Falta de apoio causa "sofrimento" físico e psicológico. A esmagadora maioria dos cuidadores informais deixa de cuidar de si para cuidar da outra pessoa. Também não têm acesso a informação adequada, conclui um inquérito realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade de Lisboa. Os resultados são apresentados esta quarta-feira
São, numa parte muito significativa dos casos, cuidadores informais há mais de um ano e prestam cuidados quase a tempo inteiro, mas não têm qualquer tipo de apoio. Segundo o estudo "Literacia em Saúde e Qualidade de Vida dos Cuidadores Informais - a realidade portuguesa", realizado no âmbito do projeto "Saúde que Conta", da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa, mais de metade dos cuidadores informais (51,1%) não recebem apoios.
Mais: 85% não beneficiam do Estatuto do Cuidador Informal e uma percentagem ainda maior - 93,5% - não usufruem do serviço de descanso do cuidador, que está previsto no estatuto e prevê a possibilidade de a pessoa que cuida beneficiar de um período de descanso anual, sendo o familiar ou a pessoa que tem a cargo acolhida temporariamente numa unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Destes quase 95%, 27,7% reportaram desconhecer a medida e 17,9% afirmaram que esta possibilidade de descanso não lhes foi proposta pelas "entidades competentes".
Ana Escoval, coordenadora do projeto e docente na Escola de Saúde Pública, aponta a falta de implementação do Estatuto do Cuidador Informal como justificação para estes resultados. “Não há uma implementação efetiva.” Os cuidadores submetem os pedidos para beneficiar da medida, "mas há um conjunto de dificuldades relacionadas com a regulamentação que impedem que o estatuto esteja verdadeiramente implementado". Além disso, têm sido feitas propostas de melhoria ao documento "que não têm sido consideradas" pela tutela. As estimativas apontam para cerca de 827 mil cuidadores informais, ou seja, quase um milhão.
PORTUGAL TEM UMA DAS TAXAS DE CUIDADOS INFORMAIS MAIS ELEVADAS DA EUROPA
O estudo contou com a participação de 760 cuidadores informais. Foi realizado no contexto do projeto "Saúde que Conta", que pretende ajudar os cidadãos a gerir a sua saúde e bem-estar, aumentando os níveis em literacia em saúde. Foi criado em 2011, tendo sido realizadas várias edições deste então, cada uma dedicada a avaliar a literacia dos portugueses em temas e problemáticas específicas.
O projeto é apoiado por uma rede académica de que fazem parte cerca de 20 escolas de saúde e centros de investigação de diferentes partes do país. Entre as várias entidades, encontram-se a Universidade de Évora, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Porto e o Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
A edição deste ano, a oitava, é dedicada aos cuidadores informais. “Somos um dos países mais envelhecidos do mundo e, ao mesmo tempo, apresentamos uma das mais elevadas taxas de cuidados informais no domicílio”, sublinha Ana Escoval, especialista em Políticas e Administração de Sistemas de Saúde. Se esta realidade já é razão para estarmos alerta, há resultados do estudo que são "verdadeiramente preocupantes", alerta.
CUIDADORES SOFREM
Quase 60% dos cuidadores informais avaliam o seu estado de saúde como "razoável". Cerca de 10% avaliam como "mau" ou "muito mau" e apenas perto de 30% como "bom". O cenário é praticamente o mesmo quando se fala em saúde psicológica: cerca de metade (51,3%) avaliam-na como “razoável” e apenas 10% consideram que o seu estado mental está no nível "bom". Os restantes cerca de 40% reportam um estado "mau" ou "muito mau".
"Estamos a falar de pessoas que, enquanto cuidam de quem está doente, estão elas próprias em sofrimento físico e psicológico", sublinha a investigadora. São pessoas que têm, em média, 57 anos, como revela o estudo, sendo altamente expectável que também já apresentem problemas de saúde e uma "funcionalidade reduzida", desempenhando as funções de cuidadoras informais com "sofrimento". “Há um custo pessoal, em termos físicos e psicológicos, para quem cuida. A sobrecarga é muito significativa."
Os questionários a que responderam os cuidadores que participaram no estudo incluíam um espaço para comentários. Alguns dos pequenos textos reforçam esta ideia de exaustão, outros mostram que são frequentes os sentimentos de “abandono”, conta Ana Escoval. "As pessoas frisam muito a questão do apoio e dizem sentir-se sozinhas e abandonadas. Isto influencia necessariamente a sua saúde física e mental."
Segundo o estudo, quase 80% dos cuidadores informais "deixaram de cuidar de si ou da sua saúde para cuidar da pessoa cuidada". “A tarefa de cuidar é de tal forma exigente que a pessoa deixa de ter tempo para as suas rotinas e atividades. Deixa de ter tempo para pensar em si própria.”
QUASE METADE DOS CUIDADORES NÃO TÊM ACESSO A INFORMAÇÃO ADEQUADA
Os níveis de literacia deste grupo populacional também não são satisfatórios. Cerca de 60% têm um nível de literacia em saúde “inadequado ou problemático” e quase metade não têm acesso a informação adequada sobre ser cuidador informal, classificando este acesso como "muito mau" ou "mau".
Foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa entre literacia em saúde, qualidade de vida e sobrecarga. As pessoas com menos literacia - uma realidade que está ligada à educação e, consequentemente, ao nível de rendimentos - apresentam uma qualidade de vida pior e mais sobrecarga, o que mostra a importância de investir nesta área, defende Ana Escoval.
Há outras medidas que, na sua opinião, deveriam ser implementadas, como a criação da figura do gestor social de proximidade, ligado aos centros de saúde e tendo como funções aumentar a literacia dos cuidadores e facilitar o seu acesso aos apoios e cuidados de saúde. Também deveriam ser feitas alterações legislativas no sentido de permitir que, durante o descanso do cuidador, a pessoa cuidada possa permanecer no domicílio em vez de ser temporariamente institucionalizada, sendo ali apoiada por equipas multidisciplinares.
Além de avaliar a saúde física e psicológica dos cuidadores informais e os seus níveis de literacia em saúde, o estudo faz uma caracterização sociodemográfica destas pessoas e dos cuidados que são prestados. Cerca de 80% cuidam de uma pessoa e quase metade (47,0%) cuidam há mais de um ano e menos de cinco anos. Os restantes distribuem-se de forma menos significativa pelos outros períodos de tempo definidos. Quase 40% prestam cuidados até seis horas diárias.
São maioritariamente mulheres (92%) e têm, em média, 57 anos. Apenas cerca de 40% completaram o ensino superior e quase 45% trabalham a tempo inteiro e/ou parcial. No que diz respeito ao rendimento familiar, 43,2% recebem entre 706 e 1.410 por mês.