNICOS
Mas houve também problemas técnicos na aplicação da isenção. Numa mercearia de Barcarena, no concelho de Oeiras, os produtos ainda apareciam com os valores antigos com IVA a 6% porque a proprietária ainda estava a alterar os preços no sistema. Segundo a própria, começou a fazer as alterações na segunda-feira à tarde, tendo pedido ajuda a quem trata do sistema, mas não obteve resposta. Ainda assim, garantiu que esta quarta-feira já deverá estar tudo regularizado: "vou fazer por isso".
O Expresso comprou dois produtos onde o IVA deveria ter sido reduzido e na fatura ainda apareceu o IVA a 6%. Perante a frustração de um sistema que não colaborava, foi dada a diferença em dinheiro, apesar do pagamento ter sido feito com cartão bancário.
Houve também dúvidas em alguns produtos. Por exemplo, o atum em conserva está isento de IVA e por isso a generalidade das latas de atum verificadas pelo Expresso estavam com o IVA a 0%. Mas uma lata de atum Ramirez “assado à algarvia” não teve descida de IVA – e a indicação na fatura é de que não se trata de um produto isento. De igual modo, uma embalagem de Becel não tem também isenção, apesar de as manteigas estarem isentas. A explicação poderá estar relacionada com o facto de este produto ser classificado como um “creme de barrar” – a embalagem comprada pelo Expresso continha a referência “sabor a manteiga”.
Nas portas de vidro do Mercadona, em Matosinhos, que dão entrada para a loja está afixado um cartaz a identificar que é aplicada a descida do IVA (com desenhos como pão e leite, que dão a entender o tipo de produtos a que se aplica), da mesma forma que o IVA zero está anunciado nos separadores usados nas caixas para dividir os produtos entre clientes. Nas prateleiras aparece uma seta de descida de preço de forma indiferenciada, sem indicar se uma descida de preço em resultado do IVA zero ou de outra razão.
"QUALQUER CÊNTIMO É DINHEIRO"
Já no Intermarché dos Carvalhos, na zona do pão, uma senhora nos seus 60 anos, sabia da medida do IVA zero, mas não memorizou o dia em que ia entrar em vigor. Não se vai deixar levar pelo IVA zero, comprará apenas aquilo que necessitar e não mais quantidade só porque o IVA desceu. Claro que qualquer cêntimo é dinheiro: "se vir um cêntimo no chão apanho."
Considera a medida injusta porque beneficia de igual forma quem ganha 500 ou 5000. "Eu queria era que eles mexessem nos salários e nas reformas", disse.
Não muito longe deste supermercado, numa confeitaria, a empregada comenta para quem está que o pão baixou um cêntimo. "Todo o pão. Vamos voltar ao tempo dos cêntimos", disse. "Baixou o pão, o queijo e mais algumas coisas." Mas isso não se refletiu na minha fatura: normalmente pago €2,50 por um pão com queijo e um galão e hoje paguei a mesma coisa. No ato do pagamento, perguntei à empregada se não deveria pagar menos um cêntimo (já só estava a pensar no pão). Ela sorriu e responde: ‘Não, é só no pão’".
No Pingo Doce da Avenida da Boavista, no Porto, repetem-se anúncios no altifalante a informar os clientes que a equipa está disponível para esclarecer todas as dúvidas sobre o IVA zero. Na caixa, a operadora diz à cliente mistério do Expresso que alguns clientes têm colocado questões. "É normal porque ainda não estão familiarizados com a lista de produtos contemplados", acrescenta. Mas os produtos com IVA zero estão sinalizados.
A operadora de uma das caixas do Continente de Matosinhos confessa que nem se lembrava de que o IVA zero entrava em vigor. "Mas do meu lado, o trabalho é o mesmo porque a informática faz tudo sozinha", afirma sem evitar uma nota de desvalorização aos descontos em causa: "até vou ficar atenta para ver se percebo alguma descida no valor das faturas", diz à cliente mistério do Expresso.
Dentro do hipermercado, o ambiente era tranquilo e as pessoas iam fazendo compras indiferentes à entrada em vigor do IVA zero.
Na segunda feira muitos consumidores não sabiam que faltavam menos de 24 horas para poderem comprar maçãs ou tomate sem IVA. Outros, como José Teixeira, de 76 anos, optavam por ignorar a diferença.
Afinal, teve de ir ao hipermercado comprar detergentes e optou por levar logo os tomates e outros legumes de que iria precisar durante a semana . "Quanto é 6% de 3,49 euros (o preço do quilo do tomate de coração de boi)? nem faço as contas, mas não será por isso que vou deixar de fazer a minha saladinha ao almoço", diz apesar de reconhecer que “qualquer ajuda é sempre bem vinda, em especial quando o dinheiro para a comida não chega até ao fim do mês, como acontece em muitas casas”.
MANTER AS ROTINAS
Ana Sarmento, de 85 anos, também manteve a rotina de ir às compras na segunda-feira, na companhia da filha. Sabe que nem é o dia melhor para os frescos, "mas é quando ela (a filha) tem a manhã livre na escola e pode ajudar", explica sem saber como vão fazer "para alterar os preços assim de um dia para o outro"- Mas um funcionário a arrumar prateleiras na zona das massas explica: "há colegas que vão ficar a trabalhar à noite para estar tudo pronto de manhã".
E na verdade, esta terça-feira, era fácil ver a identificação dos produtos com IVA zero e os novos preços um pouco por todo o lado no mesmo supermercado. "Foi uma noite de São João", comenta um trabalhador, enquanto na caixa, a operadora garante que até as 11h30 da manhã ninguém lhe tinha colocado qualquer questão sobre faturas ou IVA. E o movimento? "Tranquilo, a descida do IVA neste cabaz não justifica uma corrida as compras".
Um dos produtos comprados pelo Expresso foi uma embalagem de 12 unidades de Mini Babybel light. No dia 17, a fatura, ainda com IVA de 6%, indicava 3,89 euros com uma poupança de 0,70 euros . Esta terça, o mesmo produto custou 3,67 euros, já sem IVA e, de acordo com a fatura, a poupança concedida caiu para 0,66 euros
Na segunda-feira, enquanto escolhia o que comprar, a cliente mistério do Expresso abordou quatro pessoas junto à zona dos iogurtes repetindo uma pergunta simples: "Sabe se os iogurtes estão na lista de produtos que passam a ter IVA zero a partir de amanhã?" E ninguém soube responder.
Junto à prateleira do arroz, a abordagem foi diferente e a pergunta passou a ser: "Então não espera pelo dia de amanhã para ter desconto no IVA?". De novo, dois clientes ainda jovens desconheciam que terça-feira era o dia D do IVA zero e um terceiro retorquiu, de imediato que não ia voltar á loja por dois ou 3 cêntimos.
Na caixa, a operadora confirmou o ambiente tranquilo e normal para uma segunda-feira naquela superfície comercial. Confirmou, também, que o seu trabalho continuaria a ser exatamente o mesmo porque a máquina "assume a mudança", mas alguns colegas iam ter de trabalhar à noite "como em dia de inventario, porque havia cerca de 900 preços para mudar depois do supermercado fechar".
E na terça de manhã, tudo parecia ter sido feito de forma eficiente. Os produtos abrangidos pelo cabaz estavam referenciados de forma visível como tendo IVA zero e não havia carrinhos lotados á vista. "Na verdade, estamos a falar de alguns produtos e de alguns cêntimos em cada compra, nada que mova as pessoas a correrem á loja", diz o operador que estava de serviço na caixa na terça-feira.
A poupança pode não ser muita, mas estes alimentos são considerados essenciais e para quem quer poupar no supermercado pode ser uma ajuda, apontou, em conversa com o Expresso, Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição (APN). A associação espera que a medida "possa ter algum impacto" e que se "realmente funcionar" possa ser uma opção escolher estes alimentos em vez de outros.
CONJUNTO DE “ALIMENTOS ESSENCIAIS”
"É um cabaz que tem um conjunto de alimentos essenciais e se os consumirmos temos uma alimentação diversificada e completa", declarou, acrescentando, contudo, que "poderia ter mais diversidade", nomeadamente entre as frutas os produtos hortícolas. Tendo em conta que a medida teria "de começar por algum lado", a secretária-geral apela agora a uma constante "análise" e reavaliação para se ajustar à sazonalidade, uma vez que a medida, que vai até outubro, acaba por abarcar três estações do ano diferentes.
No Pingo Doce do edifício Tridente, em Faro, todos os produtos verificados apresentaram uma redução de preços entre o final da tarde de segunda-feira e a manhã de terça, na segunda visita.
Os preços dos produtos, inclusivamente, apresentavam o valor sem IVA e o valor que seria cobrado se fosse aplicado o imposto.
Alguns produtos, como o frango de churrasco embalado e a dourada fresca, não estavam disponíveis esta terça-feira mas poderia ser pela diferença na hora das visitas (poderiam ‘ainda’ não estar disponíveis).
Verificado o site do Pingo Doce, os valores que lá estão batem certo com os que estão a ser praticados na loja (tanto na segunda feira como na terça).
Alguns clientes falavam com os funcionários e comentavam que notavam que os produtos isentos de IVA estavam mais baratos.
Depois da visita de António Costa ao Continente de Telheiras, o Expresso fez uma visita pelo hipermercado com João Pedro Lopes diretor de operações do Continente. A maratona do primeiro-ministro pelo Continente e Pingo Doce foi esta manhã, mas a de milhares de funcionários foi pela madrugada fora. " Só para mudar de preços e de etiquetagem foram milhares de funcionários pelas 300 lojas Continentes. Aqui foram 45 pessoas, depois de fechar as porta ontem, dia 17 às 23 horas", diz João Pedro Lopes.
No Continente do Colombo, foi a partir da meia-noite que o trabalho começou porque encerra uma hora mais tarde. "Foi preciso mudar os preços em todos as lojas e em todas as marcas que fazem parte dos produtos do cabaz de 46 produtos", diz o diretor de operações ao Expresso.
Tem nas duas lojas vários funcionários que continuam a ver se tudo está certo, como constatou o Expresso.
São mais de 6000 produtos , entre as várias marcas de arroz ou massa, ou azeite, ou leite entre outras, desde as marcas próprias a todas as outras e depois há também os preços nos produtos com promoção. "Também esses são alterados retirando-se dos mesmos os 6% do IVA que normalmente os supermercados, mercearias e outras lojas devolvem ao Estado. O IVA deixa de ser recebido nos próximos 6 meses e durante este tempo "não temos o que devolver", adianta o responsável das operações do Continente.
PREPARAR OS SISTEMAS OPERATIVOS E A ETIQUETAGEM
O mais difícil, prossegue , "foi preparar o sistemas operativos de informática e a reetiquetagem, porque só o podíamos fazer durante a noite (de 17 para 18) e está tudo a funcionar".
Quando questionado sobre se não há falhas, refere que "nada , nem ninguém é infalível", mas "temos equipas a confirmar tudo desde cedo e não temos informação de erros".
Para saber se está mesmo tudo bem, o consumidor só tem de verificar se depois na fatura que paga está lá o produto e a identificação do IVA zero.
Não se admire se os enlatados de grão ou feijão não têm IVA zero, só mesmo o grão e o feijão a granel têm zero de IVA durante os próximos meses, os que vêm em frascos ou latas têm IVA a 23% , por isso não estão no Cabaz de 46 produtos que o governo escolheu. Já os cornkflakes sem glúten têm IVA zero.
Se tivesse comprado um quilo de bacalhau graúdo da Noruega, um litro de oléo vaqueiro, um azeite continente (750ml) uma manteiga primor (250 gr) , 12 ovos matinados (criação ao ar livre) , 200gr de queijo Terra Nostra, um quilo de banana da madeira, e um quilo de maças golden, um quilo de arroz carolino Saludâes, 500 gramas de massa búzios da nacional, um litro de leite magro Mimosa e uma lata de atúm Pitéu (72grmas) teria poupado 4,4 euros, face ao preço a que teria comprado estes 12 produtos antes do IVA zero .
Reportagem com Rita Robalo Rosa, Amadeu Araújo, João Mira Godinho, Margarida Mota, Salomé Fernandes, Teresa Amaro Ribeiro e Elisabete Miranda. Infografia: Carlos Esteves