André Rito, in Expresso
Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, afirma que o Governo está “há um ano a debater e a tratar a longevidade”. Perante a crise demográfica que Portugal atravessa, o Executivo avançou finalmente com medidas para promover o envelhecimento ativo e, simultaneamente, olhar para esta questão como uma oportunidade para a economia. Após dois anos de intensa luta contra a pandemia, surgiram então duas linhas estratégicas para a transição demográfica: um centro de capacitação para profissionais que trabalham na área do envelhecimento e um plano de ação nacional.
“A pandemia pôs a nu muitas fragilidades do sistema face às necessidades existentes, revelando também uma incapacidade para responder àquilo que se perspetiva virem a ser os nossos futuros desafios nesta área”, começou por dizer Ana Mendes Godinho, na última reunião do conselho consultivo do projeto Expresso Longevidade. “Este foi o retrato que nos obrigou a agir e que nos confere legitimidade social de olhar para o envelhecimento de forma transversal, mobilizando a sociedade para aquilo que designo de investimento transformacional.” Mas, afinal, que medidas concretas vão contribuir para esta transformação?
Financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e pela Agenda Portugal 2030, neste momento, afirma a ministra, há 400 projetos em estudo, ligados à área do envelhecimento, cujo investimento representa mais de €400 milhões. Esta é uma das principais linhas de intervenção do Governo, que aposta também em soluções inovadoras como a habitação colaborativa. A ideia é juntar novos e velhos numa lógica de intergeracionalidade, sem institucionalização, mas criando novos modelos de habitação. Neste capítulo estão já aprovados 22 projetos-piloto, com um financiamento total de €22 milhões.
As medidas a serem implementadas fazem parte do plano de ação nacional para o envelhecimento e do centro de capacitação, que trabalhará em articulação com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Em vez de respostas tradicionais, como o apoio domiciliário, estruturas residenciais para idosos ou centros de dia, a ministra optou por lançar um alerta de financiamento “em carta branca”. “Apresentem-nos os projetos capazes de dar resposta aos desafios que nos são colocados e que cumpram os objetivos que nos propomos: autonomia, segurança, serviços partilhados, independência, e acompanhamento”, explicou Ana Mendes Godinho, acrescentando que o Governo “não impõe soluções”. “Temos atuado como grande facilitador e também no investimento destes projetos.”
Trabalho e corte abrupto de utilidade
Há várias ideias sobre a mesa. Focando nas respostas sociais ao envelhecimento, a ministra anunciou que está para ser lançado também aquilo que designa de apoio domiciliário 4.0. Isto para combater o isolamento, mas mantendo as pessoas em casa e de forma autónoma, com recurso à inovação e tecnologia. “Basta um botão para que as pessoas possam ser monitorizadas 24 horas por dia.” Outra das ideias passa pela criação de uma linha “60+” e pelo desenvolvimento de um modelo de “gestor do idoso” o qual fará o acompanhamento permanente das franjas etárias mais fragilizadas. O objetivo, defende a ministra, é a promoção da autonomia.
Manuel Caldas de Almeida, médico e vice-presidente da União das Misericórdias, concorda e diz que nunca viu um “idoso entrar num lar com ar feliz”. “Um doente até me escreveu um poema. Dizia algo do género: ‘gosto muito do lar e as pessoas são muito simpáticas. Mas o que eu gosto mesmo é da minha casinha’”. O importante, refere o médico, usando a mesma expressão da ministra, é que haja uma “transformação” no olhar que a sociedade tem sobre os mais velhos. “Nos anos 90, quem tinha 65 anos era velho. Hoje não é nada assim.” E isto terá as suas implicações no trabalho. Não significa que o Governo pretenda mexer na idade da reforma, mas antes que exista uma “saída faseada”, para evitar aquilo que Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento e futuro diretor da estratégia governamental, quer do plano de ação e do centro de competências: “Uma pessoa chega à reforma e no dia seguinte passa a sentir-se inútil.”
Na mesma semana em que o Governo anunciou ao Expresso a estratégia para o envelhecimento — com um convite endereçado ao médico praticamente na véspera da reunião no Conselho Consultivo — foram revelados em primeira mão os primeiros dados do observatório dirigido por Nuno Marques. Portugal tem atualmente 2,4 milhões de pessoas com 65 ou mais anos, um número que aumentou 43% nas duas últimas décadas. Por outro lado, a população ativa — perto de 6 milhões de pessoas — tem registado aumentos pouco significativos, e as projeções para os próximos 40 anos estão longe de ser as melhores: se nada for feito, afirma Nuno Marques, teremos uma redução de um terço da população ativa em 2060.
Apostar na inovação, importar ideias e promover o bem-estar são, portanto ações fundamentais para manter a sustentabilidade do sistema de pensões e do próprio país. No conjunto de soluções propostas por Nuno Marques está a adaptação dos postos de trabalho para os mais velhos, ao beneficiar da sua experiência, e apostar no empreendedorismo sénior, aumentando a produtividade. Adicionalmente, continua o médico, será preciso aumentar a população ativa, apostando também na imigração. Ana Sepúlveda, presidente executiva da empresa 40+Lab, lembra aquilo que muitos especialistas consideram essencial para o equilíbrio das contas: a criação da economia da longevidade. “É preciso trazer o mundo da economia para a longevidade, unindo esforços de diferentes países e analisando dados que ajudem a definir estratégias.”
P&R
Quais são os reais planos deste Governo para a longevidade?
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, está a preparar duas linhas estratégicas. Um centro de capacitação para profissionais ligados à área dos cuidados de saúde, em articulação com o IEFP. Ao invés de delegar tarefas, a ministra espera propostas em “folha branca”. Nuno Marques, do Observatório Nacional do Envelhecimento, será diretor de ambos os projetos.
Quantos projetos estão neste momento a ser trabalhados?
Existem 400 projetos em estudo para aumentar a capacidade instalada na resposta social aos idosos, em serviços domiciliários, centros de dia e estruturas residenciais. No capítulo das “soluções inovadoras” estão aprovados 22 projetos de habitação colaborativa.
Quais os valores envolvidos e qual o investimento do Estado?
O financiamento destes projetos está inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência — cerca de €400 milhões. Há também um financiamento adicional proveniente da agenda Portugal 2030, cujos projetos deverão estar concluídos até ao final de 2026. É o caso das já referidas soluções de habitação colaborativa.
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Textos originalmente publicados no Expresso de 31 de março de 2023