Governo diz que compromissos assumidos para os salários e progressões são contrabalançados pela diferença salarial entre os trabalhadores que saem e os que entram.
19 de Abril de 2023, 6:39
O Programa de Estabilidade prevê, nas metas que define para as despesas com pessoal, um reforço de verbas em 2024 que é metade do estimado para este ano. É uma margem que parece ser pequena tendo em conta os compromissos já assumidos no próximo ano pelo Governo para os aumentos salariais e para as progressões na função pública. O Ministério das Finanças diz que a explicação pode estar na “diferença salarial entre as entradas e saídas da Administração Pública”.
No Programa de Estabilidade entregue nesta segunda-feira no Parlamento, e onde é definida a estratégia da política económica e orçamental para os próximos cinco anos, o Governo aponta para aumentos da despesa com pessoal na Administração Pública situados entre os 3% e os 3,5% em todos os anos até 2027, com uma única excepção: 2023.
De facto, para este ano, a estimativa é que a despesa com pessoal aumente, face a 2022, 1819 milhões euros, ou 7%. É um reforço de verbas que serve para fazer face ao aumento salarial de 52 euros ou de um mínimo de 2% dado a cada funcionário público logo a partir de Janeiro, assim como a subida da base salarial em 8% (com um impacto orçamental calculado em 738 milhões de euros); ao aumento extra de 1% anunciado em Março e que terá retroactivos ao início do ano (com um custo de 186 milhões de euros); e à subida do subsídio de refeição (118 milhões de euros).
É também utilizado para pôr em prática as promoções e progressões de carreiras na função pública, cujo montante não é ainda conhecido. E deverá espelhar igualmente aquilo que o Governo espera que possa acontecer nas entradas e saídas da função pública, seja por via de um aumento ou redução do número de efectivos, seja pelo chamado efeito de composição, que mostra a diferença de nível salarial entre os funcionários que se aposentam e os que são agora contratados. Não existem informações sobre os efeitos exactos que são esperados pelo Governo a este nível.
Este reforço de 1819 milhões de euros inscrito no Programa de Estabilidade 2023-2027 parece dar margem de manobra para o Governo fazer face a todos estes aumentos de despesa que assumiu para 2023, ficando mesmo um pouco acima daquilo que já tinha sido anunciado pelo Governo.
Abrandamento em 2024
O que surpreende mais são os reforços de verbas previstos para os anos seguintes. Para 2024, em particular, o aumento estimado para as despesas com pessoal é de 909 milhões de euros (ou 3,3%). É um valor que é metade do antecipado para este ano, apesar de, também para 2024, o Governo já se ter comprometido com medidas que implicam um importante esforço orçamental, semelhante ao deste ano.
Desde logo, no acordo plurianual de valorização dos trabalhadores da Administração Pública assinado no ano passado, ficou estabelecido que, também nos próximos anos, se irá proceder a um aumento anual equivalente a um nível remuneratório (cerca de 52 euros) ou de um mínimo de 2%.
É um aumento em tudo semelhante ao aplicado em 2023 e que, de acordo com os cálculos do Governo, custará 738 milhões de euros, o que significa que pode absorver, em 2024, logo mais de 80% do aumento de despesa com pessoal prevista no Programa de Estabilidade para esse ano.
A diferença entre os aumentos feitos em 2023 e os já assumidos para 2024 está no aumento extra de 1% e no reforço do subsídio de refeição, que custam um pouco mais de 300 milhões de euros.
Falta ainda ao Governo, em 2024 e nos anos seguintes, fazer face aos aumentos de despesa que irão resultar das promoções e progressões na função pública, principalmente tendo em conta que foram anunciadas alterações a este nível que podem conduzir a uma aceleração das progressões precisamente a partir do próximo ano.
Há umas semanas, o executivo anunciou que vai acelerar a progressão na carreira de 349 mil trabalhadores (47% do total de trabalhadores da Administração Pública) afectados pelos nove anos de congelamento.
A medida, que começa a ter efeitos em 2024, é equivalente à que foi apresentada para os professores e procura responder à situação dos trabalhadores que entraram na função pública há pelo menos 18 anos e viram metade do seu tempo de serviço afectado por congelamentos.
Em vez de dez pontos acumulados no quadro do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP), serão exigidos seis pontos a este universo de trabalhadores. O acelerador aplica-se uma única vez e, em 2024, abrangerá os trabalhadores que cumprem os critérios. Quem ainda não tiver os pontos mínimos exigidos terá de esperar e fará a progressão nos anos seguintes.
Além disso, está na calha uma alteração estrutural do SIADAP com o objectivo de tornar o desenvolvimento da carreira mais ágil e rápido. Do que se sabe até agora, os efeitos do novo sistema de avaliação começam a sentir-se a partir de 2026. E se o objectivo for alcançado, permitirá que mais trabalhadores possam progredir.
Não há sinais desta aceleração, antes pelo contrário, nas verbas previstas no Programa de Estabilidade para a despesa com pessoal. Depois dos 909 milhões de reforço previstos em 2024, entre 2025 e 2027, o Programa de Estabilidade prevê aumentos da despesa com pessoal sempre na ordem os 1000 milhões de euros.
Entradas e saídas
Em resposta às questões colocadas pelo PÚBLICO sobre estes números, o Ministério das Finanças garante que “as projecções [do Programa de Estabilidade] foram realizadas respeitando integralmente o previsto no acordo plurianual de valorização dos trabalhadores da Administração Pública [assinado em Outubro com os sindicatos da UGT], o normal desenvolvimento das carreiras, bem como o aumento da base remuneratória fruto da actualização da remuneração mínima garantida”.
E assinala que, para além das medidas que fazem subir a despesa com pessoal, também há efeitos que actuam no sentido contrário. “Contribuindo para a contenção dos gastos com pessoal destacam-se, entre outros efeitos, um efeito de volume e a diferença salarial entre as entradas e saídas da Administração Pública”, afirma. Aparentemente, o Executivo está à espera de poupanças significativas, ou com uma redução do número de efectivos, ou com a entrada de novos funcionários a ganharem menos do que aqueles que se aposentam.
O PÚBLICO pediu ao Ministério das Finanças dados sobre a dimensão esperada deste efeito de composição e de volume nas despesas com pessoal, mas não obteve resposta.
As Finanças destacam antes que "os gastos com pessoal inscritos no Programa de Estabilidade crescerão acima das variações de preços" em todos os anos desde 2023 até 2027. Esta análise, no entanto, é feita levando em conta a inflação registada no mesmo ano a que diz respeito a despesa, quando os aumentos têm vindo a ser feitos tendo em conta a inflação dos anos anteriores.
Foi por isso que, no ano passado, depois de uma inflação baixa de 1,3% em 2021, os aumentos salariais não passaram de 0,9% e o aumento da despesa com pessoal foi de 3,5%, apesar de a inflação em 2022 ter disparado para 8,1%.
Essa perda acentuada de poder de compra poderá agora, se a inflação seguir o rumo que o Governo espera e o compromisso feito em termos de aumentos salariais se cumprir, vir a ser compensado aos poucos nos próximos anos.