20.4.23

"Porque é que não contou antes?"

 Rute Agulhas, opinião, in DN



As vítimas de violência (seja ela sexual ou de outra natureza), crianças ou adultos, experienciam um conjunto de emoções que, regra geral, inibem o processo de revelação. Acima de tudo, sentem culpa, medo e vergonha.


O abuso sexual de crianças, o assédio sexual ou moral, a violência doméstica, o bullying... são alguns exemplos de violência que, em comum, têm uma dinâmica de silêncio e de segredo, potenciada pela assimetria de poder entre as vítimas e os agressores. O segredo pode ser reforçado por fatores externos (como as ameaças e o medo daí decorrente, ou as tentativas anteriores de revelação mal sucedidas) ou internos (relacionado com a ativação de mecanismos de defesa que visam proteger o self de algo negativo que não podem controlar).

Neste contexto, sabemos que a maior parte das vítimas de violência passa anos e anos, por vezes a vida inteira, em silêncio. Caladas. A relembrar constantemente aquilo que querem esquecer e que é inesquecível, sem beneficiarem de um processo de ajuda especializada que facilite a elaboração da experiência traumática.

Revelar a alguém que se é, ou foi, vítima de uma situação de violência é muito, mas mesmo muito difícil. E, não raras vezes, a pergunta que as vítimas ouvem do outro lado é: "Porque é que não contou antes?"

Ora, esta é uma pergunta carregada de culpabilização, preconceitos, estereótipos e juízos de valor. Uma pergunta traiçoeira e acusatória, como que a encostar a vítima à parede e a confrontá-la com a sua própria incapacidade em pedir ajuda. Uma pergunta que é proibida.

Como devemos, então, questionar as vítimas? De que modo avaliar os fatores que inibiram uma revelação prévia e aqueles que, agora, a facilitam? É simples. Basta colocar a pergunta ao contrário e de um modo positivo: "O que a ajudou a pedir ajuda neste momento?"


Pode parecer algo pouco importante, perguntar de uma forma ou de outra. Mas a verdade é que pode fazer a diferença entre sentir (ainda mais) culpa ou, antes, algum espaço para falar de receios e preocupações.

As vítimas de violência precisam de confiar para conseguirem revelar. E precisam também de se sentir acolhidas, escutadas e verdadeiramente compreendidas para conseguirem acreditar num processo de ajuda.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal