Rute Agulhas, opinião, in DN
As vítimas de violência (seja ela sexual ou de outra natureza), crianças ou adultos, experienciam um conjunto de emoções que, regra geral, inibem o processo de revelação. Acima de tudo, sentem culpa, medo e vergonha.
O abuso sexual de crianças, o assédio sexual ou moral, a violência doméstica, o bullying... são alguns exemplos de violência que, em comum, têm uma dinâmica de silêncio e de segredo, potenciada pela assimetria de poder entre as vítimas e os agressores. O segredo pode ser reforçado por fatores externos (como as ameaças e o medo daí decorrente, ou as tentativas anteriores de revelação mal sucedidas) ou internos (relacionado com a ativação de mecanismos de defesa que visam proteger o self de algo negativo que não podem controlar).
Neste contexto, sabemos que a maior parte das vítimas de violência passa anos e anos, por vezes a vida inteira, em silêncio. Caladas. A relembrar constantemente aquilo que querem esquecer e que é inesquecível, sem beneficiarem de um processo de ajuda especializada que facilite a elaboração da experiência traumática.
Revelar a alguém que se é, ou foi, vítima de uma situação de violência é muito, mas mesmo muito difícil. E, não raras vezes, a pergunta que as vítimas ouvem do outro lado é: "Porque é que não contou antes?"
Ora, esta é uma pergunta carregada de culpabilização, preconceitos, estereótipos e juízos de valor. Uma pergunta traiçoeira e acusatória, como que a encostar a vítima à parede e a confrontá-la com a sua própria incapacidade em pedir ajuda. Uma pergunta que é proibida.
Como devemos, então, questionar as vítimas? De que modo avaliar os fatores que inibiram uma revelação prévia e aqueles que, agora, a facilitam? É simples. Basta colocar a pergunta ao contrário e de um modo positivo: "O que a ajudou a pedir ajuda neste momento?"
Pode parecer algo pouco importante, perguntar de uma forma ou de outra. Mas a verdade é que pode fazer a diferença entre sentir (ainda mais) culpa ou, antes, algum espaço para falar de receios e preocupações.
As vítimas de violência precisam de confiar para conseguirem revelar. E precisam também de se sentir acolhidas, escutadas e verdadeiramente compreendidas para conseguirem acreditar num processo de ajuda.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal